quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Para Rubem Braga, com carinho





Entra, vizinho,
e come do meu pão
e bebe do meu vinho.
Aqui estamos todos a bailar e cantar,
pois descobrimos que a vida é curta
e a lua é bela.

Rubem Braga,
no semanário ‘Comício’,
de 1952.


Todo mundo já teve, ou ainda tem, algum ídolo. Alguém pra admirar, sonhar, ou apenas o desejo secreto de ser aquela pessoa, em algum momento de sua vida ou durante toda a vida.

Meu primeiro ídolo foi o Roberto Carlos. Sim, mas não pensem que foi o RC de hoje em dia, mais sertanejo que qualquer catador de tomates que sonha em cantar numa festa de peão de rodeio. Não, definitivamente desconheço o “Rei” de hoje. Eu me refiro ao RC dos filmes dos anos sessenta, que somente assisti no final dos setenta, na velha e ainda viva “Sessão da Tarde”, na Globo. Ele era incrível. Tinha todas as meninas a seus pés. Era pura magia ver seus filmes, escutar os discos que minha mãe tinha comprado há anos e descer a toda na minha “Monareta” gritando “eu sou terrível”.

Depois, em 1977, morreu Elvis. E assistimos a todos seus filmes na “Sessão da Tarde”. De repente, todos os garotos da minha rua queriam ser Elvis. Ele também tinha todas as meninas na sua. Apesar de, naquela época, eu achar que o nosso Roberto Carlos era bem mais bonito que o Elvis.

Por fim, virei fã do John Wayne. Eu já tinha crescido um pouquinho e aquele símbolo de masculinidade serena, senhor de qualquer situação, tinha mais a ver que a ‘porralouquice’ dos ídolos da infância.

E tive muitos outros ídolos no passar dos anos e começo da adolescência. Chegaram os Beatles, o Led Zeppelin, Jack Kerouac, Getúlio Vargas, Luis Carlos Prestes, e muitos outros que foram tão efêmeros que nem merecem figurar nesta crônica.

Hoje em dia, considero-me parcialmente um adulto. Afinal, estou beirando os quarenta, apesar de tentar manter um coração adolescente no meio de tanta hipocrisia adulta e contas pra pagar. De maneira que já não tenho ídolos, e imagino que tampouco os terá minha geração.

Contudo, um autor que descobri cedo, ainda nos livros de “Comunicação e Expressão” do colégio, consegue manter-me cativado. Esse autor é Rubem Braga. Cada vez que releio algo do Rubem Braga, mais me emociono e mais admiração e respeito aquele camarada consegue obter de mim. Porque não sei se será pela maturidade que insiste em chegar, totalmente contra a minha vontade, ou pela identidade refletida nas suas crônicas, Rubem Braga sempre saca o melhor de mim, e sinto-me reconfortado ao lê-lo, como se fossemos velhos amigos de toda vida, e soubéssemos exatamente de que estamos falando.

Rubem Braga também nasceu em Cachoeiro do Itapemirim, Espírito Santo, como o Roberto Carlos. Só que bem antes dele, em 12 de janeiro de 1913. Viveu em Belo Horizonte, no Rio de Janeiro, em São Paulo, no Recife e em Porto Alegre. Foi correspondente de guerra com a FEB durante a II Guerra Mundial e, por isso, viveu alguns anos na Europa. Ocupou cargos representando o Brasil no Chile e no Marrocos. Contudo, Rubem Braga entrou pra literatura brasileira falando de si mesmo, de sua memória, de seus sentimentos mais profundos através da crônica diária nos jornais. Quase todos seus livros sempre foram coletâneas de suas peças diárias publicadas na imprensa nacional.

Seu texto “A Navegação da Casa” já foi lido por mim milhões de vezes, e não posso ter uma visita regada a vinho aqui em casa que eu não a peça pra lê-lo outra e outra vez. É simplesmente fantástico. E há um trecho desta crônica escrita em abril de 1950, em Paris, que considero pura poesia. Aquele que ele escreve: “Oh! deuses miseráveis da vida,por que nos obrigais ao incessante assassínio de nós mesmos, e a esse interminável desperdício de ternuras?” Confesso que vou às lágrimas só de imaginar aquele velho escritor amigo de farra do Vinicius de Moraes afirmando isso. Esta será um dia considerada uma das melhores frases já escritas em língua portuguesa.

Porém, Rubem Braga escreveu muito mais. Na crônica “Ao Amigos na Praia”, de 1956, que já dei cópia pro Pedro e pero Wellington, se não me falha a memória, há uma frase de verdadeiro significado para aqueles que já tiveram a sorte de ter velhos amigos: “Éramos três velhos amigos e cada um estava tão à vontade junto dos outros que não tínhamos o sentimento de estar juntos, apenas estávamos ali”. Simplesmente divino. Claro e direto como um velho amigo.

Em outra crônica, intitulada “Uma tarde, em Buenos Aires”, também de 1956, Rubem Braga escreveu: “Uma tarde em Buenos Aires eu estava meio triste – mas não bebi, não telefonei, não procurei nenhuma pessoa amiga”. Somente quem já se sentiu “meio triste” e bebeu, e telefonou ou procurou a alguma pessoa amiga poderá entender os verdadeiros versos contidos nessa frase.

Rubem Braga foi-se para nunca mais voltar numa quarta-feira, dia 19 de dezembro de 1990. Dois dias antes, havia reunido seus mais próximos amigos pra jantar na sua cobertura de Ipanema, que na porta tinha uma plaqueta escrita: “Aqui vive um solteiro feliz”. Ele já tinha preparado tudo. Inclusive havia contatado com um crematório de São Paulo para suas exéquias.

Uma vez, o poeta Paulo Lemisnky escreveu que quando tivesse setenta anos iria acabar sua adolescência. Sobre ter ídolos, eu diria que o fim da adolescência ocorre quando você deixa de ser Harry Porter no filme "Cálice de Fogo" ou John Wayne em "Hatari!", e passa a ser você mesmo, em seu próprio filme, chamado vida.

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

E mesmo assim eu espero




It's time the tale were told
Of how you took a child
And you made him old
Reel around the fountain
Slap me on the patio
I'll take it now

Oh ... Fifteen minutes with you
Well, I wouldn't say no
Oh, people said that you were
virtually dead
And they were so wrong

Reel around the fountain,

THE SMITHS,
1984

E mesmo assim eu espero, espero que você me chame no dia do meu aniversario. É muito engraçado, porque afinal eu nem te liguei no teu. Mas não importa, eu continuo esperando tua ligação. A diferença horária é de cinco horas e será quase meia noite agora no Brasil, e eu continuo aqui, às cinco da matina, desperto, esperando tua chamada que eu sei que não chegará.

O dia passou como todo aniversario, com um montão de gente que não tem nada a ver me chamando e dizendo coisas sem sentido, pelo menos para mim. Mas você não chama, você não está nem aí. O pior foi que uma amiga em comum me disse que você está viajando, está na praia com os seus, com sua gente, enquanto que eu passo a noite em claro, esperando uma chamada que certamente nunca virá.
E quanta saudade de ouvir tua voz, de ouvir tua suave voz dizendo as palavras mais bobas, dizendo meu nome como só você sabe pronunciar. As lembranças são como sonhos bons e antigos, que às vezes a gente já não sabe se sonhou ou aconteceu de verdade, alguma vez. Triste é saber que sem querer, que de verdade sem a menor intenção, já começo a te esquecer. Puxa, que mau, eu não quero te esquecer, eu não consigo te esquecer e já começo a não me lembrar bem em que cidade estávamos quando jurei nunca te deixar, que já não tenho certeza qual é nossa música, que já começo a duvidar de nós mesmos.

Talvez você pense que sou o mesmo romântico, louco por amores impossíveis, complicando as coisas simples, sempre fugindo de nós dois, se escondendo de mim mesmo. Mas a verdade é que eu não sei quase nada além de passar a noite do meu aniversario longe de casa esperando tua chamada. Quem sabe se você sabe algo mais???? Quem sabe você sabe um montão de coisa a mais que isso e só por orgulho não me diz nada???? Ou talvez você tem mas dúvidas que eu e lá no fundo já não confia mais em nós????

Bem, as pessoas imaginam o que querem e somente às vezes acertam no que realmente querem. O duro é romper o coração de uma outra pessoa que, por pura emoção se aproximou e ficou cativa do teu coração, de ti. Todos os fantasmas que morreram sozinhos me rodeiam nesta noite tão triste...

Mas a esperança é parada derradeira e meu trem segue cruzando a noite deserta da velha península, chegando por fim ao cais do porto de onde os galeões cruzavam o grande oceano em direção a América. E quantos poetas me acompanham nessa cruzada vazia...

* Escrito na cidade de Valencia, Espanha, em 26 de julho de 2001