quinta-feira, agosto 25, 2005

O irmão pequeno


I grew up believing
God keeps His eye on us all
And He used to lean upon me
As I pledged allegiance to the wall

Lord I recall
My little town
Coming home after school
Flying my bike past the gates
Of the factories

My mom doing the laundry
Hanging our shirts
In the dirty breeze

And after it rains
There's a rainbow
And all of the colors are black

It's not that the colors aren't there
It's just imagination they lack
Everything's the same

My little down
Paul Simon & Art Garfunkel


Sim, também tenho um irmão. Talvez vocês, que nunca tiveram um irmão, não entendam o que é ter um irmão. E, ademais, menor. É muita responsabilidade. Às vezes é necessário quebrar a cara do filho da melhor vizinha de tua mãe para defender teu irmão da porrada injusta no futebol. Ou levantá-lo nos braços, se é muito pequeno mesmo, quando o porcaria de um cachorro está solto na rua a morder a todos. É o meu irmão mais novo e minha mãe não me perdoaria atitude menor.

Seu próprio nome foi idéia minha. Anos depois, quando nasceu sua primeira filha, ele me apanhou no escritório para irmos registrar seu nascimento. Eu tinha experiência em separar, divorciar, mas em registrar gente, nuca. Na hora de dizer o sobrenome da menina, ele me olhou com uma cara de “diz aí, tu es o mais velho”. Mas, ao final, tudo correu bem. E quantas vezes nós brigamos por cada besteira sem tamanho. Muitas vezes lhe machuquei também, como no terraço da casa da vizinha, quando brincávamos de deslizar na espuma de sabão e eu lhe derrubei, sem querer. Meus pais o levaram pro hospital e o coitado pegou três pontos na testa. Eu consigo ver tudo isso tão claro hoje. Como quando ganhamos nossas primeiras bicicletas em julho de 1977.

Depois ele foi estudar no meu colégio, fazia o primeiro ano do curso primário e me seguia par todos os lados. Sempre me fazendo prometer que o esperaria no final da aula, pra seguirmos juntos pro trabalho do papai, quem nos levaria pra casa. Recordo com meu melhor amigo no colégio o derrubou. De repente não havia ninguém na minha frente, a não ser aquele infeliz. É claro que quebrei a cara dele, por ter feito meu irmão pequeno chorar. Que mais eu podia fazer naquela idade?

E quantas vezes, nestas minhas idas pelo mundo, ele não cuidou da família em meu lugar, quantas vezes cumpriu a obrigação do irmão mais velho, tão ausente. É a minha segurança ao sair de casa, afinal, ele está por perto para cuidar de todos os nossos.

Meu irmão é também meu amigo, apesar de não saber tudo de mim. Sim, também não conto tudo ao meu irmão. Tenho amigos que me conhecem muito mais e melhor do que ele. Mas, no fundo, eu sei que ele me conhece muito, conhece quase todas as minhas lembranças de casa. Sabe da casa na árvore, no quintal enorme, que nunca construímos, sabe das brigas que tive com o papai, sabe do meu medo de sair de casa e morar fora quando não passei no vestibular, sabe da briga da mamãe com a tia Conceição, sabe da vergonha que passou nossos pais quando bebi todas naquela festa no sítio dos amigos do papai, sabe da foto que tenho na porta do meu guarda-roupa.

Meu irmão fez um curso na área de saúde, por isso, satisfez o desejo de minha mãe. Casou, teve filhos, satisfez outro desejo de nossa mãe. Fala menos que eu, pensa mais, se parece mais com vovô e papai do que eu. É mais Freitas do que eu. Talvez saiba a resposta que procuro todos os dias e, por ser tão Freitas, não me diz, não me fala. No fundo, ajudei-o a ser o que é, mas foi muito pouco, ele é dessas pessoas que já nascem com programação completa, já sabem o que fazer e do que gostar.

* Escrito na cidade de Valencia, Espanha, em maio (primavera) de 1999.

sexta-feira, agosto 12, 2005

Tinha que ser num domingo


Domingo eu quero ver
o domingo passar


Domingo,
Titãs.


Domingo é meu dia triste. É o dia que Deus não me perdoa nada. É o dia de pensar na vida, nas coisas boas e ruins do caminho até aqui, é dia de pensar em tudo. É o dia de comprar “El País” e buscar correndo a coluna do Antonio Muñoz Molina. Domingo é triste até para os Titãs, dá para imaginar? Domingo é dia de falar pouco e pensar muito. É dia de ligar pra casa e pedir benção ao pai e a mãe. É dia de chorar baixinho e ter saudade de você, e de me arrepender das coisas que falei sem querer.

E por que me dão as notícias mais tristes no domingo? As piores despedidas de minha vida sempre foram aos domingos... as piores caras me olharam... os mais tristes tchaus. Por que será que o teu adeus tinha que ser num domingo...Todo homem segue seu destino e dele não se pode fugir. Apesar de que, algumas vezes, dói muito não fugir, não abandonar tudo e correr no meio da multidão para impedir você de saltar da ponte, de cruzar a esquina, de viver e ser feliz, sem mim.

É como se o meu domingo falasse como aquela canção do Gil, “mistério sempre há de pintar por aí, não adianta nem me abandonar”. E vencido este domingo, é festa no meu coração. Duro é esperar até meia noite pela segunda-feira. Este ano meu aniversário não será num domingo, mas muito em breve ... e que mistérios me aguardam este domingo?

Também não sei porque, mas apenas no domingo não consigo falar nada. As palavras simplesmente fogem neste dia. E penso, penso, até chorar. Penso nas palavras que nunca disse, penso no tempo que fiquei sem saber onde ir ou quê fazer, quando perdi você, e na distancia existente entre os sonhos e a realidade.

Mas é tudo culpa do domingo. Amanhã esqueço, tenho certeza. Todos os pensamentos passeiam muito alegres pela cabeça do homem triste de domingo. Certo estava o Leminsky quando escreveu que “domingo é dia em que o seu problema pega dona problema e sai, com seus pequenos probleminhas, a passear pela cabeça na gente”.

Não, eu não quero mudar. Já estou super acostumado com meu domingo tal qual ele é. Só queria, pelo menos alguma vez, fosse diferente. E eu poderia ter um domingo normal, igual a todo mundo que vai comer caranguejo com a namorada, ao futebol com os amigos ou à missa, para acompanhara sogra. Mas não há jeito, meu domingo é sempre triste. Por isso me encanta tanto sair na segunda-feira e beber algo, não importando se os “pubs” estão vazios. Ninguém entende minha vitória sobre o domingo que passou.

Domingo é dia de ter medo, simplesmente por ter medo. É dia de não ligar a TV. Tampouco é dia de visitar alguém , pra isso existe o sábado. É dia de ver o tempo passar e dar um tempo, escutando música que fala da gente. Domingo, meu amigo, é dia de pensar que ela não rasgou as velhas fotografias e ainda reza por você, apesar de tudo que você fez, e, principalmente, apesar de tudo que você não fez.

Então ficarei quieto, com a luz apagada, com a música bem baixinha, só esperando este grande e indecifrável monstro chamado domingo arrastar seu enorme e pesado corpo, sair do meu caminho e o sol se lembrar de brilhar logo. Afinal, meu coração já teve muita dor por hoje e não esquecerei de você, assim tão fácil, eu sei.

* Escrito na cidade de Valencia, Espanha, em maio (primavera) de 1999.


segunda-feira, agosto 01, 2005

Eu que admiro loucos


O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído

Epitáfio,
Composição de João Ubaldo Viera
Gravada pelos Titãs.


Por que sempre ficar do lado “errado”? E tomar as posições mais “ridículas”? Apoiar os palestinos contra o Estado de Israel. Torcer pelos judeus contra o Estado Nazista. Apoiar os alemães orientais contra o estado Soviético. Apoiar Cuba contra os EUA e torcer pelo povo cubano contra a ditadura comunista. Sempre apoiando Davi contra Golias, sem que este, necessariamente, tenha que ganhar, sempre defendendo os perdedores. Mas somente enquanto durar a inferioridade, afinal, por trás de todo complexo de inferioridade há um de superioridade. Eu sei de todas as minhas palavras chocantes.

Para mim, Zinho é maior que todo o Centro Acadêmico eleito e os “pombas” da vida. E as palavras nunca ditas representam mais que todas as besteiras já faladas em noite de bebedeiras e “tonterias”. As ofensas, as pequenas invejas e o terrível desprezo pela pessoa humana é que me tiram do sério. É a mentira, os sentimentos mesquinhos, a falta de grandeza, de atitudes nobres, a mediocridade de falar somente sua própria língua, o comodismo protocolar e, principalmente, a falta de um coração nobre, faz com que eu tenha um tremendo desgosto por essas pessoas.

A covardia, o não correr com a bandeira nas mãos no meio da passeata, o medo da opinião dos outros, o não cantar a canção proibida bem alto, o “babão-de-interior” profissional, o homem-merda que tem medo de ser diferente dos demais, o idiota que nunca tem dúvidas, nunca se pergunta o porquê das coisas, a pessoa “normal”, aquela que tem medo do novo, da aventura, o camarada que somente sabe viver no seu mundinho cor-de-rosa que rotula todos os demais é que me enoja. Quiçá nunca se cheguem muito perto de mim, tais coisas ou pessoas.

É porque admiro os loucos, aqueles que vestem a camisa pelo avesso e no meio da festa começam a gritar palavras desconexas, aqueles que depois de muitos anos casados e vivendo sem paixão, dizem adeus às conveniências e arriscam tudo em começar de novo, aqueles que vivem a vida de verdade e sugam dela tudo o que podem sugar, com todas as suas forças.

Admiro aqueles que, independentemente do que dirão o filhos criados sem pai, vivem, vivem e com um sorriso na cara dizem não para o mundo e sim para a vida e sabem compreender a beleza das coisas simples.

Aquele que toma todas e fala as maiores barbaridades, depois pede desculpas e desmaia no meio do casamento idiota, para mim é divino. Sou muito assim. É correr o Iate Clube inteiro com dois de teus melhores amigos atrás só porque deu vontade. Ou no meio da festa na casa do melhor amigo de teu pai, botar o pau pra fora para a sobrinha órfã dele te tocar, com a maior cara de pau, e todo mundo te encontra. E, passar a mão no rabo do irmão do amigo do colégio somente por brincadeira e o cara dar o maior vexame, parecendo até que alguém duvidava que ele não tinha curtido. Aqueles que tem as respostas mais tolas para as perguntas mais óbvias, aqueles que simplesmente não estão nem aí para esta cambada de “mamones” maduros, quase prontos para cair na lama.

São cenas “ridículas” e que pra mim são pura lembrança, como eleger todos os anos as piores frases ditas como as melhores do ano. Ou o Conselho de Compadres, instituído como órgão supremo da turma. E depois da merda feita, se esconder na casa da Ana e do James pra fugir do olhar triste dos pais.

É ser demasiado Oswaldiano, é perder o amigo e não perder a piada. É buscar o inalienável direito a sorrir de si mesmo, como condição primeira para sorrir dos outros. É ser tremendamente Borginiano e não se levar, em qualquer hipótese, a sério. É a eterna busca da noite que nunca acaba, se recusar a envelhecer e se tornar sério e aborrecido. É pôr a gravata mais risível na audiência mais séria, para não falar da cueca do Piu-piu por debaixo do terno bacharel de anel e capelo.

Ou dizer na posse do Desembargador para ele fazer como disse Pink Floyd, “shine on crazy diamond” e no outro dia ele perguntar o nome do filósofo citado. É morrer de rir dos casais que acreditam no amor e na fidelidade eterna e chegar na reunião dos antigos alunos com tua namorada negra e linda, só para olhar a cara dos católicos de plantão.

Torço pela felicidade irrestrita daqueles que a cada dia querem aprender algo novo e nunca se cansam da aventura de viver, daquele tipo de gente que você é capaz de se lembrar que chora baixinho e dá gargalhada no meio da hipócrita sociedade, tirando o maior sarro da cara dos outros. Sou profundamente apaixonado pelas pessoas que vêem os sonhos como algo realizável, que tentam melhorar o mundo e se entregam por inteiro a emoções verdadeiras.

Detesto, do fundo do meu ser, as pessoas que não conseguem sorrir dos títulos acadêmicos e das faculdades de Direito, com seus professores incapazes de distinguir competência de tristeza, de falta de alegria, bem como os filhos de mães batalhadoras e feias, cheios de frases feitas e incapacidade para reconhecerem o belo da vida. Detesto as viúvas virgens e todas as pessoas que não compreendem que sem sexo bom e fácil a vida não pode existir , sadia e feliz. Não consigo suportar as pessoas que não “são loucas depois de todos estes anos”, como disse Paul Simon.

Bato palmas pro velho Professor Adélman que ao ser convidado para ministrar a aula da saudade de uma certa turma de formandos disse que isso era “coisa de viado”, e de tal produto o departamento tava cheio. Ninguém teve coragem de falar algo parecido antes dele. É ser totalmente Borginiano! Ou, como o pseudo intelectual de província que ao fazer uma pergunta ao pseudo intelectual da metrópole recebe como resposta um “tá louco ou não leu nada?” Ridículo.

Então o que estamos esperando? Se todos os velhos já disseram que se pudessem voltar no tempo arriscariam mais, seriam mais felizes, viveriam de verdade e não apenas sobreviveriam, só nos resta irmos para a vida, eternamente “ridículos”.

* Escrito na cidade de Valencia, Espanha, em junho (primavera) de 1999.