sexta-feira, janeiro 29, 2010

Morre J.D. Salinger, autor de 'O Apanhador no Campo de Centeio'


Morre J.D. Salinger, autor de 'O Apanhador no Campo de Centeio'

Autor de culto, inovador da literatura americana, viveu afastado da cena pública. Tinha 91 anos

BARBARA CELIS - Nova York – El País - 28/01/2010

Tradução de Antonio de Freitas Jr.

Um personagem misterioso, esquivo com os meios de comunicação, de que se conhecem apenas algumas imagens. Jerome David Salinger, autor de ‘O Apanhador no Campo de Centeio’ (1951), um romance que marcou milhares de jovens em todo o mundo, faleceu ontem aos 91 anos em New Hampshire (EUA). O jornal ‘The New York Times’, o primeiro a dar a notícia, o qualifica de "recluso literário”.

Escritor "de talento infinito", como lhe definiu Ernest Hemingway após conhecê-lo em Paris durante a II Guerra Mundial, anos antes que publicasse sua obra magna. Salinger levava cinco décadas longe da vida pública, pois após o inesperado sucesso de ‘O Apanhador no Campo de Centeio’, convertido em best seller no mesmo ano de sua publicação, 1951, decidiu abandonar Nova York e se instalar no campo, na mesma casa em que faleceu. Aproximava-se, assim, do desejo do mordaz protagonista de seu romance, Holden Caufield, que numa passagem do livro afirma: "eu gostaria de encontrar uma cabana em algum lugar e com o dinheiro que ganhe instalar-me ali para o resto de minha vida, longe de qualquer conversa estúpida com as pessoas".
Aquele livro, que vendeu mais de 60 milhões de exemplares em todo o mundo e que ainda vende 250.000 cada ano, dirigia-se aos adultos, porém seu protagonista imediatamente se converteu no anti-herói por excelência de toda uma geração, a dos adolescentes crescidos em plena guerra fria, que viram nas suas críticas ferozes contra o mundo e a moral dos anos cinquenta o reflexo de suas próprias inquietudes e angustias. O enfrentamento entre o mundo dos jovens e o dos adultos refletia também o desejo universal de não crescer, outra cara de um dos muitos sonhos americanos e que de alguma maneira se repete geração após geração – daí seu sucesso universal. O romance, no qual Holden Caufield rememora em primeira pessoa, de um hospital psiquiátrico onde se encontra internado, os dias posteriores a sua expulsão do colégio, se converteu em romance de culto, algo que foi levado ao extremo por um de seus máximos fãs, Mark David Chapman, o homem que assassinou John Lennon em 1980. Chapman chegou a citar o livro do escritor como o lugar onde encontrar a explicação para aquele ato.

Talvez parte da fascinação que desperta ‘O Apanhador no Campo de Centeio’ se deva também pelo clima de mistério que rodeia seu autor. Uma das poucas imagens que se conservam dele o mostram em atitude ameaçadora contra o fotógrafo. Fugiu dos focos e do ruído mediático. Somente concedeu uma única entrevista, em 1974 ao ‘The New York Times’ e por via telefônica, para defender sua vida privada.

"Há uma paz maravilhosa em não publicar. É pacífico. Tranquilo. Publicar é uma terrível invasão da minha vida privada. Gosto de escrever. Amo escrever. Porém, escrevo somente para mim mesmo e para meu próprio prazer", disse Salinger naquela única entrevista.

Uma criança problemática

Igual a Holden, Salinger também foi uma criança problemática expulsa de diferentes escolas. Nascido em Nova York em 1919, começou a escrever em sua adolescência, à luz de uma lanterna sob os lençóis e durante os quatro anos que serviu no exército durante a II Guerra Mundial, sempre esteve acompanhado de uma máquina de escrever. Cedo começou a buscar colaborações em diversas revistas e foi ‘The New Yorker’ (sua revista de referencia, que hoje publica em versão digital todas as suas colaborações) a que identificou seu talento e com a qual firmou um contrato de quase exclusividade. Foi aí onde se pôde ler os primeiros fragmentos de ‘O Apanhador no Campo de Centeio’, ainda que Holden Caulfield haja visto a luz anos antes numa historia intitulada ‘Last Day of the Last Furlough’, publicada em 1944.

No auge da fama Salinger decidiu afastar-se do mundo. Mudou-se para ‘Cornish’ e fez de sua casa uma espécie de fortaleza inexpugnável. Encontrar-lhe se converteu quase em esporte nacional entre a imprensa, que desde então especula sobre ele e sua estranha vida. Entretanto, três obras suas veriam a luz: ‘Franny and Zooey’ (Franny e Zooey), em 1961, ‘Raise High the Roof Beam, Carpenters and Seymour: An Introduction’, em 1963 (Carpinteiros, Levantem Bem Alto a Cumeeira e Seymour, uma Introdução) e, sua última peça publicada, ‘Hapworth 16, 1924’, um conto curto publicado nas páginas de ‘The New Yorker’, em junho de 1965.

Contra as edições ilegais e contra o que ele considerava invasões de sua intimidade, Salinger e seus advogados promoveram numerosas ações judiciais. A última, em julho de 2009, proíbe a publicação do livro de um autor sueco cujo protagonista é um Holden Caulfield septuagenário.

Em 2000 sua filha, Margaret, publicou umas memórias intituladas ‘Dream Catcher’ , que permitiu a seus fãs incondicionais descobrir algo mais da vida privada de Salinger: ali se retrata a um homem que vivia em semi-reclusão, consagrado à sua obra e tirânico com sua família. Entregue primeiro ao budismo, logo à Cienciologia e depois à Ciência Cristã: um doente que bebia sua própria urina e estava obcecado com a religião. Margaret chega inclusive a dizer que abusou de sua segunda mulher, Claire Douglas, mantendo-a como uma "virtual prisioneira".