segunda-feira, janeiro 04, 2010

O ano de Keynes


O ano de Keynes

JOAQUÍN ESTEFANÍA – El País - 03/01/2010

Tradução de Antonio de Freitas Jr.

Repete-se abundantemente a tese de Keynes de que trás das políticas que se aplicam costuma estarem as idéias de algum economista e que estas resultam mais poderosas do que se pode supor. As praticas dos banqueiros e dos governantes que nos conduziram a esta crise podem remontar-se também às idéias daqueles economistas que prognosticaram que o mais eficaz era os mercados desregulados.

Detrás das políticas de ajudas ao sistema financeiro e dos estímulos à economia real que evitaram que a Grande Recessão se transformasse numa Grande Depressão estavam as idéias de Keynes. Em 2009 se produziu, com os matizes que se requerem, a confluência entre uma lógica intelectual (o keynesianismo) e uma lógica política (Obama), que substituiu o antigo eixo dominante neoliberalismo-neoconservadorismo. Por isso, 2009 foi o ano do regresso de Keynes, mais por necessidade que por uma teorização consciente do que isso supunha: quando estamos no buraco, todos somos keynesianos.

O economista de Cambridge defendia que quando existe um vazio macroeconômico o governo deve substituí-lo e se preparar para sanear o sistema. Porque isto é o que pretendia, não substituí-lo por outro. Keynes não era um revolucionário: tentou salvar um capitalismo que não admirava, porém que considerava a melhor garantia frente a suas alternativas reais, o fascismo e o comunismo. Sua solução de "dinheiro barato, gasto inteligente" para compensar a anemia de investimento privado terá de ser adaptada agora à era da globalização. É impossível aplicar o keynesianismo num só país, e isto é o que tentou fazer o G-20: as mesmas ideias-força levando em conta as peculiaridades de cada país. Substituir a falsa ideologia da eficiência perfeita pela realidade de mercados incompletos, informação assimétrica e competitividade imperfeita.

Quando Keynes defendia as ideias dos economistas como sustentadoras da política, pensava num tipo de cientista social que não é o que mais abunda. Economistas polifacéticos, como ele mesmo. Um possível presente de Ano Novo é reler um dos mais maravilhosos textos de Keynes: Ensaios biográficos. Escrevendo sobre um de seus mestres, Alfred Marshall, diz que o estudo da economia não parece requerer dotes especialmente relevantes. "Não é, por acaso, no aspecto intelectual, uma matéria extremadamente fácil, em comparação com os estudos mais elevados da filosofia da ciência pura? E, contudo, um bom economista, ou simplesmente competente, não é uma autêntica raridade?". Não lhes gostará esta diminuição de expectativas dos economistas de laboratório que pretendem o monopólio da verdade científica. O economista deve possuir uma rara combinação de dotes: "Deve alcançar um nível elevado em distintas direções, combinando capacidades que, muitas vezes, não possui uma mesma pessoa. Deve ser, de algum modo, matemático, historiador, estadista, filósofo; manejar símbolos e falar com palavras correntes (...). Deve estudar o presente à luz do passado e com a vista posta no futuro...". Keynes voltou.