terça-feira, novembro 09, 2004

A agonia de um guerreiro

Hoje eu trago um ramo de oliveira
e a arma de quem luta pela paz.
Não permitam que o ramo de oliveira
caia de minhas mãos.

Yasser Arafat,
na ONU, em 13 de novembro de 1974.

Em março de 1968, na pequena aldeia de Karameh, no Reino da Jordânia, uma batalha que segundo relatos não durou nem um dia, mudou definitivamente a vida de um engenheiro árabe de 38 anos de idade, que já tinha combatido contra os judeus em 1948, quando da criação do Estado de Israel e momento em que os palestinos se tornam refugiados.

Naquele dia na Batalha de Karameh, Yasser Arafat esteve à frente de um grupo de quase trezentos guerrilheiros palestinos, a maioria velhos e crianças, que lutou contra as tropas de um exército regular, o temido Exército de Israel, composto de pára-quedistas e tanques. Muitos lhe recomendaram a fuga, pois seria inútil lutar contra os israelenses, fortemente armados e treinados, mas Arafat naquele dia lutou, como lutaria as décadas seguintes, e se tornou um herói do povo palestino. Mas que um herói, Arafat hoje é o principal símbolo da causa palestina e seu dirigente sem substituto.

Presidente da Autoridade Nacional Palestina - ANP e principal líder político dos palestinos nos últimos 40 anos, Yasser Arafat nasceu no Cairo, Egito, em 28 de agosto de 1929, então protetorado colonial inglês, com o nome de Mohammed Abdel-Raouf Arafat al Qudwa al-Hussein. Histórico líder da Organização para a Libertação da Palestina – OLP, Arafat lutou nos seus 75 anos de vida pela criação do Estado palestino, pátria natural de todos os palestinos.

Há quase três anos confinado no seu quartel-general de Muqata, na cidade de Ramallah, na Cisjordânia, por determinação do exército israelense, Arafat sofre de um câncer e desde o final do outubro sua saúde piorou bastante, chegando a ser considerada crítica depois da ceia do Ramadã. Na verdade seus problemas de saúde começaram em 1992, quando sobreviveu milagrosamente a uma queda de avião na Líbia, em que durante varias horas foi dado como morto. Já lhe foram detectados os primeiros sinais de Mal de Parkinson. Desde então, Arafat se encontra no hospital militar francês de Percy, no subúrbio de Paris, e seu falecimento é esperado a qualquer instante.

A possibilidade do enterro de Arafat despertou posições extremadas, pois Ariel Sharon se nega que seu corpo seja enterrado na Esplanada das Mesquitas, no mausoléu da mesquita de al-Aqsa, em Jerusalém, como era seu desejo. Arafat desejava ser enterrado no local sagrado de Jerusalém chamado pelos muçulmanos de al-Haram al-Sharif e pelos judeus de Monte do Templo. O enterro de Arafat na Esplanada das Mesquitas seria visto como o reconhecimento de que os palestinos têm direitos políticos sobre aquele lugar considerado sagrado para as três religiões monoteístas: o Islã, o Judaísmo e o Cristianismo. Ao que tudo indica, Arafat será enterrado na Faixa de Gaza.

A sucessão de Arafat na presidência da Autoridade Nacional Palestina – ANP também se complicou. De acordo com a Lei Básica Palestina, caso venha a falecer o “rais”, o presidente do Parlamento, Rouhi Fatuh, assumirá a presidência interinamente por 60 dias, máximo período de convocação de eleições. Entretanto, com relação à sucessão de Arafat nada é certo. O primeiro Ministro palestino Ahmed Qorei, principal candidato a suceder Arafat, e o Secretário Geral da OLP, Mahmud Abbas, tentaram reunir as forças políticas palestinas em um pacto de transição, incluindo os fundamentalistas dos grupos Hamás e Yihad Islâmica, evitando uma guerra civil palestina com conseqüências destrutivas para toda a causa.

Entretanto, a TV árabe al-Jazeera, do Catar informou que Arafat teria nomeado um triunvirato para governar a entidade no caso de sua impossibilidade. O triunvirato seria formado pelo secretário-geral da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), Mahmoud Abbas (Abu Mazen), pelo primeiro-ministro da ANP, Ahmed Qorei (Abu Alá), e pelo chefe do Conselho Nacional Palestino, Saleem Al Za'noun. Entretanto, a Autoridade Nacional Palestina – ANP negou tal informação. O triunvirato foi, na verdade, uma armação da velha guarda da Organização pela Libertação da Palestina – OLP, mas não durou uma hora, depois de seu anúncio.

De acordo com Salman Shoval, conselheiro de Ariel Sharon – Primeiro Ministro israelense, Arafat é o maior obstáculo à paz na região e “os palestinos sabem o que ele representa mas o têm como um símbolo”. A saída de cena de Arafat destrói o único argumento de Ariel Sharon para não negociar com os palestinos: A falta de “partner”. De maneira que Sharon perde uma desculpa para evitar a volta das negociações e, mais ainda, perde uma excelente oportunidade de concluir de uma vez por todas um acordo com um líder palestino acreditado. A sucessão palestina pode derrapar na anarquia ou em uma ditadura.

Da mesma forma que somente o general De Gaulle poderia conceder independência a Argélia, ex-colônia francesa, pelo fato de apenas ele representar naquele momento a alma da França, Israel perde com o desaparecimento de Arafat o único verdadeiro “partner” capaz de firmar uma paz definitiva. Apenas Arafat, como símbolo da causa palestina, poderia abrir mão de posições antigas e renunciar a parte das reivindicações palestinas, dentre elas Jerusalém e o direito de regresso dos palestinos expulsos em 1948. Um autêntico acordo de paz necessita de que ambas as partes acordem em concessões.

Como afirmou o escritor israelense David Grossman, Arafat conseguiu transformar a causa palestina num “potente símbolo universal da luta pela liberdade e o direito a regressar à pátria”. Como todo autêntico líder de seu povo, Arafat será sucedido mas não encontrará substituto. Seu carisma e suas contradições asseguraram-lhe um lugar definitivo no imaginário dos heróis do mundo árabe. Arafat seguirá casado com a Palestina para sempre, até o dia em que seu povo possa fundar definitivamente seu Estado, até o dia em que seu nome seja sinônimo de Estado palestino.