sábado, junho 17, 2006

Eu quero ser eterno



Sou escravo, sou herói, sou filósofo,
sou demônio e sou mundo - o que
é uma fatigante maneira de dizer que
não sou.

Jorge Luis Borges

Eu odeio precisar. Mas hoje eu preciso de um amigo de verdade, bom de copo e com tempo e disposição pra apoiar, nem que seja ao menos escutando.

É que hoje eu preciso ouvir o silêncio da madrugada de Brasília, com seu céu sem estrelas arranha-céus, com suas noites frias, ouvindo o desesperado canto das cigarras em agosto.

Hoje, eu preciso almoçar com o Ricardo no Itamaraty, ouvir alguma coisa inteligente no meio desta mediocridade que vai subindo na vida às custas da corrupção e de suas vaginas gordas e escancaradas ao meio-dia. Hoje, eu preciso que você me mande uma mensagem simples pro meu telefone dizendo “eu te amo”.

Preciso sentar com meu copo de “juanito caminante”, meu bloco de notas e meu lápis grafite preto, pra pensar por extenso, traduzindo ansiedade em poesia, sentimento de derrota em disposição “churchlliana” de seguir em frente, contando apenas comigo mesmo, valendo-me tão-somente desta adolescência eterna que invade meu peito cheio de marcas de guerra, memórias de batalhas travadas em momentos de extrema solidão feliz.

Hoje, eu preciso parar de esperar “reconhecimento pelo trabalho duro” e pensar em, definitivamente, tomar partido nas grandes causas do meu século. Hoje, de braço dado com todas as minhas ilusões, saio pra rua, pra noite, pro mundo.

Carrego comigo pouca bagagem e toneladas de sonhos reais e personagens e estórias ainda não escritas e todas as ilusões que a chegada anunciada dos quarenta pode trazer.

Hoje, eu te levaria, amorzinhomeu, para um passeio pela minha fantasia de castelos e livrarias imaginárias que’u visitei quando vagava pelas vazias e tristes ruas apertadas de um velho continente cheio de solidão e zumbis e pessoas mortas e sem alma. Hoje, eu venceria qualquer discussão idiota e sem futuro, ainda que fosse sobre futebol na Coréia do Norte.

Hoje, eu visitaria velhos autores e poetas, num passeio de saudade e evocação romântica e literária, entre loucas declarações de amor entre multidões de náufragos nalgum bar boêmio da cidade sem esquina. Hoje, as piores caras irão me ver, entre gargalhadas, e estarei nu, completamente nu, sem palavras...

Hoje, minha eterna companheira abre seus braços para mim, num abraço frio, à sombra de uma mesa num café mal iluminado por velas de parafina e almíscar. Hoje, somente hoje, estarei encostado no balcão de madeira mal polido do meu coração que procura palavras e somente encontra o silêncio.

Hoje, não mais que hoje, o silêncio invadirá minha recordação do tempo que’u ainda viverei, enquanto algum idiota fará o comentário fascista de sempre, julgando-me e condenando-me com toda a sanha daqueles que ficaram em casa pra sempre e ainda não sabem a diferença entre sexo protocolar e desejo.

Hoje, entre palavras de ordem e grandes passeatas de protesto, levarei minha alma para um cantinho de águas tranqüilas, entre vitórias-régias e flamboaiãs chorões. Somente hoje, eu gostaria de ouvir a gargalhada do meu irmão sobre alguma piada de qualquer primo nosso.

Entre tantas melancolias vespertinas, eu desejo hoje ver brilhar o sol de um novo dia, repleto de nova felicidade e cânticos de amor acompanhados de jazz.

Que chegue o carnaval agora, que o alegre bloco invada essa rua, com jardineiras, palhaços e colombinas, livres de toda dor de viver e, completamente repletos, embriagados de vida, abarrotados de confetes e serpentinas e cheirando a lança perfume, debochando de toda a matilha de velhos de coração, buscando a cerveja mais gelada, o sorriso mais sincero e a alegria mais verdadeira.

Hoje, só hoje, eu quero ser eterno.