quarta-feira, dezembro 08, 2004

O "chakra"de Bhopal

O homem e sua segurança
devem constituir a preocupação fundamental
de toda aventura tecnológica.
Nunca se esqueçam disto
quando estiverem metidos
nos seus planos e equações.

Albert Einstein

Era meia-noite, de 2 de dezembro de 1984, quando um vazamento de gases tóxicos da multinacional estadunidense Union Carbide matou entre dezesseis e trinta mil pessoas, além de ferir mais de quinhentas mil, na cidade de Bhopal, capital do estado de Madhya Pradesh, na Índia. As nuvens brancas da morte despertaram os habitantes de Bhopal para seu pior pesadelo e transformaram aquela localidade outrora denominada “cidade da alegria” numa cidade de funerais. A roda do destino, a “chakra”, havia definitivamente parado em Bhopal.

Vinte anos depois daquela trágica noite de domingo, a contaminação provocada pelo vazamento - cujo principal componente era o MIC (Isocianato de metila), altamente explosivo acima de zero grau centígrado e usado na produção do agrotóxico Sevin - continua arruinando as vidas de milhares de pessoas pobres, vítimas indefesas da ganância e irresponsabilidade da indústria química. É o que se acostumou denominar de “injustiça ambiental”. Filhos de pessoas que inalaram o composto letal tiveram seu crescimento atrofiado. A taxa de aborto na região é sete vezes maior que a média da Índia. Em Bhopal, até hoje o número de pacientes com problemas respiratórios, câncer de pulmão e outras doenças crônicas é maior que em qualquer outra parte daquele país.

A Union Carbide pagou US$ 470 milhões ao governo da Índia em 989, dos quais US$ 330 milhões continuam retidos nos cofres estatais. Estima-se que a batalha judicial contra a empresa lhe obrigaria a pagar US$ 30 bilhões a título de indenização às vítimas, enquanto seu patrimônio era estimado em 1983 sobre os US$ 10,3 bilhões. Os acionistas da empresa também entraram na justiça americana com uma demanda estimada em quase US$ 1 bilhão, pela queda de 29% no valor das ações da multinacional depois do acidente. Todavia seguem esperando por conclusão demandas judiciais nos EUA e na Índia.

As tragédias também trazem seu lado paradoxal. Vinte anos depois do maior acidente químico da história, a BBC entrevistou a um falso porta voz da empresa Dow Chemicals, atual proprietária da Union Carbide, anunciando a responsabilidade da empresa sobre as indenizações, prometendo a criação de um fundo milionário para ressarcimento das vítimas. Tudo não passou de um engano, pois a empresa informou que não possui nenhum empregado com o nome de Jude Finisterra. Nova angústia para as vítimas que esperam há anos por uma indenização que cubra pelo menos com os gastos médicos.

O incidente de Bhopal ocorreu duas semanas depois da morte de quase quinhentas pessoas na localidade mexicana de San Juanico, vítimas de um acidente químico. No início deste mês ao redor de cinco mil pessoas foram retiradas às pressas da cidade chinesa de Qujing, depois de um vazamento de gás natural na região. Entretanto, o maior acidente com gás na China ocorreu em dezembro de 2003, quando várias explosões provocaram grandes nuvens de gás e mataram 243 pessoas na província de Chongqing, no Sudoeste do país.

A Union Carbide abandonou Bhopal há dezesseis anos. Deixou para trás milhares de toneladas de produtos químicos que contaminaram a água da cidade, que apresenta atualmente nível de contaminação quinhentas vezes maior que o máximo recomendado pela Organização Mundial da Saúde – OMS. A empresa se foi. Ficou a desgraça daqueles que nunca tiveram nada, além da esperança. Deviam estar loucos todos aqueles deuses envelhecidos da Índia, deviam estar...