quinta-feira, junho 30, 2005

A nova família


La libertad de amar significa
que los Estados no tienen
para qué mezclarse
en los sentimientos y
emociones espirituales
de los humanos.

Luis Jiménez de Asuá,
em “Libertad de amar
y derecho de morir”, 1929.




A Declaração de Independência dos EUA, de 4 de julho de 1776, apesar de toda a carga de conservadorismo escravocrata, deu ao mundo uma esperança política sentimental de que cada pessoa possui o inalienável direito de buscar sua felicidade, ao afirmar: “Consideramos de per si evidentes as verdades seguintes: todos os homens são criaturas iguais; que são dotados pelo seu Criador com certos direitos inalienáveis; e que, entre estes, se encontram a vida, a liberdade e a busca da felicidade”.

A maneira pela qual os seres humanos buscam a felicidade, desde que não violem os direitos dos demais, compete exclusivamente a cada um. Aos demais cabe tão-somente respeitar as opções tomadas por alguns e, na medida da inteligência e da educação recebida, conviver com a diversidade social. Dentro da democracia, a busca da felicidade deve ocorrer dentro da tolerância e do respeito à diversidade. O casamento, a família, o número de filhos, o divórcio e a opção sexual são escolhas que devem ser tomadas por cada um, de maneira individual, ou em consonância com seu cônjuge, quando convém. Entretanto, tais possibilidades devem ser disponibilizadas pelo Estado.

Como afirmou José Antonio Martín Pallín, magistrado do Supremo Tribunal espanhol, “a diversidade abarca as inumeráveis facetas do ser humano. Seus sentimentos, crenças, ideais, suas inclinações emocionais e sua forma de exteriorizá-las através da sexualidade são absolutamente respeitáveis se de verdade se acredita que o homem está acima dos dogmas e imposições dos que compartem suas tendências. A tolerância é um sinal diferencial da capacidade racional do ser humano. O anátema, ou a desqualificação, é o produto dos instintos mais degradantes da pessoa”.

A família vem sofrendo profundas transformações desde o século XX, fruto da conquista de espaço pela mulher trabalhadora e da liberdade sexual, principalmente. As velhas famílias patriarcais tendem a desaparecer, até mesmo nos grotões mais esquecidos do nordeste brasileiro, dando vazão a novas estruturas familiares. Para o filósofo Fernando Savater, as mudanças na estrutura familiar provem sobretudo da “incorporação da mulher ao mercado de trabalho, das medidas de controle da natalidade, do divórcio e dos preços dos imóveis residenciais”. Esta nova família que desponta tem se destacado, nos grandes centro urbanos, como famílias “monoparentais”, ou seja, mães solteiras ou pais solteiros. Ademais de casais de homossexuais que desde os anos sessenta reivindicam a igualdade de direitos com os heterossexuais, inclusive o direito ao matrimônio civil.

Esta semana, Espanha e Canadá aprovaram o matrimônio civil de pessoas do mesmo sexo, vindo assim a juntar-se a Holanda e Bélgica, que, respectivamente, desde abril de 2001 e fevereiro de 2003, possuem a matéria legislada. Nestes países, matrimônio é a união civil de duas pessoas, sem importar o gênero. Outros países, como a Dinamarca, Alemanha, França, Noruega, Suécia e Portugal, possuem legislação para regulamentar a união estável homossexual, sem contudo mencionarem expressamente a palavra “matrimônio”.

No caso espanhol, país tradicionalmente católico, a luta pela igualdade dos direitos civis é uma conquista socialista. Além de instaurar legalmente a possibilidade de união homossexual, a Espanha reformou sua lei de divórcio, de 1981, para agilizar as separações, e permitiu a adoção de crianças por matrimônios homossexuais. Em reposta, a direita mais conservadora juntou-se com a Igreja católica, que aportou dezoito bispos, numa manifestação contra a ampliação dos direitos civis na Espanha.

A hipocrisia corre solta nos campos do conservadorismo. Afinal, depois de ser condenada a pagar milhões de dólares nos EUA, a título de indenização pelos abusos cometidos contra menores por seus clérigos, a Igreja católica protesta contra o fato de que um Estado laico amplie os direitos civis a uma significativa parcela de cidadãos que trabalham, pagam impostos e contribuem economicamente para a riqueza do país. Para estes ‘senhores’, é melhor que as crianças cresçam em orfanatos, privadas de carinho e cuidados necessários, que vivam em um ambiente individualizado e protetor, no qual suas necessidades básicas sejam supridas num ambiente familiar.

O ideal é que uma criança cresça numa família com um pai e uma mãe. Entretanto, diante da realidade das FEBEMs e dos orfanatos superlotados, não parece um abuso a adoção de órfãos por parte de um solteiro ou mesmo por uma nova família, formada por dois pais ou duas mães. Qualquer tipo de família é melhor que família nenhuma, desde que por família se entenda o porto seguro no caminho do amor e da proteção de uma criança.