segunda-feira, dezembro 20, 2004

A busca da felicidade



Yo no necesito tiempo
Para saber cómo eres:
Conocerse es el relámpago.
(...)
eres tan antigua mía,
te conozco tan de tiempo,
que en tu amor cierro los ojos,
y camino sin errar,
a ciegas, sin pedir nada
a esa luz lenta y segura.

Pedro Salinas,
em “La voz a ti debida”, 1933.


A felicidade sempre foi a meta de todos os seres humanos, dos mais cultos aos mais ignorantes. E os diferentes modelos e fórmulas para se encontrar a felicidade acompanharam o homem em toda sua trajetória, nos mais diversos momentos e lugares. Muitos já escreveram sobre a felicidade. Rubens Ricupero, em memorável artigo publicado na Folha de São Paulo de 4 de janeiro de 2004, traça um maravilhoso levantamento histórico e literário da felicidade ao longo dos tempos. Como afirmou o filósofo Ortega y Gasset, “o programa da vida feliz quase não variou ao largo da vida humana”.

Sempre me fascinou na Declaração de Independência dos EUA, a afirmação do direito de buscar a felicidade. Esse texto, de 4 de julho de 1776, declara: “Consideramos 'de per si' evidentes as verdades seguintes: que todos os homens são criaturas iguais; que são dotados pelo seu Criador com certos direitos inalienáveis; e que, entre estes, se encontram a vida, a liberdade e a busca da felicidade”. A expressão é atribuída a Thomas Jefferson, mas era idéia comum naquela época de que a primordial função do bom governo seria a de cuidar da vida e da felicidade humanas.

Antes porém, na Declaração de Direitos de Virgínia, de 16 de junho de 1776, já se afirmava esta função estatal, ao lado do direito de rebelião: “O governo existe e deve existir para o bem comum, a proteção e a segurança do povo, nação ou comunidade; de todos os modos e formas de governo o melhor é o que é capaz de produzir a maior grau de felicidade e segurança e está mais efizcamente organizado contra o perigo de má administração; e, sempre que qualquer governo se mostre inadequado ou contrário a estes fins, a maioría da comunidade tem o direito incontestável, inalienável e irrevogável de o reformar, modificar ou abolir da maneira que for julgada mais conducente à felicidade geral”. Norberto Bobbio, no seu “Dicionário de Política”, afirma que a felicidade pública “é o valor mais invocado pela ética utilitarista, definido classicamente por J. Bentham como 'a maior felicidade para a maioria'”.

A busca da felicidade humana era um dos temas recorrentes da filosofia socrática, e muitos de seus discípulos elaboraram escolas filosóficas que partiram das interpretaçöes de seus ensinamentos. Assim, encontramos esta preocupação tanto em Platão, quanto em Aristóteles – que no livro “Ética a Nicômano” percorre vários caminhos para esclarecer o tema da felicidade. Mas é no pensamento dos cínicos, epicureus e estóicos que encontramos o maior destaque sobre o tema. Para os cínicos, “a verdadeira felicidade não depende de fatores externos como o luxo, o poder político e a boa saúde. Para eles, a verdadeira felicidade consistia em se libertar dessas coisas casuais e efêmeras. E justamente porque a felicidade não estava nessas coisas ela podia ser alcançada por todos. E, uma vez alcançada, não podia mais ser perdida”. Os estóicos, aproveitando muito do pensamento cínico, acreditavam que a felicidade, como tudo que acontece na vida humana, não depende do homem, e sim das imutáveis leis naturais. Diante de tal atitude, ao homem caberia, tão somente, aceitar com tranquilidade o que o destino lhe trouxer. Diferentemente dos estóicos, os epicureus acreditavam na possibilidade do homem planejar sua vida. A felicidade estaria nos prazeres da vida, entendendo estes não apenas como a satisfação pelos sentidos. Epicuro afirmou que “aquele que não considera o que tem como a riqueza maior, é um infeliz, mesmo que seja dono do mundo”. Por fim, Sêneca afirmava que “felicidade é não necessitar dela”.

Na idade moderna, Rosseau, mesmo não definindo a felicidade, não duvida que todos os seres humanos a buscam. Na sua obra “Emílio”, por exemplo, afirma que a felicidade está para além de nós, sendo melhor nos contentarmos e acomodarmos. Mas arremata: “É necessário ser feliz, caro Emílio: é o fim de todo ser sensível; é o primeiro desejo que nos imprime a natureza e o único que não nos abandona jamais”.

Montesquieu escreveu: “se nos bastasse com ser felizes, logo o conseguiríamos; mas queremos ser mais felizes que os demais, e isso é muito difícil, tanto mais quanto que consideramos àqueles muito mais felizes do que em realidade são”. Para Voltaire “a felicidade nos espera em algum lugar, com a condição de não irmos buscá-la”. Goethe afirma que “somente é feliz e grande aquele que para chegar a ser algo não necessita nem mandar nem obedecer”.

Para Flaubert, a felicidade estava em “ser burro, egoísta e ter boa saúde”, sendo que tudo estaría perdido se nos faltasse a primeira condição. Outro não é o pensamento de Leopardi ao afirmar que “a felicidade está na ignorância da verdade” e de Anatole France ao escrever que “a vida nos ensina que não podemos ser felizes senão ao preço de certa ignorância”. Enfim, como afirmou o filósofo Fernando Savater, “nunca esteve totalmente esclarecido se o segredo da felicidade consiste ou não em ser completamente imbecil”.

Para Hegel, felicidade é a “busca do reconhecimento e aprovação dos outros, do aplauso e do elogio de nossos semelhantes”. Para Saint-Just, revolucionário francês, a felicidade era “um arado, um campo e uma choupana ao abrigo do fisco”. O escritor estadunidense Mark Twain escreveu que “se um homem nasceu com um caráter não dotado para a felicidade, nada lhe pode fazer feliz; se nasceu para ser feliz, nada lhe pode fazer desgraçado”. Para Emerson, “a felicidade consiste em preencher as horas e não deixar um resquício para que penetre o arrependimento ou a a provação”. Lord Byron, por sua vez, disse que “sempre se interpöe algo entre nós e o que creemos nossa felicidade”. Para Nietzsche, “a felicidade do homem tem por nome: Eu quero”.

A religião também nos ensina os caminhos da felicidade. Para santo Agostinho o homem, criado para Deus, somente nele encontraia repouso. São Francisco ensina que a perfeita alegría “é ser vilipendiado, rejeitado, espancado pelos seus, atirado à neve, com fome e frio”. Buda, considerando que a velhice, a dor, a doença e a morte são inevitáveis, afirmou que “o melhor é buscar o nirvana, a extinção, o apagar de todo desejo e da consciência individual”. O jesuíta espanhol Baltasar Gracián, autor de “A Arte da Prudência”, publicado em 1647, escreveu: “A virtude é o elo de todas as perfeiçöes, é o centro da felicidade. Ela torna o homem prudente, discreto, sagaz, sábio, valente, moderado, íntegro, feliz, digno de aplauso, verdadeiro, ou seja, um herói em tudo. Três 'esses' trazem a felicidade: sábio, são e santo”.

O pensador britânico Bertrand Russel, no seu livro “A conquista da felicidade”, afirma que “o homem feliz é o que vive objetivamente, o que é livre em seus afetos e tem amplos interesses, o que se assegura a felicidade por meio destes interessses e afetos que, por sua vez, o convertem a ele em objeto do interesse e o afeto de muitos outros. Que outros te amem é uma causa importante de felicidade”.

Mas, em matéria de felicidade, nada melhor que ouvir a opinião dos poetas. O grande poeta da América, Walt Whitman, louvando o momento presente escreveu: “A felicidade, o conhecimento, não estão noutro lugar, senão neste, não em outro momento, senão neste”.

Por tudo, o momento de ser feliz é agora. Não amanhã, ou depois. Desejo a todos meus heróicos leitores muitas felicidades neste Natal e meus melhores desejos para o ano que se aproxima. Que a felicidade esteja hoje em cada um de nós, com todos os seus sintomas, com todo o desejo de cantar na chuva, de dizer olá pro inimigo e sorrir de todos os nossos medos infantis. E que nossa caminhada na busca da felicidade seja muito bem acompanhada, porque “é impossível ser feliz sozinho”. Quanto a mim, vale os versos do poeta chileno Pablo Neruda, nas “Odes elementales”: “Desta vez me deixa ser feliz. Nada aconteceu a ninguém, não estou em parte alguma, simplesmente sucede que sou feliz pelos quatro costados do coração, andando, dormindo ou escrevendo. O que eu posso fazer, sou feliz”.