quinta-feira, dezembro 08, 2005

Simplesmente John



Love is the answer
and you know that for sure

Love is a flower,
you got to let it,
you got to let it grow

John Lennon,
Mind Games,
1973.



Estávamos nas férias de dezembro de 1980, quando a noticia da morte de John Lennon chegou na minha casa. Acho que foi o Cid Moreira quem anunciou no Jornal Nacional. Eu tinha apenas 11 anos, mas adorei “Imagine” desde a primeira vez que ouvi. Sim, a primeira vez que ouvi “Imagine” foi com a noticia da morte de Lennon. Depois, pedi dinheiro ao meu pai e comprei um compacto simples, na loja Caiçara que ficava pertinho da praça João Luis Ferreira, e “Imagine” passou a ser presença constante nas festinhas que a meninada organizava na vizinhança. Acredito, sinceramente, que a minha primeira paixão aconteceu no exato momento em que eu dançava com a filha da vizinha, embalado por essa música, no terraço da nossa casa.

Depois, em 1981, eu já estava estudando inglês e me lembro do dicionário do Yázigi, aquele da capa amarela e páginas cheirando a Bíblia, aberto pra traduzir a canção. Aí comecei a ganhar disco dos Beatles no meu aniversário. Todo mês de julho começou a chegar disco dos Beatles em casa, numa tradição que se repete até hoje. Tenho uma amiga escocesa chamada Linda que até hoje me manda discos piratas dos Beatles no meu aniversário, pois os discos catalogados já tenho todos, em “bolachão” e em CD.

De maneira que os Beatles passaram a ser companheiros de adolescência, verdadeiros amigos naquelas tristes tardes de tédio, sonhos vazios e consciência pesada pelas notas baixas e pela falta de perspectivas de mudança num futuro próximo. O tempo se arrastava naquelas tardes agarrado ao livro de química do Geraldo Camargo, mas com a cabeça viajando por longínquos lugares cheios de pernas, coxas, peitos e pelos pubianos. Como a puberdade cobrava seu preço naquelas tardes ausentes de musas sensuais.

John morreu em 8 de dezembro de 1980, tinha 40 anos, e desde então lá se vão 25 anos. Tempo que transformou aquele pré-adolescente e que mudou alguma coisa nesse louco mundo em que vivemos. John agora é só um mito, talvez o maior de todos os mitos da cultura pop do século XX.

Suas músicas continuam tocando, principalmente "Happy Xmas (War is over)", a mensagem originalmente escrita pra o natal de 1969, no Natal (e aqui abro um parêntese para mandar ao diabo a versão ridícula cantada pela Simone). Inclusive Yoko Ono fez as pazes com Paul McCartney, bem antes da morte de George Harrison, autorizando a gravação da inédita “Real love”, cantada por John e incluída no “Anthology 2” dos Beatles.

Nestes 25 anos sem John, a música dos Beatles e a produção individual de Lennon apenas cresceram e se valorizaram ainda mais. Desde que a banda inglesa Queen gravou a música “Life is real”, tornou-se lugar comum qualificar a John como gênio. Ele mesmo já tinha referido a si mesmo como gênio, afirmando ser uma carga por demais pesada. Suas posições políticas - destacadamente sua posição pacifista, em contra da guerra do Vietnã, seu apoio aos movimentos de esquerda estadunidenses, a defesa do feminismo e sua luta em favor dos Direitos Civis – o tempo demonstrou que foram acertadas. Como também se demonstrou mais tarde, ao abrirem-se aos arquivos da CIA, que não era paranóia sua a perseguição que sofreu nos EUA pelo governo Nixon.

John certamente foi o último grande nome da cultura pop a rebelar-se contra o sistema. Um rebelde com uma guitarra e uma idéia de igualdade na cabeça, gritando pela transformação do mundo em que vivia, de mãos dadas com sua mulher de quimono. Um exemplo pra todo idiota que pensa que está bem na vida, pois inclusive os milionários podem ser revolucionários, podem querer transformar o mundo, mudar o planeta e lutar pelas enormes injustiças que acontecem todo dia em qualquer cantinho da terra. Pensando globalmente, mas agindo localmente. Dar uma real contribuição para melhorar nossa comunidade. Tudo isso era John, e nada disso ficou desbotado nestes 25 anos passados.

Há uma imagem de John andando super feliz pelo Central Park, em Nova York, sorrindo na cidade que ele escolheu pra viver. É essa imagem que vou recordar neste 8 de dezembro de 2005, a imagem de um homem resolvido consigo mesmo, com o seu passado, e feliz da vida.