terça-feira, setembro 08, 2009

40 anos sem os quatro de Liverpool


Beatles. Viagem a seus cenários de lenda

40 anos sem os quatro de Liverpool

MANUEL CUÉLLAR – El País - 06/09/2009

Tradução de Antonio de Freitas Jr.

Dia 13 de setembro de 1969 foi a última vez que os Beatles trabalharam juntos num estúdio. Quatro décadas depois de sua dissolução, e com dois deles desaparecidos, continuam sendo um fenômeno mundial. Percorremos alguns dos lugares que foram parte de sua historia para descobrir que seguem vivos.

Na parte interior do antebraço esquerdo de um músico de Liverpool está a resposta. Jason Murray tem 33 anos, o cabelo louro e a pele muito branca. Tanto que o verde de suas veias se confunde com a tinta da tatuagem. Justo na altura do cotovelo, uma clave de sol, e de ali até o pulso, as cinco linhas de um pentagrama com dois compassos. Sob as notas, a letra da canção: All you need is love, love is all you need. Nessa pele está a resposta. É o símbolo do que ocorreu desde que há quarenta anos os quatro Beatles - o grupo que praticamente inventou a música pop - decidiram não voltar a tocar juntos nunca mais. De maneira indelével, esses quatro rapazes de Liverpool ficaram gravados a fogo, para sempre, como numa tatuagem, na memória e na bagagem cultural de milhões de pessoas no mundo.

Jay Murray fala alegremente com dois amigos com uma ‘pinta’ de cerveja em sua mão. Está no ‘The Cavern Pub’, um dos botecos que formam parte dessa espécie de parque temático sobre os Beatles em que se converteu sua cidade natal. Está apoiado numa Jukebox amarela, com forma de submarino de desenhos animados, e nas paredes do local, numa sorte de ‘horror vacui’ estudado para fãs, se exibe todo tipo de souvenires dos quatro fabulosos. "Haver formado parte de uma das bandas de tributo aos Beatles [The Mersey Beatles] mais importantes me permitiu tocar diante de 10.000 pessoas", afirma o guitarrista. "Mudaram o mundo. Liverpool está muito agradecida, aqui vêm pessoas de todas as partes do planeta atraídas por eles". Nestas palavras se adivinha o exterior de seu antebraço, o outro lado: os Beatles, 40 anos depois de sua dissolução, continuam sendo um grande negocio. Tanto que em 1985 o desaparecido Michael Jackson comprou por 8 bilhões de pesetas os direitos editoriais de 267 canções dos descabelados deixando quase a metade de sua fortuna na transação. Agora, segundo um jornal tão prestigioso como ‘The Wall Street Journal’, a confusão financeira gerada pela morte do comprador suporá uma espera de pelo menos 18 meses para elucidar quem ficará com os lucros adquiridos e (tal vez hipotecados) pelo chamado rei do pop.

Quarta-feira, dia 9 de setembro, num lançamento sem precedentes, EMI, a gravadora dos ‘Beatles’, reeditará toda a discografia do grupo remasterizada nos estúdios Abbey Road, onde gravaram 90% de sua produção. Nesse mesmo dia se porá a venda um videojogo para múltiplos aparatos, denominado ‘The Beatles Rock Band’, com o qual o jogador poderá emular ao grupo desde seus princípios. A aposta é tão alta (supõe uma possibilidade de negocio enorme, uma vez que o catálogo de canções do jogo será vendido separadamente), que Paul McCartney, Ringo Starr, Yoko Ono Lennon e Olivia Harrison (viúvas, respectivamente, de John Lennon e George Harrison) se reuniram em Los Ángeles no passado mês de junho para apadrinhar o produto. Em Las Vegas, o ‘Circo do Sol’ continua imparável com as representações de ‘Love’, um espetáculo baseado em sua música, e Canal + emitirá nesta quinta-feira, dia 10 de setembro, pela primeira vez na Espanha o documentário ‘All together now’ sobre a gestação e o começo desta montagem que levou até o deserto de Nevada ao mesmíssimo George Martin, o produtor da banda, apesar de estar sofrendo de uma forte surdez. Se Lennon e Harrison pudessem regressar da morte, um concerto ou um novo disco dos quatro Beatles seria, sem dúvida, um dos acontecimentos mundiais do século XXI. Falamos de um grupo que quarenta anos depois segue encabeçando a lista de vendas de um organismo tão prestigioso como a Associação Americana da Indústria Discográfica (RIIA), com um total de 170 milhões de discos despachados tão-somente nos Estados Unidos. Outras fontes como ‘The New York Times’ ou a revista Forbes garantem a cifra de mais de um bilhão de discos em todo o mundo desde seu começo em 1962.

Nos estúdios Abbey Road em Londres há que se andar com cuidado. O clima dos baseados daqueles adolescentes que confessaram haver experimentado o LSD, a ‘marihuana’, o haxixe e a todo o experimentável, se converteu no típico clima de discográfica paranóica. "Quem roubou uma capa de disco?", pergunta Paul Bromby, diretor de marketing da EMI. Todos os jornalistas presentes ficam sob suspeita. "Essa capa poderia valer muito em Ebay", arremata. O acusador leva mais de uma dezena delas na mão. Claro que sem o correspondente CD dentro. Assim, os Beatles seguem sendo um negócio e os primeiros que sabem são os responsáveis de que seus 13 discos soem desde a próxima quarta-feira como se tivessem sido gravados por qualquer grupo de ‘brit pop’ do momento. Contundentes, com presença, de certo modo agressivos e, sobretudo, envolventes. E o maior dos sobretudos: na internet estarão remasterizadinhos desde esse mesmo dia. O certo é que quando se escuta o resultado nesses estúdios, diante de uma mesa de som de 78 canais, é assombroso. Um cuidadoso trabalho de quatro anos, de ourives.

O estúdio 2, o predileto dos Beatles, deve ser visto furtivamente. Nada de fotos, nem amabilidade. Em Abbey Road há que se andar com cuidado. A eles, que gravaram com Alanis Morisette, Diana Krall, Elbow, Hard Fi ou Panic! At The Disco, por apresentar alguns exemplos, nada lhes importa. Parece que não aprenderam nada daqueles quatro: não se dão conta de que o melhor de tudo está fora dessas paredes.

Nos muros do número 3 de Abbey Road há poemas escritos, declarações de amor, de fidelidade eterna a esse quarteto irrepetível. E na esquina, uma faixa de pedestres que é mais que seis listas brancas sobre o asfalto. É um santuário e também uma diversão. Alan Haynes é um operário da construção civil que trabalha a 20 metros dessa faixa de pedestres. "A hora da merenda é para os Beatles. Nos sentamos aqui, de frente para o cruzamento, e vemos todo esse circo que se monta. Gente de todo o mundo segue vindo aqui para parar o tráfego. É algo alucinante".

Nada comparado com Liverpool. "Não chegamos a odiá-los ainda, mas é claro que em casa não ponho a nenhum de seus discos". Assim diz Moira, uma das recepcionistas do hotel ‘A Hard Days Night’, um estabelecimento completamente baseado nos Beatles e no qual não se escuta outra coisa que não seja suas canções. Quarenta anos depois da dissolução da banda, Liverpool é uma cidade absolutamente ‘beatle’. Seu aeroporto se chama John Lennon, no mesmo quarteirão onde está o hotel se encontra a nova caverna, um local fabricado a imagem e semelhança e a escassos 10 metros daquele onde Brian Epstein decidiu que seria o ‘manager’ da banda. Ali, pelo menos 40 pessoas têm um trabalho relacionado com os Beatles. Rotas turísticas de todo tipo, incluída uma numa espécie de barco amarelo que navega pelo rio Mersey. Lojas, estátuas, fotos, museus e música, muita música. Jason Murray agita sua franjinha cortada ao estilo dos ‘fab four’. Sobe ao palco com sua guitarra acústica e canta ‘Yesterday’. Depois, comprovada mais uma vez a eficácia de uma canção eterna, desce do palco e diz: "Está vendo? Deles parte tudo. Toda a música de agora tem algo dos Beatles. Falamos de uns garotos que foram algo assim como Bach ou Mozart".