domingo, fevereiro 28, 2010

Aniversário de 6 anos do Periscópio


Aniversário de 6 anos do Periscópio

Brasília (DF), 28 de fevereiro de 2010

Antonio de Freitas

Quando começamos o projeto Periscópio, em 2004, eu regressava de uma temporada de mais de quatro anos fora do Brasil. Terminava, assim, uma fase de minha vida, um período de aprendizagem e de conhecimento do mundo. Já era hora de voltar pra casa. Todo recomeço é difícil. Havia uma mescla de saudade, decepção, esperança e medo dos trópicos.

A saudade vem da alma lusitana e nordestina, da mistura racial embalada nas tardes calorentas de redes e mulatas, do apego à cultura familiar e folclórica, da lembrança do Senhor Rocha e suas estórias de caçadas e viagens pelos sertões, do suave português falado no interior do Brasil, entre compotas de frutas e taças de licor de jenipapo. Sem contar a imensidão de outros cheiros e sabores tão presentes em minh’alma.

Decepção pelo fato de que os amigos continuavam cansados e tristes, vivendo as vidas mais horrorosas, cheias de contas pra pagar e nenhum plano juvenil na cabeça, nem muito menos alguma emoção no peito. A província continuava como sempre esteve, distante de tudo, vivendo em outro tempo, longe do nosso século. Perdida entre “sono protocolar”, diria Drummond.

A esperança advinha pelo momento histórico que vivia o Brasil, com seu primeiro governo de esquerda. O mundo inteiro esperava algo mais de nós brasileiros naquele momento. As esquerdas européias, já esgotadas de projetos, esperavam com aflição e cheios de bons augúrios pelo sucesso do governo Lula e das esquerdas na América do Sul.

Por fim, o medo. Medo de voltar, porque apesar de ser o caminho mais curto, a volta sempre nos remete para trás, para o recomeço, para a casa dos pais, pra nosso eterno ponto de partida.

Nestes seis anos de Periscópio, a coluna manteve-se semanal. Ou quase. A princípio, como uma coluna a mais no Portal 45 Graus (WWW.45graus.com.br), da Cyntia e do Júnior, aos quais agradeço de coração pela oportunidade presenteada. Depois, o Periscópio transformou-se num blog, sem, contudo, desvincular-se de sua origem.

Durante todo este tempo, a experiência de escrever um artigo por semana estimulou-me de tal maneira que até perdi o temor de enfrentar o papel em branco (ou a tela, melhor dizendo). Há semanas em que o cronista/contista/articulista está cheio de idéias e novas estórias pra contar. Noutras, o silêncio se assenhoreia de sua alma e do seu coração, e temos de sacar a crônica do próprio estômago, de maneira visceral. As lembranças de vidas vividas, de situações que marcaram a memória, compõem a matéria prima que permeia estas crônicas.

Depois, o tempo foi se esgotando e, ao invés da coluna semanal, a única maneira encontrada para manter o blog foi traduzir um texto semanal. Não é que tenha perdido o interesse por tudo, mas o trabalho e a família cresceram, deixando-me sem o mesmo tempo de antes.

Contudo, a análise dos acontecimentos que mereceram destaque na mídia mundial é dirigida através daquelas lembranças e das lentes atentas do solitário guardião de farol, numa visão de sentinela de trincheira, submerso num dia a dia que jamais sufoca um coração enorme. Daí o nome da coluna, que hoje comemora seis anos: Periscópio.

Força sempre!

segunda-feira, fevereiro 22, 2010

Desconstruir a Miguel Hernández


Desconstruir a Miguel Hernández

JESÚS RUIZ MANTILLA – El País - 20/02/2010

Tradução de Antonio e Freitas Jr.

Joan Manuel Serrat analisa canção por canção ‘Hijo de la luz y de la sombra’, seu novo disco dedicado ao poeta Miguel Hernández -o primeiro foi gravado nos anos setenta -. O álbum, que coincide com a celebração do centenário do escritor, sai à venda no dia 23.

A metade de aperitivo e a outra parte para depois de comer. Não há maneira melhor de digerir as novas canções que Joan Manuel Serrat compôs para Miguel Hernández que de pouquinho, junto a uma garrafa de seu vinho, ‘Mas Perinet’, e enquanto fazemos juntos a digestão de uma gloriosa pasta com trufa: a que preparou o gourmet mais curtido e celebrado por estes mundos da música popular espanhola.

Não há duvida de que Serrat sabe exprimir a vida. E contar seu trabalho a fundo, com a paixão do artesão e a curiosidade do eterno principiante, aos 64 anos. Hernández vai e vem a sua casa com a confiança de um familiar. Agora se comemora seu centenário e Serrat compôs 13 canções para pô-las na boca e na pele de uma nova geração.

Igual a quando, a princípios dos anos setenta, lhe resgatara através de sua voz para nunca mais tirá-lo da consciência dos meninos, hoje quarentões, e dos jovens, agora sessentões, que tinham a noticia através deste cantor da luta, do drama e da esperança do poeta de Orihuela. Aquele pastor de cabras, autodidata, preso republicano, vítima do franquismo, que lançou seus versos renegando de um destino miserável contra o qual lutou com a força de superdotado.

Aquelas primeiras canções que ele mostrou à viúva do poeta, Josefina Manresa, um bom dia em que teve que lhe presentear um toca-discos para poder escutá-las juntos ficou na memória. O repertorio ‘hernandiano’ aumenta agora com estas peças novas, que lançará em disco no próximo dia 23 (‘Hijo de la luz y de la sombra’) e sairá em turnê a partir de 27 de março. Somente dedicará as apresentações ao poeta. "Que ninguém me peça Mediterrâneo porque não irei cantar", avisa. Leva os nervos entre as cordas da guitarra ainda que negue. Fez as malas com pouca roupa e um bom estoque de versos. Sai de viagem, outra vez, com Miguel Hernández. Porém antes conta o porquê de cada canção.

1. Uno de aquellos. É o poema que dedicou aos brigadistas. "Las patrias te llaman con todas sus banderas", diz a letra. "Un alma sin fronteras". Para Joan Manuel Serrat significa o espírito de que não há batalha contra a injustiça, contra o abuso, que nos seja indiferente. "É a canção do poeta sem pátria, do lutador idealista, que se encaixa perfeitamente em muitas situações de hoje", assegura.

2. Del ay al ay por el ay. "Aqui se adivinha um fatalismo, uma sombra visionaria que amedronta", diz o músico. Comenta ao marcar uns versos: "Sucias rachas tumban todos los cometas que levanto". O poema data de 1934, porém é como se indicasse o que vai ocorrer ao longo dos anos que lhe restam de vida antes de morrer abandonado da mão de Deus na prisão de Alicante. A canção tem um tratamento de queixa profunda: "Em nenhum momento tratei de lutar com construções musicais. Tentei que o poema me devolvesse melodias frescas, naturais".

3. Canción del esposo soldado. Aqui soa de repente um bolero antigo. "É algo progressivo", explica Serrat. Uma caixa que marca os passos de uma marcha com ar ‘raveliano’ ou de ‘saeta’ na qual se escuta: "Es preciso matar para seguir viviendo. Un día iré a la sombra de tu pelo lejano".

4. La palmera levantina. Do calafrio precedente, entra com suavidade uma espécie de brisa cálida. Trata-se de uma canção cheia de sensualidade mediterrânica. "Esta é a época juvenil, quando lia a Góngora antes dele escrever ‘Perito en lunas’ (publicado em 1933)", comenta Serrat. "Nesse aspecto, Hernández é um poeta transparente. Pode saber a quem está lendo em cada momento de sua criação".

5. El mundo de los demás. Seguimos imersos na umidade musical. Para esta canção, este autor de mares e céus abertos elegeu um tom, diz ele, "aquático, algo que nos balança". É uma viagem interior. "Cegos de ver, vimos, olhamos para dentro, vemos o mais íntimo". Pertence ao ‘Cancionero y romancero de ausencias’ (1938-1941). "Possui a lucidez de quem sabe que o mundo não é o que parece".

6. Dale que dale. "Esta é a época em que escrevia como San Juan de la Cruz", comenta o autor. "Dale Dios a mi alma hasta perfeccionarla", canta Joan Manuel. Andava impregnado de um catolicismo muito social, à imagem e semelhança dos místicos. Porém o músico, no ritmo massacrante e obsessivo dos versos, entrevê outras coisas: "Um claro onanismo", assegura. Por trás soa leve, discreta, a voz de Miguel Poveda.

7. Cerca del agua. Esta canção é uma viagem. Difícil. Imaginário. O que separa a cela da água. "É impressionante porque da obscuridade se traslada à luz, é uma reafirmação de sua liberdade, quer escapar ao mar", comenta Serrat. "É todo um exercício de resistência e imaginação".

8. El hambre. Os versos deste poema são intensos. "Es el primero de los conocimientos. La ferocidad de nuestros sentimientos", reza o texto. "Não propõe a fome como uma consequência, mas como uma presença que configura sua identidade", assegura Serrat. A do menino e do adolescente que viveu a experiência. O homem que construiu a fome.

9. Tus cartas son un vino. Poema de juventude, da época em que escrevia à sua mulher, Josefina, com o alento do amante distante. "Cuando me falte sangre con zumo de clavel", dizem os versos, por exemplo. É uma peça evocativa, melancólica, apaixonada.

10. Si me matan, bueno. É uma adaptação da obra teatral ‘El Pastor de la muerte’ (1938). "A música leva um perfume cubano por ser uma homenagem a Pablo de la Torriente, brigadista da ilha, muito amigo de Hernández", assegura Serrat. Um tema combativo que realça a coragem daqueles que entregam suas vidas pelo que em aparência não lhes incumbe.

11. Las abarcas desiertas. A identidade da miséria marca também esta peça. "Me vistió la pobreza / me lamió el cuerpo el río. / De pies a cabeza, / pasto fui del rocío". Refere-se a sua infância, mas evocada desde a última juventude. " ’Las abarcas desiertas’ eram aquelas em que os reis magos nunca deixavam nada. Há um ressentimento, um protesto social profundo nestes versos", acredita Joan Manuel Serrat. (Nota do tradutor: “abarca”, segundo o Dicionário da Real Academia de la Lengua Española, 22ª ed., significa “calçado de couro cru que cobre apenas a planta dos pés, amarrado ao redor e seguro com cordas ou correias sobre seu dorso e o tornozelo". Ou seja, uma espécie de alpercata).

12. Sólo quien ama vuela. Uma nova viagem fora dos muros da prisão. A ansiedade que lhe produz o querer e o pode fazer. Somente voando com a imaginação de sua escritura encontra-se livre. "Somente assim pode sair, sentir-se de outra maneira", comenta o músico.

13. Hijo de la luz y de la sombra. Aqui foi necessário fazer um trabalho fino. Trata-se de um poema tríptico do qual Serrat quis captar a essência. "Havia que montar uma canção que transmitisse o aroma", comenta. O do amor radical, desesperado, que fecha como um círculo o que se abriu com o disco de 1972. Uma evocação ao seio onde tudo nasce: "Eres la noche esposa / y yo soy el mediodía... Caudalosa mujer / en tu vientre me entierro". -

‘Hijo de la luz y de la sombra’. Joan Manuel Serrat. Sony / BMG. Sai à venda na próxima terça-feira dia 23. A turnê começará dia 27 de março em Elche (Alicante). http://www.jmserrat.com/.
Audios:

quarta-feira, fevereiro 17, 2010

McCartney sugere uma operação para salvar os estúdios Abbey Road


McCartney sugere uma operação para salvar os estúdios Abbey Road

O ex-beatle assegura que várias pessoas "associadas" estão preparando a manobra

EL PAÍS - Madrid - 17/02/2010

Tradução de Antonio de Freitas Jr.

Paul McCartney conhece bem os estúdios Abbey Road. Ali sua antiga banda, os Beatles, gravaram álbuns iniludíveis como Rubber Soul e Revolver. A noticia,
difundida ontem pelo Financial Times, de que foi posto à venda por parte da gravadora EMI este templo da música pop levou o ex-beatle a se pronunciar a respeito na cadeia britânica BBC. McCartney acredita que algumas pessoas "associadas ao estúdio desde há muito tempo estão tentando salvá-lo".
Não ficou claro se com estas palavras McCartney fez pública uma negociação em andamento ou tão-somente expressou um desejo. Em qualquer caso, o artista assegurou que "simpatiza" com aqueles que levam a cabo dita tentativa. "Espero que possam fazer algo, seria genial".

Segundo o jornal financeiro que ontem adiantou a noticia, a companhia proprietária da EMI, o fundo de investimentos Terra Firma, tenta conseguir uns 136 milhões de euros para cumprir com um dos pagamentos de um empréstimo contraído com o Citigroup no valor de 3,7 bilhões de euros.

EMI sofreu em 2009 perdas de mais de 2 bilhões de euros. Com 115 anos de historia, a gravadora britânica necessita uma urgente injeção de capital para recuperar a liquidez.

quarta-feira, fevereiro 10, 2010

A década que mudou o mundo

A década que mudou o mundo

M. Á. BASTENIER – El País - 10/02/2010

Tradução de Antonio de Freitas Jr.

Os Estados Unidos e a China estão condenados a não se entender. O problema é simplesmente de poder. Os Estados Unidos já iniciaram o regresso de seu destino de maior superpotência do século XX, enquanto que a China inicia sua ascensão.

A ‘National Intelligence Unit’ da CIA publicou em novembro de 2008 o documento ‘Tendências globais para 2025’, que prevê a dissolução em câmara lenta da hegemonia norte-americana. O informe não duvida que, para essa data, Washington continuará sendo em termos de capacidade de destruição a primeira potência do planeta, porém um grupo de países emergentes -Índia, Brasil- ou ressurgentes -Rússia- encabeçados pela China mitigará seu poder de coerção. E em 2010 esse horizonte parece muito mais próximo que em 2008. O PIB chinês, de algo mais que dois trilhões de euros, mais que dobrará na próxima década, ficando abaixo apenas do estadunidense, mas superior ao da África, América Latina e Oriente Médio juntos, segundo o Departamento de Energia dos EUA. O PIB dos Estados Unidos, que em 2005, com 8,5 trilhões de euros, era maior que o de toda Ásia, África e América Latina, será 40% menor que o desses três continentes em 2020.

O comportamento da China já reflete semelhantes augúrios. Se nos Jogos de 2008, Pequim apresentou uma ‘première’ mundial tipo fantasia futurista, foi na conferência do clima em Copenhague, em dezembro passado, onde se mostrou com o grau de displicência que corresponde a uma superpotência. Não somente resistiu a todas as pressões de Washington para que asfixiasse suas emissões de dióxido de carbono, mas permitiu-se despachar a funcionários de nível médio para negociar com a equipe de Obama. Igualmente, umas semanas antes as autoridades chinesas haviam negado ao presidente estadunidense acesso direto aos meios de comunicação nacionais, e o presidente Hu Jintao não cedeu em sua intolerância contra qualquer um que ousasse receber o Dalai Lama, o monge que percorre o mundo para promover a independência / autonomia do Tibete. Obama sabe que a China não vai gostar que ele agasalhe o Dalai Lama em Washington, como também não gostará do arsenal que vai vender a Taiwan, quando Pequim necessita traquilidade absoluta para que funcione seu plano de reintegração da ilha pela via indolor da unificação econômica.

A grande plataforma de desentendimento está formada, contudo, pelo Irã e sua pesquisa de poder nuclear. A China conta com a importação de petróleo iraniano através de gasodutos que cruzam a Ásia central, negando a Washington o poder naval de interdição que possui sobre as rotas marítimas. E exporta gasolina a Teerã, que tem muito petróleo, mas pouca capacidade de refino, em substituição da que era vendida pela Índia e pelo Reino Unido, que reduziram seus envios em razão das sanções da ONU. Pequim já investiu mais de 80 bilhões de euros na indústria energética iraniana, dos quais 5 bilhões são para modernização de refinarias. Se a China não aplicasse as sanções internacionais, estas seriam totalmente irrelevantes. O gasto chinês com armamento já é, sem embargo, o segundo do mundo, com 60.000 milhões de euros, embora ainda muito longe dos quase 450 bilhões dos Estados Unidos em 2008. E, ainda que a médio prazo, interesse a Pequim sanar o tumor de Al Qaeda, que encontra na etnia ‘uigur’ caldo de cultivo para o terrorismo, não vai chorar pelas dificuldades que experimente Washington em suas guerras no Oriente Médio e na Ásia central.

A China tem três grandes objetivos para o século: 1. Manter o poder nas mãos do Partido Comunista, que recebeu, desde o ano 2000, 12 milhões de novos membros para aumentar sua capilaridade entre a população; 2. Preservar um altíssimo crescimento, que legitima à cúpula governante diante da opinião pública e lhe permitiu substituir os Estados Unidos como motor contra a crise, injetando bilhões em sua economia, assim como se converteu em investidor e doador favorito, em particular para América Latina e África. 3. E como corolário de todo o anterior, restabelecer o ‘império do meio’ em sua histórica grandeza.

Notáveis são também as realidades que aconselham ambas as potências a manter o ‘statu quo’: desde 2000 seu comércio bilateral quase quadruplicou. Por tudo isso, este não é o fim dos Estados Unidos, nem um anúncio de guerra, mas o começo de uma nova geometria. As grandes potências nunca jogam na mesma equipe.