sexta-feira, agosto 12, 2005

Tinha que ser num domingo


Domingo eu quero ver
o domingo passar


Domingo,
Titãs.


Domingo é meu dia triste. É o dia que Deus não me perdoa nada. É o dia de pensar na vida, nas coisas boas e ruins do caminho até aqui, é dia de pensar em tudo. É o dia de comprar “El País” e buscar correndo a coluna do Antonio Muñoz Molina. Domingo é triste até para os Titãs, dá para imaginar? Domingo é dia de falar pouco e pensar muito. É dia de ligar pra casa e pedir benção ao pai e a mãe. É dia de chorar baixinho e ter saudade de você, e de me arrepender das coisas que falei sem querer.

E por que me dão as notícias mais tristes no domingo? As piores despedidas de minha vida sempre foram aos domingos... as piores caras me olharam... os mais tristes tchaus. Por que será que o teu adeus tinha que ser num domingo...Todo homem segue seu destino e dele não se pode fugir. Apesar de que, algumas vezes, dói muito não fugir, não abandonar tudo e correr no meio da multidão para impedir você de saltar da ponte, de cruzar a esquina, de viver e ser feliz, sem mim.

É como se o meu domingo falasse como aquela canção do Gil, “mistério sempre há de pintar por aí, não adianta nem me abandonar”. E vencido este domingo, é festa no meu coração. Duro é esperar até meia noite pela segunda-feira. Este ano meu aniversário não será num domingo, mas muito em breve ... e que mistérios me aguardam este domingo?

Também não sei porque, mas apenas no domingo não consigo falar nada. As palavras simplesmente fogem neste dia. E penso, penso, até chorar. Penso nas palavras que nunca disse, penso no tempo que fiquei sem saber onde ir ou quê fazer, quando perdi você, e na distancia existente entre os sonhos e a realidade.

Mas é tudo culpa do domingo. Amanhã esqueço, tenho certeza. Todos os pensamentos passeiam muito alegres pela cabeça do homem triste de domingo. Certo estava o Leminsky quando escreveu que “domingo é dia em que o seu problema pega dona problema e sai, com seus pequenos probleminhas, a passear pela cabeça na gente”.

Não, eu não quero mudar. Já estou super acostumado com meu domingo tal qual ele é. Só queria, pelo menos alguma vez, fosse diferente. E eu poderia ter um domingo normal, igual a todo mundo que vai comer caranguejo com a namorada, ao futebol com os amigos ou à missa, para acompanhara sogra. Mas não há jeito, meu domingo é sempre triste. Por isso me encanta tanto sair na segunda-feira e beber algo, não importando se os “pubs” estão vazios. Ninguém entende minha vitória sobre o domingo que passou.

Domingo é dia de ter medo, simplesmente por ter medo. É dia de não ligar a TV. Tampouco é dia de visitar alguém , pra isso existe o sábado. É dia de ver o tempo passar e dar um tempo, escutando música que fala da gente. Domingo, meu amigo, é dia de pensar que ela não rasgou as velhas fotografias e ainda reza por você, apesar de tudo que você fez, e, principalmente, apesar de tudo que você não fez.

Então ficarei quieto, com a luz apagada, com a música bem baixinha, só esperando este grande e indecifrável monstro chamado domingo arrastar seu enorme e pesado corpo, sair do meu caminho e o sol se lembrar de brilhar logo. Afinal, meu coração já teve muita dor por hoje e não esquecerei de você, assim tão fácil, eu sei.

* Escrito na cidade de Valencia, Espanha, em maio (primavera) de 1999.