quarta-feira, outubro 15, 2008

O livro digital vencerá o de papel em 10 anos

O livro digital vencerá o de papel em 10 anos

Uma pesquisa entre mil profissionais estabelece o ano de 2018 para a superação do suporte tradicional - A censura na Turquia marca o inicio da Feira de Frankfurt

G. ALTARES / C. GELI – El País - Francfort - 15/10/2008

Tradução de Antonio de Freitas

Ninguém diria pela quantidade de caminhões que ontem descarregavam na Feira de Frankfurt toneladas dessa mescla de pasta de celulose e tinta que formou nosso mundo e que chamamos livros. Porém, nunca até agora o mundo digital teve tanta importância. A principal feira do livro do mundo, que inaugurou oficialmente na noite de ontem e que hoje abre suas portas aos negócios durante cinco dias, começou sob a sombra de uma pesquisa a 1.000 profissionais do setor de 30 países cuja principal conclusão é que, dentro de uma década, em 2018, os livros eletrônicos em qualquer dos formatos imagináveis superarão em volume de negocio aos herdeiros da galáxia Gutenberg.

Portanto, na edição deste ano da feira, a 60ª, que conta com a Turquia como país convidado e a que tem previsto assistir 7.000 expositores de 101 países e cerca de 1.000 autores - uma cifra praticamente idêntica à do ano passado-, os livros clássicos no representam já mais que 42% do volume total frente à avalanche de seus parentes digitais, DVD, áudio livros e os novos reprodutores, com o Kindle de amazon.com e o leitor da Sony á frente.

O escritor brasileiro Paulo Coelho, um dos autores mais populares, que receberá hoje uma homenagem em Frankfurt após superar os 100 milhões de exemplares vendidos, asseguro na inauguração da feira que havia começado a predicar com o exemplo e que postou na sua página web uma cópia gratuita de seu livro mais famoso, O Alquimista, dado que, já circulavam cópias piratas pela Internet. "O primeiro ano, as vendas passaram de 1.000 a 10.000 cópias. No segundo, subiram até as 100.000. Até o dia de hoje, vendeu 10 milhões de livros na Rússia", afirmou. "Durante 15 séculos, o livro tradicional demonstrou ser insuperável. Porém os livros digitais estão reclamando seu espaço e tudo indica que chegará um momento no qual o digital superará o de papel. Mas se necessitam, todavia, uns quantos anos, o que nos dá - aos editores, autores e escritores - um tempo precioso antes que a Internet nos alcance", prosseguiu o autor.

As quatro principais conclusões da macropesquisa encarregada pela feira revelam que os editores compartem o otimismo de Coelho, isto é, que a indústria pode sobreviver à avalanche digital, ainda que a mudança de cenário será brutal: a influencia da China na edição digital se multiplicará por três nos próximos anos (atualmente EUA domina o mercado); os consumidores, Google e Amazon impulsionarão a mudança digital; os e-livros superarão aos livros tradicionais em 2018 (segundo a opinião de 40% dos entrevistados, frente a 30% que considera que isto nunca ocorrerá) e a venda de livros por Internet foi escolhida como o acontecimento mais importante no mundo da edição nos últimos 60 anos, os mesmos que cumpre agora a feira.

Contudo, a mesma pesquisa demonstra que, todavia falta um longo caminho antes de chegar a um industrial e voluntario Fahrenheit 451: 60% dos editores não utilizam ainda livros digitais nem os novos suportes, e quase ninguém (7%) acredita que os e-livros serão sua principal fonte de ingressos dentro de cinco anos. Assim, os preparativos da feira ofereciam ontem pela manhã uma imagem surrealista: três operários descarregavam com dificuldade, até o pavilhão que ocupava Alemanha, uma linotipo, a mesma imagem do passado numa feira que se lança até outra era e que em promoção começa a mudar o logo ‘Book Fair’ para ‘Media Fair’.

Porém muitos editores compartilham uma preocupação muito mais terrena: Em que medida a crise global pode chegar a afetar o setor do livro? De momento, alguns editores espanhóis consultados asseguravam que começavam a notar uma ligeira baixa de vendas nos títulos de pequena tiragem, ainda que a dos grandes nomes se mantêm. Por fim, o diretor da Feira do Livro, Juergen Boos, se mostrou todo o tranqüilizador que pode. "O setor do livro segue suas próprias regras, incluso frente a uma crise financeira internacional", assinalou. "Isto ficou demonstrado num estudo das principais editoras alemãs. Ainda que haja tantos pessimistas como otimistas entre os que responderam, a opinião majoritária era que a situação econômica dos editores seguirá sendo consistente. Os livros parecem ser muito resistentes aos ciclos econômicos negativos, o que deixa claro o fato de que são bens necessários, não de luxo".

As cifras, uma vez mais, jogam a favor de Boos: o número de títulos expostos (402.284) e o de novas publicações (123.496) é claramente superiores à passada edição da Feira de Frankfurt. No papel ou em bit, a coisa segue.

Pamuk, sempre desafiante

O prêmio Nobel de Literatura Orhan Pamuk e o presidente islâmico moderado da Turquia, Abdulá Gül, ofereceram na noite de ontem, na inauguração da Feira do Livro de Frankfurt, suas visões contrapostas deste país, convidado de honra este ano. Foi um exercício dialético apaixonante que demonstrou as feridas abertas de um Estado-ponte entre Oriente e Ocidente e submetido a uma dialética entre a tradição e a modernidade que lhe faz caminhar muitas vezes pelo fio da navalha. Os dois foram ao limite de suas possibilidades. "Um século de proibir e queimar livros, de mandar aos escritores à prisão ou assassiná-los como traidores ou enviá-los ao exílio. Denegri-los constantemente nos meios de comunicação não serviu para enriquecer a literatura turca, só a fez mais pobre", assinalou o autor de Neve.

Logo, em meio de um grande aplauso, se lançou diretamente contra a instituição que encarna o presidente turco, que se encontrava a somente uns metros dele, sentado junto a sua esposa, que luzia o lenço muçulmano. "O costume do Estado de penalizar os escritores e seus livros segue muito viva: o artigo 301 do Código Penal é utilizado ainda em silencio para suprimir a muitos outros escritores, da mesma forma em que foi utilizado contra mim", disse Pamuk.

O presidente Gül, por outro lado, começou seu discurso com um chamativo elogio da figura de Pamuk e uma descrição de seu país totalmente diferente. "As restrições aos autores se reduziram ou desapareceram. A Turquia se converteu num Estado em que prevalece a liberdade de opinião e de expressão", manifestou.