segunda-feira, janeiro 19, 2004

A Cúpula das Américas em Monterrey


Da recente Cúpula Extraordinária das Américas em Monterrey, México, podemos tirar várias conclusões. Entretanto, a principal é que ficou clara a divisão entre os EUA e a América Latina. Os Estados Ibero-americanos mostraram que não estão dispostos a seguir docilmente a liderança estadunidense. As duas Américas, a Anglo-saxônica e a Ibero-americana, estão distanciadas como há muito tempo não se via.

A agenda da Cúpula era para tratar sobre desenvolvimento, pobreza e crescimento com eqüidade. Mas, como sempre, os EUA pressionaram por maior abertura comercial, pregando que o livre comércio erradicará a pobreza no continente. O eixo formado por Argentina, Brasil e Venezuela, liderado por presidentes considerados “esquerdistas” por Washington, dificultou o consenso com os EUA. Para estes países, a receita de maior liberalização do comércio não combate a pobreza.
Os EUA desejam acelerar as negociações e concluir um acordo sobre a ALCA antes das eleições presidenciais estadunidenses de novembro. Para Washington, a ALCA deve ser uma realidade antes de 2005. O Presidente Bush culpou à corrupção como grande responsável pelos maus desempenhos políticos e econômicos da Ibero-america. Sua proposta de retirar a participação dos Estados corruptos em Cúpulas Americanas não vingou, pois a oposição brasileira foi contundente ao questionar o mecanismo e os critérios para definir um país como corrupto. A medida foi considerada uma manobra estadunidense para controlar os governos que lhe desagradem.

O Brasil, através do Presidente Lula, é a principal voz contrária à discussão de temas relacionados com a ALCA durante a Cúpula. Ademais, Lula retomou sem sucesso a proposta de criação de um fundo regional de combate à pobreza, para financiar os países mais atrasados do continente, tal como existe na União Européia.

Ibero-américa segue com 43,4% de sua população mergulhada na pobreza, o que significa um total de 220 milhões de pessoas. A agricultura subvencionada dos EUA custa aos países Ibero-americanos quase 5,5 bilhões de dólares anuais. De acordo com os dados do Departamento de Agricultura dos EUA e da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – OCDE, os EUA vendem seu trigo 40% mais barato que seu custo de produção, o milho entre 25 e 30%, a soja a 30% e o algodão a 57%.

O Presidente venezuelano Hugo Chávez afirmou que Cúpulas assim não servem pra nada, e que os EUA apadrinham seu fracasso. Em resposta à acusação de que não exerce um papel construtivo na região, feita pela Conselheira de Segurança dos EUA Condoleezza Rice, Chávez simplesmente a classificou de “uma verdadeira analfabeta”.

Para o México, a regularização dos trabalhadores mexicanos indocumentados nos EUA não elimina o problema da emigração, como o Tratado de Livre Comércio da América do Norte não ajudou o país a diminuir a pobreza, apesar da opinião contrária do Presidente Bush. O comércio exterior mexicano saltou de 88 bilhões de dólares em 1993 para 350 milhões de dólares em 2002, mas a maior parte do lucro obtido ficou com as maquiadoras estadunidenses instaladas na fronteira mexicana. A verdade é que a relação do país com os EUA está normalizada, depois do México condenar a invasão do Iraque, chegando mesmo Bush a convidar o Presidente Fox a visitá-lo em seu rancho texano.
Argentina, através do Presidente Néstor Kirchner manteve contato durante a Cúpula com o representante do FMI, Horst Koehler, para dizer-lhe que revise a dívida argentina o quanto antes, pois agora em março o país terá que desembolsar uma importante parcela aos credores externos.

Bolívia e Chile se enfrentaram através de seus respectivos Presidentes, Mesa e Lagos, pela questão do território boliviano com saída pro mar, perdido pro Chile na Guerra do Pacífico de 1879-1883. Em 1904 os dois países estabeleceram um acordo definitivo sobre suas fronteiras, que foi aprovado por ambos congressos. A Colômbia do Presidente Uribe segue as idéias de Washington, apostando por maior ajuda estadunidense para vencer uma guerra civil que se arrasta há décadas. Mais uma vez Cuba não participou deste tipo de Cúpula, e mais uma vez sua exclusão apenas reforçou sua luta contra o imperialismo que já dura mais de 50 anos.

A declaração final da Cúpula, denominada “Declaração de Nuevo León”, estado mexicano cuja capital é a cidade de Monterrey, foi aprovada pelos 33 Estados Americanos presentes. Mais uma Declaração, mais retórica, mais protelação nessa relação de amor e ódio entre duas Américas divididas pela economia, pela diversidade cultural e pela história.