segunda-feira, dezembro 29, 2003

China, o novo país do futuro


O século XXI será o século asiático, já diziam nos anos 80. E, se pensava que o Japão seria a locomotiva que arrastaria toda a região ao desenvolvimento sustentado, talvez auxiliado pelos países denominados Tigres Asiáticos. Acontece que o futuro chegou de uma maneira um pouco diferente ao previsto naquela época.

A China, com 7.000 anos de história documentada e 1,3 bilhão de pessoas, é o país alvo de todos os analistas do planeta, tanto pelo seu crescimento avantajado, como pelo inédito de sua situação política, pois o regime político é comunista com uma economia de mercado. Enquanto a Rússia teve que se democratizar para que sua economia pudesse crescer, a China cresce dentro do regime comunista, adotando regras da economia de mercado. É o que se denomina “modelo chinês de socialismo de mercado”.

Os números relativos à economia chinesa assustam. Quarto país comercial do mundo, ficando atrás apenas dos EUA, Japão e Alemanha, a China exportou até outubro de 2003 a cifra de 348,6 bilhões de dólares, sendo que metade de sua pauta de exportações está composta de máquinas e eletrônicos. No período de 1980 a 2000 o país recebeu quase meio trilhão de dólares em investimentos externos diretos. Com sua entrada na Organização Mundial do Comercio – OMC em 2001, a China tornou-se o terceiro maior parceiro comercial dos EUA.

A taxa de crescimento chinesa variou de 10% nos anos 80 para 9% nos anos 90, sendo que para 2003 a previsão é de crescimento igual ao dos EUA, isto é, 8%. Basta comparar o crescimento brasileiro de 2003 para ter uma noção do espetacular crescimento chinês. Mas estudos do banco Goldman Sachs informam que mesmo diminuindo pela metade seu atual crescimento, a China ultrapassará a economia da Inglaterra em 2005, da Alemanha em 2007, a do Japão em 2007 e a dos EUA em 2040. Esse dinamismo econômico plasmou-se quando da assinatura do Tratado de Amizade e Cooperação com a Índia e com os 10 países membros da Associação de Nações do Sudeste Asiático – ASEAN.


O país possui uma excelente e barata mão-de-obra qualificada, de maneira que os 300 mil engenheiros que entram no mercado de trabalho anualmente competem com os melhores do mundo, mesmo ganhando em media 20% a menos que um colega europeu ou americano.

A força da tecnologia chinesa foi coroada no dia 16 de outubro com o lançamento do tenente-coronel Yang Liwei ao espaço, primeiro astronauta (ou como dizem por ali “taikonauta”) chinês a entrar em órbita, a bordo da nave Shenzhou V, “Nave Divina”, que custou 2,5 bilhões de dólares. Sem contar os setenta satélites comerciais ocidentais já colocados em órbita.

Em apenas 10 anos, a China elevou o padrão de vida de 270 milhões de pessoas, sendo que 65 milhões destas chegaram ao patamar de classe média, com poder aquisitivo suficiente para comprar carros, telefones celulares e assinar TV a cabo. Calcula-se que até 2006, 100 milhões de turistas chineses irão substituir os atuais 18 milhões de japoneses como os maiores turistas do planeta.

Nem mesmo a certeza de que a China viola constantemente os Direitos Humanos de milhares de seus cidadãos diminui o comercio exterior do país. Em 2002 a Anistia Internacional informou que a China executou mais de mil pessoas, o que transforma o país no campeão das execuções. Os EUA (tantas vezes implacável com o regime cubano) desde a histórica visita de Nixon ao país em 1972, decidiu usar o comércio como forma de aproximação à cultura dos Direitos Humanos, de maneira que ignora essas violações de direitos em território chinês.

A recente epidemia de Síndrome Respiratória Aguda, em inglês SARS, pegou de surpresa ao Presidente Hu Jiantao e o Primeiro-Ministro Wen Jiabo, recém empossados em seus cargos. Eles foram designados no 16º Congresso do Partido Comunista Chinês – PCC em 2002, e assumiram seus cargos em março de 2003.

Porém, a China enfrentará problemas muito mais importantes neste século, como por exemplo o fato de que para alimentar a 1,3 bilhão de pessoas, o país possui menos espaço arável que os EUA. O Crescimento urbano é bastante desorganizado e a manutenção da lei e da ordem neste país gigantesco é algo bastante difícil. Entre seus quatorze vizinhos incluem alguns pouco estáveis, assim que suas fronteiras e os grupos separatistas mulçumanos fundamentalistas criam certa tensão. A situação de Taiwan é grave, e desde acordo com o maior especialista em China, o professor Jonathan Spence, da Universidade de Yale (EUA), o mais recomendado para resolver essa situação é a negociação política, e não as medidas populistas tomadas pelo governo da ilha.

Entretanto, o problema político tende a ser resolvido de forma tranqüila. O professor Spense é otimista com relação à democratização da China neste século XXI, pois acredita ser “impossível conter a vontade de 1,3 bilhão de pessoas por muito tempo”, mesmo contando o atual poder político com o apoio do exército chinês.

O Grande Timoneiro Mao Tsè-tung, que venceu a revolução de 1949 e criou a República Popular da China, não reconheceria a nova China, arquitetada pelo seu substituto Deng Xiaoping, grande iniciador das reformas que alavancaram o atual desenvolvimento chinês. Por tudo isso, é hora do Itamaraty colocar todos seus esforços numa aliança estratégica com esse gigante que já deu sinais importantes de sua grandeza e poder.

quarta-feira, dezembro 24, 2003

A Constituição da União Européia


A aprovação da Constituição da União Européia – UE foi abortada na recente Cúpula de Bruxelas por Espanha e Polônia. Os dois países, temerosos da redução das ajudas que recebem da UE, foram contra as mudanças no texto da Carta Constitucional Européia propostas por Alemanha e França, com relação ao sistema de votação.

Os países mais ricos da EU e, portanto os maiores contribuídos para o bloco, dentre eles Alemanha e França, desejavam mudanças no sistema de votação para as instituições européias, para conseguir maior peso nas mesmas e conseqüentemente na tomada de decisões. Através do novo sistema de votação no Conselho de Ministros do bloco, os países mais populosos ficarão com mais poder no processo de tomada de decisões.

O resultado do bloqueio levado por Espanha e Polônia na Cúpula de Bruxelas não tardou em surgir. Os seis países que mais contribuem para a União Européia – UE, Alemanha, França, Reino Unido, Holanda, Suécia e Áustria, pediram o congelamento do Orçamento do bloco até 2013. O significado é claro: congelamento dos polpudos subsídios agrícolas, industriais e de infra-estrutura recebidos pelos estados-membros menos ricos, como Espanha e Polônia.

Desta maneira, o aumento do Orçamento da UE para 2007/2013 fica condicionado à aprovação do novo sistema de votação do Conselho de Ministros defendido por Alemanha e França, o verdadeiro motor do bloco europeu.

Valéry Giscard d'Estaing, ex-Presidente da França (1974/1981), é desde março de 2002 o Presidente da Convenção sobre o Futuro de Europa, instituição que conta com mais de 100 membros e que dirige os debates sobre as reformas da União Européia para sua ampliação a 25 membros. Ele venceu a disputa em dezembro de 2001 contra então favorito para o cargo, o Primeiro Ministro holandês Wim Kork, com o apoio da Alemanha e do Presidente francês Jacques Chirac, preocupado em tirar de cena o principal candidato de centro-direita à sua pretensão de reeleição em maio de 2002.

Considerado o pai da Constituição da União Européia, Giscard d'Estaing foi um dos maiores entusiastas da União Monetária, que resultou na criação da moeda única, o Euro. Entretanto, sua eleição em dezembro de 2001 para a Presidência da Convenção sobre o Futuro de Europa foi polêmica, pois os meios de comunicação europeus criticaram sua idade, 75 anos, e seu notório conservadorismo.

O futuro da União Européia ficou traçado em dezembro de 2001, quando da aprovação da Declaração de Laeken, um verdadeiro roteiro para as reformas dentro do bloco. Nesta época, as pesquisas indicavam que 67% dos europeus queriam a aprovação de uma Constituição.

A Constituição da União Européia é a coroação de um trabalho de reforma de suas instituições que começou efetivamente com a criação da Convenção sobre o Futuro de Europa em março de 2002, e posteriormente em outubro de 2002, quando a Comissão Européia decidiu favoravelmente sobre a incorporação ao bloco de 10 novos países membros em 2004.

O problema maior que urge reformas na União Européia é a questão do funcionamento de suas instituições atuais, depois da entrada no bloco dos 10 novos países membros.

Mesmo que tivesse sido aprovada na Cúpula de Bruxelas, ocorrida em dezembro do corrente, o processo de ratificação da Constituição da UE levaria com que a mesma estivesse em vigor apenas em 2005.

sexta-feira, dezembro 19, 2003

A Cúpula do MERCOSUL e a ALCA

A 25ª Reunião de Cúpula do Mercosul ocorrida nesta semana demonstrou o empenho da diplomacia nacional em abrir novos mercados para o país, bem como consolidar a hegemonia brasileira na América do Sul, considerado o espaço natural de influencia e domínio brasileiro.

As novidades da Reunião de Cúpula foram a presença do mais novo país associado ao Mercosul, a República do Peru, participando pela primeira vez do bloco Sul-americano, que vem juntar-se ao Chile e Bolívia, nossos tradicionais associados, e do ex-presidente argentino Eduardo Duhalde, que acaba de assumir o mais novo cargo político do Mercosul, o de Presidente da Comissão de Representantes.

O fortalecimento institucional do Mercosul foi buscado com a criação do cargo de Presidente da Comissão de Representantes, ocupado por Duhalde, e demonstrado pela presença à Reunião do representante comercial da União Européia, Pascal Lamy. A Cúpula também contou com a presença do Ministro de Relações Exteriores da Rússia, Igor Ivanov, numa clara referência à vontade política do Mercosul de manter estreitas relações com a Europa não participante da União Européia, e do Primeiro-Ministro de Angola, Fernando da Piedade Dias dos Santos, que representa o interesse do Mercosul em aproximar-se da União Africana.

O Presidente Lula firmou que 2004 será o ano do crescimento brasileiro. E a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe – CEPAL confirmou as palavras de Lula, pois a previsão de crescimento brasileiro para o próximo ano será de 3,3%.

Com relação à Área de Livre Comercio das Américas – ALCA, os EUA fecharam acordos recentemente com quatro países da América Central, a saber, El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua. A vitória americana somente não foi completa, com relação a esses países de economia insignificante na esfera mundial, porque a Costa Rica desistiu de assinar o acordo junto com seus vizinhos. A Costa Rica era um dos países que estavam alinhados com o Brasil, com a China e a Índia, formando o G-20, grupo que brigava por melhores condições de comercio na Organização Mundial do Comercio – OMC. Entretanto, o país abandonou o G-20, atraído pela promessa dos EUA de garantir acesso privilegiado ao mercado americano.

A nota de humor da 25ª Reunião de Cúpula do Mercosul ficou por conta do Presidente Nestor Kirchner, da Argentina, que cometeu a gafe de fazer o Presidente Lula esperá-lo por mais de meia hora para um encontro de trabalho. Atrasos são normais em encontros desta envergadura, o gracioso é que o Presidente argentino estava hospedado alguns andares acima do restaurante do encontro, no mesmo hotel.

quinta-feira, dezembro 11, 2003

As eleições legislativas na nova Rússia

As eleições para a renovação dos 450 integrantes da Câmara Baixa do Parlamento russo – Duma ocorreram dia sete de dezembro, e o grande vitorioso foi o Presidente Vladimir Putin, através do seu partido Rússia Unida, que obteve mais de 37% dos votos validos dos 110,7 milhões de eleitores russos, sendo que o índice de participação atingiu 56%. Segundo dados parciais, o partido de Putin conseguiu ao menos 222 das 450 cadeiras da Duma, sendo que o Partido Comunista – principal adversário de Putin – teria conseguido apenas 53 cadeiras.
Desta forma, o perfil atual da Duma ficou distribuído entre 37% para Rússia Unida, 12,7% para o Partido Comunista comandado por Zyuganov, o ultranacionalista Partido Liberal-Democrático da Rússia - LDPR de Vladimir Jirinovski com 11,8% e a aliança nacionalista de esquerda A Pátria com 9% .
Entretanto, vários organismos observadores internacionais e a própria Casa Branca afirmaram que essas eleições foram um verdadeiro retrocesso para a jovem democracia russa, uma vez que a máquina governamental favoreceu o partido de Putin, através da manipulação dos meios de comunicação estatais e pela utilização de dinheiro público.
A falta de alternativas atraentes na atual cena política russa garantiu a Putin a vitória. Putin possui hoje uma aprovação de 82% do eleitorado russo, patamar conquistado graças a sua cruzada contra os chamados oligarcas, ou seja, os empresários enriquecidos pela corrupção na época das privatizações levadas a cabo pelo ex-presidente Boris Ieltsin na década de 90. Também se atribui esse enorme índice de aprovação do Presidente Putin ao fato de que até hoje o eleitorado russo considera necessário um líder forte para governar o país.
O fator econômico também é favorável a Putin, pois a Rússia cresceu nos últimos cincos anos a uma media de 6,6%, recebendo desde a queda da União Soviética em 1991 a cifra de 54 bilhões de dólares em investimentos externos. Algo totalmente inédito em solo russo, a economia apresenta uma moeda estável, a inflação controlada e uma boa reserva de divisas. A locomotiva desse sucesso econômico se encontra na produção petrolífera, pois é bem sabido que a economia russa é bastante frágil, sendo que 12 grupos econômicos produzem 70% do PIB nacional, e que 40 milhões de cidadãos vivem abaixo da linha de pobreza.
Por fim, outra grande bandeira de campanha de Putin, a dureza com que o Presidente combate os separatistas tchetchenos e a afirmação de que a questão tchetchena está resolvida, se viu um pouco debilitada, pois o atentado terrorista no centro de Moscou, próximo ao Kremlin – a sede do poder russo, do último nove de dezembro vitimou mais de seis pessoas, além de ferir outras treze, demonstrou que o problema segue na ordem do dia. Foi o segundo atentado suicida em menos de quatro dias, pois no dia cinco de dezembro uma explosão destruiu parte de um trem na cidade de Yesentuki, causando a morte de quarenta e quatro e ferindo mais de duzentas pessoas.
A vitória nestas eleições legislativas pavimenta o caminho para a reeleição do Presidente Vladimir Putin em março de 2004, quando se realizarão as eleições presidenciais na Rússia.

segunda-feira, dezembro 01, 2003

O Brasil na ALCA


A notícia de que o Brasil e os EUA fecharam um acordo light para a efetivação do Acordo de Livre Comércio das Américas – ALCA pegou a alguns desavisados de surpresa, num momento em que os ânimos ideológicos e nacionalistas já ameaçavam subir vários graus na escala da insensatez.

Desconhecem a grande tradição da diplomacia brasileira de esvaziar qualquer sinal de enfrentamento com os EUA, para contornando os pontos polêmicos da agenda bilateral, conseguir ocupar um espaço de atuação digno do tamanho do nosso país, e se possível ligeiramente superior ao nosso pífio 'poderio' econômico. Portanto, não foi nenhuma novidade para a história das relações Brasil-EUA a composição de acordo para a criação da ALCA light.

O livre comércio a qualquer preço não interessa ao Brasil, pois somos os únicos na América Latina que ainda tem algo a perder em matéria de acordos comerciais a todo preço. Não existe ALCA sem Brasil, porque aos EUA não interessa fazer acordo para liberalizar a economia de países com números insignificantes. O México poderia ser um país com perfil de interesse para os EUA na ALCA, mas os mexicanos já estão integrados economicamente aos ianques através do Tratado de Livre Comércio da América do Norte, com sigla em inglês NAFTA. Ademais, como observou o embaixador Rubens Ricupero, países como China e Taiwan, que muito se beneficiaram do comercio mundial, há dois anos nem participavam da Organização Mundial do Comércio – OMC.

Enquanto o discurso do livre comércio é recitado pelos EUA e Europa Ocidental, a realidade é que o protecionismo é adotado por ambos, tanto na industria siderúrgica como na agricultura, prejudicando aqueles países que podem competir e vencer a guerra do comercio internacional nestas áreas. Como disse Manuel Castells, uma simples vaca européia recebe dois dólares ao dia em subsídios, ou seja, o equivalente à renda diária de quase 40% da população mundial.

Cada vez mais “o livre comércio é guerra”, como afirmou Naomi Klein, e a cena que traduz essa afirmação é a de Paul Bremer no Iraque, vestido de paletó e gravata, e calçado de botas militares. E por falar em guerra, em recente entrevista a ex-Secretaria de Estado americana Madeleine Albright receitou que, para próprio bem da América Latina, a região deveria jogar um papel mais ativo no cenário mundial. E vaticinou que a criação de uma força militar Latino-americana que colaborasse nos esforços de paz no mundo daria à região mais influencia internacional.

Porém, a América Latina segue seu caminho na contramão econômica mundial, apesar do texto final da Reunião de Ministros de Educação do continente americano, que veio à luz em 13 de agosto último na capital mexicana, propor a troca da dívida externa por investimentos em educação. Mais dinheiro para um sistema de educação retrogrado e corrupto, que forma demasiados Bacharéis em Direito e Engenheiros de menos.

O acordo firmado agora em novembro, em Miami, sobre a ALCA significa apenas que muita água ainda vai rolar até 2005, e que muitos temas em debate poderão ser resolvidos em outros foros de discussão mundial, como a OMC, por exemplo. Contudo, não devemos esquecer que em 2004 teremos eleições para Presidente dos EUA, e que Bush Jr. é candidato. Será que ainda lembramos do fiasco que foi a ultima eleição? Quem viver, verá.