quinta-feira, julho 29, 2004

Império e Hegemonia


A questão da necessidade dos EUA assumirem seu papel imperial, sem nenhum tipo de complexos e de maneira consciente, diante do fato de serem hoje em dia uma potência com poderes incomparáveis na história, assume o centro das discussões. Como afirma Xavier Batalla, para um enorme setor acadêmico dos EUA, o termo “imperialista” já não representa uma crítica, mas um elogio.

As divergências entre as opiniões dos intelectuais americanos sobre a questão de assumir ou não a condição de império global partem do princípio de que os EUA possuem o dever de fazê-lo, ainda que não o tenham buscado, uma vez que são os únicos com poder de fato para tanto. Como explica o professor Marc Trachtenberg, da Universidade da Califórnia: “Não queremos este papel. Não estamos feitos para a função imperial. Mas alguém tem que resolver os problemas. Podemos cegar a intoxicar-nos com nossa força e impulsionar políticas disparatadas, baseadas na imposição de nosso sistema e nossa ideologia ao resto do mundo. Os europeus se queixam e, sem embargo, lhes resulta muito cômodo que lhes garantamos o abastecimento de petróleo ou lhes solucionemos conflitos internos como o de Kosovo”.

Por outro lado, outros intelectuais americanos como Christopher Layne e Benjamín Schwarz, possuem opinião divergente, pois afirmam: “É evidente que é exagero sugerir que a busca da ordem mundial implicará aos EUA, como dizia lord Rosebery, em quarenta guerras simultâneas. Mas não é exagero observar que a estratégia de preponderância conduzirá inexoravelmente a um império que se estenda por todo o mundo”.

Para o historiador Eric Hobsbawm, os EUA buscaram a hegemonia desde o fim da II Guerra Mundial, e que com exceção da França, todo o Ocidente permitiu esse objetivo, por medo a então União Soviética. Em seu último livro, “El optimismo de la voluntad”, publicado este ano na Espanha, Hobsbawm afirmou: “A verdade é que os americanos se servem destes argumentos para legitimar sua política hegemônica no mundo, uma política da qual nem eles mesmos sabem os limites. Não guardo nenhuma dúvida sobre o fato de que os EUA querem acabar sendo o único pais armado até os dentes no mundo”. Entretanto, o conhecido historiador marxista desfaz qualquer sentimento anti-americano, pois conclui: “Eu não sou hostil a uma hegemonia norte-americana, porque ainda que não goste do mundo americano, tampouco é inaceitável. Há coisas nos EUA que o mundo deveria aprender, como o sentido da possibilidade de transformar as coisas. Nos EUA se pode verdadeiramente mudar de vida; é um país no qual os ideais ainda possuem sentido”.

Como afirma Anthony Pagden, o atual vocábulo império procede da raiz latina imperium, que na antiguidade romana representava o poder supremo tanto de mando na guerra como do magistrado na sanção das leis. A principio como sinônimo de soberania, o vocábulo império passa a partir da época da república romana a ser empregado para se referir ao governo sobre vastos territórios. E agrega: A palavra “império” se converteu tanto em metáfora como na descrição de uma classe concreta de sociedade. Hoje usa-se em geral como sinônimo de abuso, ainda que muitas vezes dourada de um tom de nostalgia. 'Império' sugere exploração sem piedade de povos em grande medida indefesos, menos complexos tecnologicamente, pela força dos avances técnicos de outros.

A Doutrina Bush, intitulada “A nova estratégia de segurança nacional dos EUA”, foi enviada ao congresso estadunidense em setembro de 2002, e daí às páginas dos jornais, pelo qual não existe motivo para manter em silêncio a vocação imperial, que se manifesta através da determinação estadunidense de não permitir que nenhum outro estado se aproxime em potência militar: “Nossas forças serão bastante poderosas para dissuadir a potencias adversárias que acumulem armas na esperança de superar ou igualar aos EUA”.

Um império que inexoravelmente se estenderá por todo o mundo. Segundo Vázquez Montalbán, uma vez que o “Império do Bem” ganhou a Guerra Fría, não existe mas a necessidade de dissimular a hegemonia. Por tanto, temos de concordar ante a evidencia de que sob o governo do Presidente Bush, os EUA mantém como única política exterior a ideologia imperialista, devido a sua hegemonia econômica e militar.

Contudo, a historia nos ensina que a maioria dos impérios se converteram em sociedades cosmopolitas e universais com o passar dos tempos, além de adotarem medidas tolerantes diante da diversidade de culturas e credos que possa englobar, sendo assim, locais de favorecimento do desenvolvimento e a difusão do saber humano.

Enfim, o século XXI começa de fato com os atentados de 11 de setembro de 2001 e com uma nova ordem geopolítica, na que o Império dos EUA – representado pela águia norte-americana - estenderá suas asas de maneira explícita sobre o planeta, e Washington será a nova Roma. Como afirma o professor Philip Golub, da Universidade de Paris: “A opção imperial condenará os EUA a dedicarem o tempo hegemônico que lhes resta, seja o que seja, a construir muros ao redor da “ciudadela” ocidental”.

segunda-feira, julho 19, 2004

O acordo hemisférico

Incluso los sistemas más competitivos
y agresivos,
deben recurrir a estrategias
de alianza e integración,
tanto hacia el exterior
como entre los miembros
de su propia comunidad.
Antonio Colomer

Em nove anos de negociação, nunca o acordo definitivo entre o Mercosul e a União Européia esteve tão próximo. Durante essa semana, a negociação entre os blocos entra em reta final para a assinatura de um acordo geral que conseguiria aplacar as metas de ambas partes, reduzindo os subsídios e abrindo o mercado europeu de produtos agrícolas ao Mercosul, e possibilitando aos países do bloco europeu participação no mercado de compras governamentais do bloco sulista. O prazo final para a assinatura do tão almejado acordo, que definirá o comércio hemisférico entre o sul e o norte, é outubro de 2004.

Desta forma, o Mercosul demonstra estar unido quando se trata de fazer frente a propostas comerciais do bloco europeu, enquanto a nível interno as disputas continuam ocupando as manchetes da imprensa brasileira e portenha.

A disputa das geladeiras - denominação carregada de humor dada pela imprensa à disputa sobre a entrada massiva de eletrodomésticos brasileiros na Argentina – neste mês de julho, levantou outra vez o velho problema interno do Mercosul sobre a tremenda disparidade entre as economias dos seus países membros. A indústria argentina não se desenvolveu como a brasileira nos últimos anos, somado ao fato de que o PIB argentino sofreu uma redução de 20% em cinco anos.

O próprio governo argentino reconheceu que não foi a competição brasileira a causadora desta assimetria econômica entre os dois países, mas a “irresponsável aplicação de um programa de liberalização sem instrumentos de regulação estatal” levado a cabo pela Argentina nos anos 90. Ao contrário, as exportações argentinas para o Brasil hoje em dia representam 250 mil postos de trabalho, quando no início do Mercosul em 1991 representavam apenas 80 mil.

A Argentina, durante anos, foi a melhor aluna na hora de aplicar as medidas neoliberais propostas pelo “Consenso de Washington”. E, naquela época em que buscava manter “relações carnais” com os EUA, reclamava do Brasil a adoção de medidas liberalizantes do mercado nacional. Passa a euforia privatizante, o país sofreu uma crise econômica brutal, com a desvalorização da moeda, seguida de uma crise política sem precedentes em dezembro de 2001, quando o país chegou a ter cinco presidentes em duas semanas.

De acordo com especialistas econômicos, o principal problema interno do Mercosul reside na assimetria econômica entre o Brasil e a Argentina. Entenda-se, tamanho da economia e capacidade de produção. Hoje, o PIB brasileiro é 3,3 vezes maior do que o argentino. Ademais, o PIB brasileiro significa mais de 77% do PIB do Mercosul e 50,68% do PIB de toda América do Sul, calculado em US$ 971,479 bilhões. Ou seja, somados os PIBs de todos os 11 países sul americanos, o resultado obtido é menor que o PIB brasileiro. Diante deste fato, parece inacreditável que somente em 1958 a indústria brasileira conseguiu ultrapassar a argentina.

Contudo, o projeto hegemônico brasileiro passa necessariamente pela ajuda externa aos vizinhos, primeiro aos países membros do Mercosul – Argentina, Uruguai e Paraguai, e posteriormente aos demais da América do Sul. Como acertadamente afirmou Renato Baumann, representante da CEPAL no Brasil, “uma hora o Brasil terá de discutir se o BNDES vai investir no Nordeste ou num país vizinho”. Essa será a grande encruzilhada brasileira no caminho para ocupar um papel mais ativo no teatro de operações mundial.

O acordo definitivo entre o Mercosul e a União Européia beneficia o Brasil tanto no plano de sua aspiração hegemônica no subcontinente americano, como no plano econômico, pois segundo cálculos da Confederação Nacional da Agricultura – CNA, o novo acordo comercial possibilita um crescimento de US$ 2,5 bilhões nas exportações brasileiras, somente no agronegócio.

Em ambos bloco os números são gigantescos: O Mercosul possui 220 milhões de habitantes e um PIB de US$ 570 bilhões, enquanto a União Européia possui 455 milhões de habitantes e um PIB de US$ 11,1 trilhões.
Juntos, a União Européia e o Mercosul serão a maior área de livre comércio do mundo, com 29 países, 675 milhões de habitantes e uma força econômica de US$ 11,6 trilhões.

segunda-feira, julho 12, 2004

A nova conquista lusíada

Quem te sagrou criou-te português
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

Fernando Pessoa,
em “Poemas Escolhidos”,
Segunda Parte/ Mar Português, I- O Infante.

Se o ano de 2003 representou para Portugal uma terrível lembrança – por uma série de escândalos que abalaram o país, este 2004 promete ser o grande ano português. Depois da comemoração dos 40 anos da Revolução dos Cravos, de organizarem a melhor Eurocopa dos últimos tempos – inclusive chegando na final, Portugal acaba de receber a notícia de que o Conselho extraordinário da União Européia, designou, por unanimidade, o conservador Primeiro-Ministro português Durão Barroso como futuro Presidente da Comissão Européia, para o mandato de 1 de novembro de 2004 a 31 de outubro de 2009.

Claro que a indicação será submetida ao pleno do Parlamento Europeu, em Estrasburgo, França, no próximo dia 22 de julho, mas já se sabe que será aprovado, ainda que por maioria simples, convertendo a Barroso Durão no 11º Presidente da Comissão Européia. A indicação de Durão Barroso acaba com um suspense que perdurou por várias semanas, e que subiu a temperatura política portuguesa.

José Manuel Durão Barroso, nascido em Lisboa em 1956, na juventude flertou com os maoístas, antes de se converter no herdeiro político do conservador ex primeiro ministro Aníbal Cavaco e Silva, que governou Portugal de 1985 a 1995. Como Ministro de Relações Exteriores do governo Cavaco e Silva, então com 36 anos, Durão Barroso conseguiu a façanha de acabar com a guerra civil em Angola, conseguindo a firma de um acordo de paz histórico. A grande maioria dos políticos portugueses, tanto de seu partido como os de oposição, são unânimes em lhe atribuir como maior característica a ausência total de carisma. Formado em Direito pela Universidade de Lisboa, da qual foi professor, especializou-se em Relações Internacionais e Ciências Políticas, tendo lecionado nas Universidades de Genebra, na Suíça, Georgetown, nos EUA, e Lusíada, em Lisboa.

Assim, Durão Barroso vai suceder a Romano Prodi. Político de direita, foi anfitrião do Presidente dos EUA na Conferência dos Açores, apoiando sua intervenção militar no Iraque. A nível europeu, segue as posições espanholas conservadoras, capitaneadas por José Maria Aznar, ex-Primeiro Ministro espanhol.

O problema doméstico surgido com a futura renúncia de Durão Barroso decorre do fato de que o Presidente da República Jorge Sampaio é de esquerda, e o Primeiro-Ministro de direita. De maneira que Durão Barroso só aceitaria ir-se a Bruxelas, se o Presidente Sampaio não dissolvesse o Parlamento português e convocasse novas eleições, aceitando assim a indicação de um novo Primeiro-Ministro pelas forças coligadas de direita, que atualmente são maioria no Parlamento e governam, também, a cidade de Lisboa.

De acordo com a Constituição portuguesa, cabe ao Presidente República decidir, no presente caso, se adianta a eleição ou nomeia um Primeiro-Ministro indicado pelo partido mais votado nas últimas eleições, no caso, as eleições de 2002 que elegeram a Durão Barroso, do conservador Partido Social Democrata – PSD. A esquerda preferia a primeira opção, isto é, que sejam convocadas novas eleições, principalmente diante da derrota dos conservadores nas eleições européias.

Preocupado com a estabilidade do país, o Presidente Sampaio optou por aceitar, muito a contragosto, a indicação feita pelos conservadores do Prefeito de Lisboa e Vice-Presidente do partido de Durão Barroso, Pedro Santana Lopes, considerado pela imprensa portuguesa como um político populista, ao estilo do italiano Berlusconi. A escolha presidencial gerou muitas reações, entre elas a demissão do secretário-geral do Partido Socialista português, Eduardo Ferro Rodrigues. Amigos a mais de 35 anos, Ferro ajudou a formar a coalizão de esquerda que elegeu Jorge Sampaio presidente de Portugal. Entretanto, o Presidente Sampaio exigiu do novo governo a manutenção das políticas atuais aplicadas para áreas que considera sensíveis, como Europa, Defesa, Justiça e as Finanças.

O Partido Popular Europeu - PPE, atualmente a maior força política no Parlamento de Estrasburgo com 278 deputados, a Eurocâmara, apoiou a candidatura de Durão Barroso desde o início, apostando no líder luso como único ponto de coesão entre as posições divergentes no seio da União Européia. Portugal participa de todas as instituições européias, notadamente do Tratado de Schengen e da Zona Euro, que agrada a Paris e Berlim. Seu atlantismo, posto que Durão Barroso apóia a política externa dos EUA, agrada a Londres.

Considerada a locomotiva da integração européia, a Comissão, composta por 25 Comissários indicados pelos países-membros com status de Ministros e atribuições bem definidas, é o verdadeiro Poder Executivo do bloco, sendo seu Presidente a máxima autoridade oficial da UE.

Junto a indicação de Durão Barroso para a Presidência da Comissão Européia, veio a confirmação do espanhol Javier Solana para o cargo de Ministro de Relações Exteriores para quando entre em vigência a Constituição Européia. Desta maneira, a península Ibérica assume um peso jamais visto nas instituições européias. E no momento histórico importante, pois este ano ocorreu a entrada de dez novos países-membros do bloco europeu, que espera ainda para este ano a aprovação de sua primeira Constituição.

segunda-feira, julho 05, 2004

O ideal de servir

Quando o advogado estadunidense Paul Harris se reuniu com três de seus amigos, em um escritório no centro de Chicago, naquele distante 23 de fevereiro de 1905, mal sabia que aquela pequena reunião criaria uma ONG que possui atualmente mais de um milhão de sócios em 166 países e um assento na ONU: o Rotary Internacional.

O clube do senhor Paul Harris recebeu a denominação de “Rotary”, pois “o local onde os sócios reuniam-se era rotativo – cada vez no escritório de um deles”, como nos explica a webpage brasileira do Rotary Internacional. O “ideal de servir” é o principal objetivo desta associação em que seus sócios buscam promover a boa vontade e a paz mundial, oferecendo serviços humanitários e fomentando a ética profissional. “Os rotarianos são homens e mulheres de negócios e profissionais, que procuram através da prestação de serviços voluntários, melhorar a qualidade de vida nas comunidades locais e mundialmente. O quadro social de um clube representa um corte transversal da vida de negócios e profissional da comunidade. Os Rotary Clubs são entidades apolíticas, não religiosas, abertas a pessoas de todas as culturas, raças e credos que se reúnem semanalmente”.

O Rotary Club do Rio de Janeiro foi o primeiro a ser fundado no Brasil, oficialmente em 28 de fevereiro de 1923, e o primeiro de língua portuguesa. Hoje, o Rotary está presente no Brasil em 38 Distritos, com mais de 2.300 clubes e 53.000 rotarianos, levando o país a ocupar a terceira posição mundial em numero de clubes e a quinta em número de sócios, sendo que três brasileiros já ocuparam a Presidência do Rotary Internacional: Armando de Arruda Pereira (1940-41), Ernesto Imbassahy de Mello (1975-76) e Paulo Viriato Corrêa da Costa (1990-91).

No desenvolvimento de suas atividades de servir, o Rotary Internacional criou a Fundação Rotária em 1928, que com seu programa de bolsas de estudos, leva atualmente a mais de 1.300 estudantes a cada ano a viajarem ao exterior, promovendo a paz e a compreensão mundial, além de desenvolverem a capacidade de liderança e prestarem serviços à comunidade.

Em 1985, o Rotary Internacional lançou seu programa “PoliPlus”, uma campanha mundial pela erradicação da pólio até 2005, o ano do seu centenário, no qual a instituição atingirá a cifra de meio bilhão de dólares investidos neste programa, que conta com a cooperação de setores públicos e privados. Como se afirma em sua webpage, “atualmente o Rotary Internacional incentiva seus clubes a dedicarem-se às mais variadas atividades de prestação de serviços como o combate à fome, proteção ao meio-ambiente, prevenção de violência, alfabetização, combate ao abuso de drogas, serviços à juventude e aos idosos, bem como conscientização e educação sobre a Aids”.

Desde 1987, as mulheres são admitidas no Rotary, que já conta com mais de um milhão de sócias, sendo que quase duas mil são presidentes de clubes em todo o mundo. O Rotary Club Teresina Metrópole será o primeiro clube rotário piauiense a contar com uma Presidenta, pois a Professora Maria do Socorro Cordeiro Ferreira assumiu este mês a sua presidência para a gestão 2004-2005, coincidindo com a celebração do primeiro centenário da instituição. Como afirmou a companheira Presidente Socorro no seu discurso de posse: “a beleza da vida está nos sonhos e na coragem para realizá-los”. Sigamos as palavras da Presidenta, e mãos a obra.