sexta-feira, março 11, 2005

Enquanto o tempo passa





Vem, meu amor,
é hora de acordar
Tenho anis
Tenho hortelã
Tenho um cesto de flores
Eu tenho uma canção
Vivo feliz, tenho amor
Eu tenho um desejo e um coração
Tenho coragem e sei quem eu sou
Eu tenho um segredo e uma oração.

"Soul Parsifal"
Renato Russo e Marisa Monte



É incrível como continuo gostando de canções de mais de dez anos atrás. E o mais incrível ainda é que eu continuo lembrando das mesmas situações e pessoas de mais de dez anos atrás. Não é saudosismo não, é apenas comprovar que o que eu pensava há dez anos atrás sobre um monte de coisas, eu continuo pensando o mesmo, depois de todos esses anos. Ainda acredito no amor verdadeiro, na paixão, no fogo que arde na cama entre duas pessoas que se querem. Ainda acredito em grandes beijos de amor, nas lágrimas das despedidas em aeroportos vazios e em recomeços esperançosos depois de anos de saudades escondidas. Enfim, ainda acredito em amizade sincera, no poder do abraço mudo e em melosas canções de amor.

Talvez seja porque eu já tenha vivido em tantas cidades, que muitas vezes simplesmente não sei onde estou na maioria dos meus sonhos. Confesso que já estive em lugares que não sei onde ficam. Principalmente quando tento recordar do distante ano de 1983, quando briguei com o meu pai pela guitarra elétrica que me tornaria um astro do rock nacional e decidi apenas ser mais um escritor da minha geração, mesmo sozinho com meu coração no meio do sertão. Completamente perdido entre Teresina, Manchester, Liverpool e as provas bimestrais. Dando aulas de violão, pro meu melhor amigo, pra pagar os meus discos ou tentando conseguir clorofórmio pra fazer loló, eu vivi todas as dúvidas da adolescência. Até parece que foi ontem o Setembro Rock, a Feirinha e o Cine Royal. A mamãe me ajudando a roubar o carro do meu pai nas noites de domingo são lembranças difíceis de esquecer.

Mas a verdade é que estas lembranças já passaram há tanto tempo que são apenas lembranças. Enquanto o tempo passa, as lembranças começam a desaparecer. É sempre muito complicado admitir que o tempo passa, numa velocidade que você nunca pode imaginar quando se tem dezesseis anos, e todas as tuas preocupações se resumem a conseguir uma cena romântica com uma menina que nem sabe que você existiu. Enfim, é bom comprovar que ainda gosto dessas velhas canções de mais de dez anos, remasterizadas e cheias de boas lembranças bobas. Mas, o melhor de tudo é saber que ainda acredito em tudo aquilo que embalou minhas madrugadas insones cheias de desejos eróticos e medo de receber boletins do colégio dos padres. Difícil é encontrar alguém pra conversar e dividir todas estas lembranças empoeiradas, principalmente agora que estou com trinta e cinco e que no próximo julho completo trinta e seis. Talvez seja somente mais uma noite de insônia que me faz parecer tão nostálgico e sentimental, talvez seja apenas essa música antiga e a falta que me faz minha mulher que dorme no quarto ao lado.

Mas a verdade é que olho pro presente e vejo todos os desafios que me propus, todas as batalhas que preparei durante anos a fio e sinto o aço da espada imperial que combateu na Guerra do Paraguai do meu bisavô nas minhas mãos, ainda pronta pro combate. Meus inimigos já estão em seus postos de guerra, fortes e cheios de empáfia, enquanto um tênue sorriso confiante se desfia entre meus lábios eu olho pro campo aberto, verde, da honra e da glória. Minha sorte está selada. A vitória é uma doce mulher com as mãos repletas de ouro e o coração cheio de paz. De repente se abre o amanhecer e, calmamente, caminho pro meu destino. Serão as próximas manhãs de glória e sentimentos alegres? Só o tempo poderá dizer, só o tempo poderá dizer
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