segunda-feira, março 01, 2004

O inverno do amor em San Francisco


A polêmica do momento nos EUA é o fato do Prefeito de San Francisco, Califórnia, o democrata Gavin Newsom, ter autorizado em 12 de fevereiro último a realização de casamentos entre homossexuais. Como se não bastasse, a Suprema Corte do Estado da Califórnia julgou, agora dia 27 de fevereiro, a ação interposta pelos conservadores que pedia a anulação das 3.500 licenças de matrimônio concedidas pela Prefeitura de San Francisco, negando-se a anulá-las e mantendo a legalidade das mesmas. É de se recordar que o mais alto Tribunal do Estado da Califórnia mantém uma jurisprudência progressista há anos, pois há exatos 56 anos legalizou os casamentos inter-raciais e há 25 decidiu contra as descriminações das empresas contra os homossexuais.

Também a Suprema Corte do Estado de Massachusetts decidiu em novembro de 2003 que é inconstitucional proibir os matrimônios gays – a decisão entrará em vigor em maio de 2004. Por fim, o Prefeito da cidade de New Paltz, Estado de Nova York, Jason West, casou no dia 27 de fevereiro passado a 25 casais homossexuais. O Chefe do Ministério Público do Estado de Nova York, Eliot Spitzer, negou-se a interromper as cerimônias realizadas pelo Prefeito Jason West, mesmo sem se pronunciar sobre a legalidade daqueles matrimônios.

Como em novembro próximo os estadunidenses vão às urnas para eleição presidencial, a reação conservadora não se fez esperar e a polêmica promete incendiar os debates eleitorais. Os dois aspirantes a candidato pelo Partido Democrata, John Kerry e John Edwards, se manifestaram em contra o matrimônio homossexual, e a favor das leis de união estável, que nos EUA acolhem os casais gays.

O Presidente George W. Bush, representante maior da ala conservadora, já levantou até a possibilidade de reformar a Constituição americana, que é de 17 de setembro de 1787, para introduzir uma emenda que proíba o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo. Para ele, o matrimônio é a “instituição fundamental da civilização”. Para a aprovação de uma emenda à Constituição dos EUA é necessário o voto de dois terços do Congresso e de 75% dos Estados federados. Ademais desta dificuldade processual de aprovação, a emenda sugerida pelo Presidente Bush ainda enfrenta um obstáculo maior, que reside no fato de que a Constituição dos EUA consagra a igualdade e a não discriminação diante da Lei.

Mesmo ocorrendo que em 38 Estados da federação estadunidense a legislação civil considera o matrimônio um sacramento entre homem e mulher, vários deputados conservadores republicanos se mobilizam para reformar as Constituições Estaduais no sentido de proibir o matrimônio homossexual.

Os efeitos jurídicos do matrimônio são vários, e nos EUA foram contabilizados em 1.049, somente na esfera federal. Vão desde a propriedade, herança, seguros, pensões, seguro médico, divórcio, benefícios na Previdência Social, até a custódia dos filhos em caso de separação.

E milhares de casais homossexuais, de todas as partes do mundo, já aproveitaram a oportunidade legal aberta pela cidade de San Francisco para casarem-se, no que já foi denominado pela grande imprensa de o “inverno do amor”.

No Brasil, o novo Código Civil não proíbe expressamente o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo, pois inexiste vedação expressa tanto no capítulo que trata da capacidade para o casamento, como no capítulo dos impedimentos. Sem embargo, em vários dispositivos seus encontramos referencia a que o casamento é a união entre homem e mulher. No art. 1.514, encontramos: “O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados”. Da mesma forma, o art. 1.517, dispondo sobre a capacidade para o casamento, determina: “O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil”.

O Império Britânico durou uma eternidade em termos de dominação, principalmente porque baseava sua administração imperialista em dois princípios básicos: pagar o imposto e respeitar a lei da Coroa. Tudo o mais, em matéria de religião, sexo, costumes e polêmicas era relativamente deixado de lado. Os EUA com seu puritanismo hipócrita tenta cercear o direito mais bonito já escrito em um texto constitucional, o direito inalienável de buscar a felicidade, presente na sua Declaração de Independência de 4 de julho de 1776: “Consideramos de per si evidentes as verdades seguintes: que todos os homens são criaturas iguais; que são dotados pelo seu Criador com certos direitos inalienáveis; e que, entre estes, se encontram a vida, a liberdade e a busca da felicidade”. Todas as pessoas possuem o direito inalienável a buscar a felicidade, seja de que forma seja, desde que não cause dano aos demais. Por isso, devemos deixar que cada um escolha sua maneira própria de ser feliz.

Como toda polêmica que ocorre nos EUA acaba por chegar ao Brasil, não é de se admirar que dentro de breve a atual esteja nas páginas dos jornais. Ou melhor, nas páginas dos Diários de Justiça, onde se publicam a jurisprudência dos nossos Tribunais.