domingo, setembro 25, 2005

Lembrança do amor antigo




Oh! deuses miseráveis da vida,
por que nos obrigais
ao incessante
assassínio de nós mesmos,
E a esse interminável
desperdício de ternuras?

Rubem Braga,
em “A navegação da casa”,
Paris, abril de 1950.



Domingo é o dia que me acontece as coisas mais absurdas e os pensamentos mais tristes me visitam. Pois grande surpresa para mim foi receber a chamada da terra distante e era você. Você que por tanto tempo habitou meu coração, meus sonhos de felicidade, minha vida. E como foi bom falar com você, sorrir das coisas do dia a dia, ouvir tua voz dizendo meu nome. Saber que você está feliz, depois de tantas peças do destino, e que até hoje sonha comigo, me encheu de boba felicidade.

O tempo nos encheu de maturidade e de lembranças agradáveis. O amor antigo não busca lembrar as frases duras, os gestos bruscos, as palavras que nunca foram ditas, as dolorosas lágrimas da separação sem sentido. Tanta coisa já passou que o eterno ciúme, sentido sempre nos víamos em outras companhias, já não existe mais. Você sabe mais de mim que qualquer outra pessoa. É capaz de ler meus pensamentos até quando eles inexistem. Compreende minhas dores mais escondidas, reconhece a cor de minha alma em lugares sem luz, é capaz de captar minhas mensagens mesmo estando a léguas e léguas de distancia.

E foram tantas lembranças boas, tanta alegria de estarmos de bem com a vida, que os anos passaram em minutos. Nossas brigas, teu medo de casar, a jóia que te dei, a biblioteca de tua casa, meu quarto... Algumas pessoas estão definitivamente em nossos sentidos que o simples ato de falar nos enche o nariz com um odor conhecido.

Como meus dias passavam rápido. Tua presença era um alento e ao mesmo tempo uma aflição. O eterno medo de te perder, quando na verdade nunca fostes minha. A admiração que’u tinha pela tua doçura e inocência, que quase virou a missão de proteger-te. Nada merece ser protegido se não quer ser protegido. A vida segue seu rumo e de nada vai adiantar dizer alguma coisa para quem não quer escutar. Necessário mesmo é viver para perceber as pérolas que jogamos no lixo, iludidos que logo logo encontraremos uma mina de diamantes. As pérolas, assim como as grandes estórias de amor, são únicas e não necessitam de final feliz para serem lindas estórias de amor.

Como se pode aprender sobre a vida, meu Deus, amando apenas uma mulher na vida. Eu vejo o menino que fui, parado na tua porta, com o coração cheio de ternura e os olhos cheios de lágrimas. Acho que foi a primeira vez que chorei por amor.

Tua chamada encheu de carinho o meu domingo vazio. Recarregou minhas baterias de esperança na felicidade. Lembrou-me as coisas que nunca esqueci, sobre quem sou, quais são meus ideais, fez-me reafirmar meu compromisso com a felicidade, minha busca por um milagre.

Agora penso que posso compreender melhor as coisas. Posso entender com terna perfeição quando o Chico canta que “futuros amantes quiçá se amarão sem saber, com o amor que um dia deixei pra você”.

* Escrito na cidade de Valencia, Espanha, em 18 de julho de 1999, verão.