sexta-feira, dezembro 23, 2005

Sorte no amor



Moonlight and love songs
Never out of date.
Hearts full of passion
Jealousy and hate.
Woman needs man
And man must have his mate
That no one can deny.
It's still the same old story
A fight for love and glory
A case of do or die.

The world will always
welcome lovers
As time goes by.

As Time Goes By,

Herman Hupfeld, 1931

O amor é uma dádiva de Deus aos homens para que estes se sintam um pouquinho menos só, nesta existência tão vazia. O amor, também, é sorte. Porque não basta somente amar e amar, mas é necessário ter a sorte de ser amado. E ser amado não por qualquer pessoa, mas pela pessoa a quem se ama. O amor é jóia preciosa, perdida no meio do lixo da vida humana, à espera que alguém de sorte o encontre e saiba lhe dar valor. O amor é o começo e o fim, é a volta ao princípio da partida, é a solidão acompanhada e a companheira no alto do Everest.

Tantas vezes tentei o caminho do amor, acreditando num futuro a dois, e tantas vezes chorei sozinho no escuro do meu quarto entre lembranças e rancores. As frases que’u nunca disse, as flores que nunca dei, a loucura de amor que’u nunca fiz. Minhas lembranças nunca saíram de mim, isso eu sei, e já não posso seguir com elas. É necessário descarregar o peso da minha alma cansada em algum cais de porto. Quando se anda tanto, a gente acaba sendo um pouco de todo lugar e, ao mesmo tempo de nenhum lugar. A busca do amor em paz esconde em si a busca do amor maior, do grande amor.

Mas o amor é bicho caprichoso, requer cuidado acima das forças de um homem comum, sem maiores pretensões que amar uma mulher que lhe queira mais que ao mundo. Deixei passar tantas oportunidades de felicidade por acreditar nos indecifráveis desatinos do meu coração. Um coração “viciado em amar errado”, como um dia disse Cazuza. Um coração que quebrou as amarras do porto há anos e navega num mar de amores que trouxeram mais dor e solidão que companhia para as tristes tardes de domingo.

Por isso, ao me verem sozinho, não pensem que ali está sentando um homem que nunca amou, mas acreditem que ali está um homem que amou demais e que imagina conhecer quase todos os mistérios existentes no ato de amar. Sim, eu sei o sabor de todos os adeus, conheço os sons das portas batidas a esmo e toda a solidão das salas de espera dos aeroportos.

E depois de tudo, principalmente no Natal, ainda confundo essa dor de estomago com saudade, e este gosto amargo de lágrimas e soluços com o mais pesaroso sentimento de fracasso diante desse amor partido que nunca vai voltar, e que nunca será o mesmo.

Hoje a noite eu dormirei sozinho. Mais uma vez.

* Escrito em Brasília, em 12 de fevereiro de 2005.

sexta-feira, dezembro 16, 2005

Evo Morales da Bolívia



Um índio descerá de uma estrela
colorida e brilhante
De uma estrela que virá
numa velocidade estonteante
E pousará no coração
do hemisfério sul,
na América,
um claro instante

Índio,
Caetano Veloso

Durante as guerras de independência da América espanhola, no século XIX, Bolívia era apenas uma província do Vice-reino da Prata, que viria a ser hoje a Argentina, assim como o atual Paraguai. A região do altiplano andino já tinha financiado a riqueza e decadência do Império espanhol, através das minas de prata de Potosí. O próprio nome de Bolívia foi uma homenagem interessada ao libertador Simon Bolívar, para assegurar assim, sua pessoal defesa da independência da região não somente dos espanhóis, mas também dos futuros argentinos. Entretanto, a Bolívia se liberta do Império espanhol pelas mãos do General Sucre, e não pelas de Bolívar, como muitos imaginam.

O certo é que a Bolívia conseguiu sua independência, de europeus e crioulos, para tornar-se o país sul-americano com o maior número de golpes de Estado de sua história e um dos mais pobres. O país perdeu todas as guerras em que entrou, com conseqüências graves o território nacional, mas muito piores para sua população, majoritariamente de indígenas Aymara e Quéchua: a Guerra do Pacífico (1879-1883) – Apoiou o Peru contra o Chile, perdendo ao final sua saída ao Oceano Pacífico; b) Guerra do Chaco (1932-1935) – Contra o Paraguai, em que perdeu dois terços da região conhecida por “Chaco”.

O Professor espanhol Manuel Alcántara, no seu clássico “Sistemas Políticos de América Latina” afirma que a Bolívia “tradicionalmente foi uma república oligarca, monopolizada pela minoria branca, assentada no Altiplano, onde praticamente o Estado não existiu até meados do século XX”. A mineração, sua tradicional maior riqueza, e hoje em dia o gás natural, sempre caminharam juntos com a política, tendo o exército nacional como elemento de força a serviço das classes dominantes.

Neste quadro terrivelmente terceiro-mundista, de distanciamento entre a classe política, as elites econômicas e a população, o país sofreu protestos sociais desde 2004 que cumularam na deposição dos presidentes Gonzalo Sánchez de Lozada e, em junho de 2005, a Carlos Mesa.

Contudo, Bolívia poderá eleger neste domingo seu primeiro presidente saído da maioria étnica espoliada e esquecida durante séculos. O ‘aymara’ Evo Morales, atual deputado pelo Partido “Movimiento al Socialismo - MAS” e líder dos “cocaleros”, leva 34% das intenções de voto. Seu principal adversário, o ex-presidente direitista Jorge Quiroga, segue na disputa com 29% das intenções de voto, segundo a imprensa boliviana.

Evo Morales fundou o “Movimiento al Socialismo – MAS” em julho de 1987, mesclando oriundos do sindicalismo, do marxismo da década de 1970 e do movimento social dos produtores de coca. Desde então o partido apenas cresceu, sendo o segundo mais votado em 2003 e o primeiro nas eleições municipais de 2004. Concorrendo à presidência em 2002, Evo Morales ficou em segundo lugar. Caso vença domingo, Evo Morales já possui a palavra do Mercosul de que seu país será elevado à categoria de membro de pleno direito.

Sobre sua afinidade com o Presidente Lula, disse Evo Morales: “Me sinto muito unido a Lula, que vem da luta sindical, assim como eu venho da luta dos trabalhadores rurais. Seus pais eram analfabetos como os meus. Eu não terminei o segundo grau e jamais tive uma empregada doméstica. São muitas coincidências e por isso o considero como um irmão mais velho”.

Esta será a sétima presidencial boliviana, desde a redemocratização do país em 1982. Ademais, se elegerão, pela primeira vez, os governadores de seus nove departamentos administrativos, denominados “Prefectos”, que prepararão o referendum sobre a autonomia destes departamentos, em julho de 2006. Para 2006 o país convocará uma Assembléia Constituinte que promulgará uma nova Constituição. Oito partidos políticos concorrem nestas eleições.

Pela atual Constituição boliviana, a eleição presidencial acontece em um único turno, no qual o candidato para sair vencedor deve conseguir a maioria simples dos votos. Caso isso não ocorra, o Congresso nacional deve escolher o presidente.

Neste domingo, pouco mais de 3,5 milhões de bolivianos elegerão a 130 deputados, 27 senadores e nove governadores de departamentos. Decidirão sobre algo mais, decidirão sobre seu próprio futuro como nação, escolherão quem deve ser beneficiado pelas riquezas de seu país. Que Bolívia eleja o ‘aymara’ Evo Morales, que Bolívia eleja a Bolívia, pela primeira vez em sua história, neste domingo.

quinta-feira, dezembro 08, 2005

Simplesmente John



Love is the answer
and you know that for sure

Love is a flower,
you got to let it,
you got to let it grow

John Lennon,
Mind Games,
1973.



Estávamos nas férias de dezembro de 1980, quando a noticia da morte de John Lennon chegou na minha casa. Acho que foi o Cid Moreira quem anunciou no Jornal Nacional. Eu tinha apenas 11 anos, mas adorei “Imagine” desde a primeira vez que ouvi. Sim, a primeira vez que ouvi “Imagine” foi com a noticia da morte de Lennon. Depois, pedi dinheiro ao meu pai e comprei um compacto simples, na loja Caiçara que ficava pertinho da praça João Luis Ferreira, e “Imagine” passou a ser presença constante nas festinhas que a meninada organizava na vizinhança. Acredito, sinceramente, que a minha primeira paixão aconteceu no exato momento em que eu dançava com a filha da vizinha, embalado por essa música, no terraço da nossa casa.

Depois, em 1981, eu já estava estudando inglês e me lembro do dicionário do Yázigi, aquele da capa amarela e páginas cheirando a Bíblia, aberto pra traduzir a canção. Aí comecei a ganhar disco dos Beatles no meu aniversário. Todo mês de julho começou a chegar disco dos Beatles em casa, numa tradição que se repete até hoje. Tenho uma amiga escocesa chamada Linda que até hoje me manda discos piratas dos Beatles no meu aniversário, pois os discos catalogados já tenho todos, em “bolachão” e em CD.

De maneira que os Beatles passaram a ser companheiros de adolescência, verdadeiros amigos naquelas tristes tardes de tédio, sonhos vazios e consciência pesada pelas notas baixas e pela falta de perspectivas de mudança num futuro próximo. O tempo se arrastava naquelas tardes agarrado ao livro de química do Geraldo Camargo, mas com a cabeça viajando por longínquos lugares cheios de pernas, coxas, peitos e pelos pubianos. Como a puberdade cobrava seu preço naquelas tardes ausentes de musas sensuais.

John morreu em 8 de dezembro de 1980, tinha 40 anos, e desde então lá se vão 25 anos. Tempo que transformou aquele pré-adolescente e que mudou alguma coisa nesse louco mundo em que vivemos. John agora é só um mito, talvez o maior de todos os mitos da cultura pop do século XX.

Suas músicas continuam tocando, principalmente "Happy Xmas (War is over)", a mensagem originalmente escrita pra o natal de 1969, no Natal (e aqui abro um parêntese para mandar ao diabo a versão ridícula cantada pela Simone). Inclusive Yoko Ono fez as pazes com Paul McCartney, bem antes da morte de George Harrison, autorizando a gravação da inédita “Real love”, cantada por John e incluída no “Anthology 2” dos Beatles.

Nestes 25 anos sem John, a música dos Beatles e a produção individual de Lennon apenas cresceram e se valorizaram ainda mais. Desde que a banda inglesa Queen gravou a música “Life is real”, tornou-se lugar comum qualificar a John como gênio. Ele mesmo já tinha referido a si mesmo como gênio, afirmando ser uma carga por demais pesada. Suas posições políticas - destacadamente sua posição pacifista, em contra da guerra do Vietnã, seu apoio aos movimentos de esquerda estadunidenses, a defesa do feminismo e sua luta em favor dos Direitos Civis – o tempo demonstrou que foram acertadas. Como também se demonstrou mais tarde, ao abrirem-se aos arquivos da CIA, que não era paranóia sua a perseguição que sofreu nos EUA pelo governo Nixon.

John certamente foi o último grande nome da cultura pop a rebelar-se contra o sistema. Um rebelde com uma guitarra e uma idéia de igualdade na cabeça, gritando pela transformação do mundo em que vivia, de mãos dadas com sua mulher de quimono. Um exemplo pra todo idiota que pensa que está bem na vida, pois inclusive os milionários podem ser revolucionários, podem querer transformar o mundo, mudar o planeta e lutar pelas enormes injustiças que acontecem todo dia em qualquer cantinho da terra. Pensando globalmente, mas agindo localmente. Dar uma real contribuição para melhorar nossa comunidade. Tudo isso era John, e nada disso ficou desbotado nestes 25 anos passados.

Há uma imagem de John andando super feliz pelo Central Park, em Nova York, sorrindo na cidade que ele escolheu pra viver. É essa imagem que vou recordar neste 8 de dezembro de 2005, a imagem de um homem resolvido consigo mesmo, com o seu passado, e feliz da vida.