quinta-feira, setembro 15, 2005

Que chega ao fim




No it's not like any other love
This one is different - because it's us

Hand in Glove,
THE SMITHS, 1984

Então você disse adeus... e se foi. Mas não se foi de uma vez, você continuou por aqui, de alguma maneira continuou por aqui e o jardim virou um deserto. De repente despertei, assustando e só, de um sonho lindo. Não havia mais teu cheiro e minha casa se transformou num hangar enorme e vazio. As horas custavam a passar, eu não conseguia escrever uma palavra e tuas mensagens no meu celular se fizeram cada dia menos e menos e menos, até desaparecer de vez.

- No me gusta que me tomen el pelo. Sim, mas se pudesse ver teu diário, que pensaría eu? Continuaría aqui? Aguentaría todas as tuas dúvidas? Sentiría tanta saudade tua? Ou talvez te dissese o mesmo que você me disse? Ou talvez não seria possível ver que eu apenas descarregava meu rancor .... por te haver perdido?

Não posso haver perdido o que nunca tive. Disso estou seguro. E as nossas noites de amor, quando te penetrava junto à janela da sala, com todo aquele vento que entrava, com todo meu desejo que saía e entrava por entre tuas pernas abertas, tua boca ofegante gritanto e acordando todos meus vizinhos... quanto te quis nestas noites de amor sem preocupação, nas nossas noites de amor em paz... Ríamos de tudo, nada era sagrado, e escolhíamos juntos o sabor das nossas comidas, do nosso sorvete.

Depois veio o amor, que já estava presente, calado e terrível. Teu sorriso me acompanhava com uma força capaz de iluminar toda a cidade de Madrid. Depois veio a dor, cortante e fria, removendo nossos estômagos e agitando nossos pensamentos. Depois veio nossa última noite, aquele restaurante novo, a jóia com meu nome que te dei, minhas palavras de te guardar pra sempre dentro de mim.... tuas lágrimas, tuas palavras de amor. E lembro tua carinha dizendo fica comigo, fica comigo...

E veio a angústia e a tormenta. Nossas vidas seguiam rumos distintos e tua lembrança foi mais forte que tua ausência. É claro que eu tentei te esquecer, te apagar da minha vida e seguir com minha mentira, com minha vida normal e sem alegria. Mas você estava demasiado presente pra te esquecer, e é claro que não pude seguir sem tua alegria, sem tua luz que me fazia ver o que de verdade era viver em paz. E é por isso que me doi tanto quando hoje você me diz que busca longe de mim a tua tranquilidade.

Sim, mandei tudo aos ares e voltei pros teus braços, voltei pro cheiro de mulher bonita, voltei pro meu sonho de felicidade e de amor em paz. O teu convite de amor era demasiado bom para esquecer. E Deus ainda estava comigo.

Mas, de alguma maneira, algo já havia mudado. Teus braços estavam ao redor de mim, mas teu sorriso havia desaparecido. Tua alegria já havia ido embora.... e eu sentia tua dor, sentia tua falta de felicidade, tua falta de perdão e todo, mas todo mesmo, todo teu rancor. Jamais me perdoara por haver te deixado pela minha palavra dada, jamais me perdoara por não haver confiado no teu amor. Jamais me perdoara por não haver feito o que você nunca fez comigo, que era somente pegar minha mão e não deixá-la nunca mais.

E os dias de sol foram cobertos de nuvens de chuva e os raios caíram sobre o jardim que uma vez foi verde e feliz. Cada dia eu notava tuas, dúvidas crescendo dentre de tí, cada dia menos alegria e esperança. O amor novo agora era velho, a ilusão eterna agora era angústia, e teu coração procurava por novos campos onde pudesse correr livre, sem o peso dos meus desejos.

Qualquer desculpa serviria para dizer-me adeus, e como sou, não te foi difícil encontrar uma. Foi horrível saber da tua decisão, como poderia viver sem mim? Sem nossa casa? Sem nossos sonhos? Mas você conseguiu, assim de fácil. Você disse adeus e se foi.

E passaram os dias, as noites era eternas neste sofá vazio onde tantas noites dormimos lado a lado, dividindo o pouco ou quase nada de conforto que havia. Nada me fazia entender como você havia conseguido ser tão prática. E pensei que era a dor que havias sentido no passado que te havia ensinado a temer o presente, mas ainda não entendia como conseguias passar tantos dias sem falar comigo, sem beijar-me, sem sentir o cheiro do teu homem... se eu morria no final de cada dia sem ti.

Mas você conseguiu. E o tempo passou, não sem antes você regressar somente para buscar tuas coisas, depois daquela noite que gritei de dor na porta de tua casa ausente de tí. É tão engraçado perceber agora que são os detalhes bobos que fazem a nossa vida, que criam nossas lembranças.

Bem, agora a dor passou. Ou de alguma maneira me acostumei com ela. E já não sou tão infeliz por não te ter aqui, junto a mim. Não que tua lembraça tenha se apagado de mim, mas as dificuldades que superaríamos juntos, agora são muros enormes rodeados por fossas intransponíveis de água e o mundo, que uma vez decidimos enfrentar juntos, se tornou um inimigo invencível e aliado do tempo. Tuas palavras mais duras me fizeram entender que a mulher que eu amei somente esperava uma novidade, não a eternidade. Teu silêncio me fez entender que já não valia a pena ter esperança num futuro a dois contigo, que nada seria o mesmo... será melhor pra mim, será melhor pra você, porque nada será o mesmo, nunca mais.

Ainda sou o teu maior fã e admirador e estaria mentindo se não te dissesse que ainda te amo com um amor tão desinteressado e original, desse tipo de amor que a gente só espera que venha dos nossos pais. Foi em você que minha alma chegou em casa, e disso eu não vou esquecer.

Então eu olho fixamente para uma estrela no céu de Valencia, ela brilha com uma luz branca e fría, e de repente uma lágrima escorre por esse mesmo céu, numa noite de verão que chega ao fim.... que chega ao fim.

* Escrito na cidade de Valencia, Espanha, em 11 de setembro de 2002