domingo, abril 15, 2007

Minha filha Isabela

















A melhor maneira
de ter bons filhos
é fazê-los felizes.


Oscar Wilde



Será a vida um caminho traçado pelo destino, já escrito em todos os seus nuances e curvas ou cada um de nós escreve sua própria estória passo a passo, dia após dia, acertando e errando, sorrindo e chorando? Sinceramente, eu não sei.

Porque parece que às vezes acertamos no alvo no meio da neblina, como também erramos de pura certeza a opção plena, a escolha perfeitamente metodicamente pragmaticamente acertada.

A vida nos ensina a cada dia que certas coisas nos parece, realmente, que nos chegam em estado de pura magia. E eu sempre acreditei na magia das coisas, dos fatos e, principalmente, na magia de algumas pessoas, que entram nas nossas vidas e mudam tudo, como por puro encanto.

No dia dez de março de dois mil e sete, quando eu já tinha 37 anos de vida e muitos equívocos e alguns acertos nas costas, você chegou, numa manhã de sol após uma noite de chuva. E eu sabia que você chegaria neste dia. Mas esta certeza não impediu a magia deste dia, como se a vitória anunciada não impedisse o grito da torcida campeã.

Marinheiro de primeira viagem, eu me resignei ao silêncio das surpresas anunciadas, ao enjôo previsto da viagem, como calouro sabedor do trote que esconde a camisa nova na mochila no meio do mela-mela, eu confiei na boa sorte que sempre me acompanhou em horas como esta e fui, como deveria ser, simplesmente coadjuvante de tua mãe e de ti.

No meu relógio faltavam quinze para as nove horas da manhã quando você surgiu chorando sem necessidade de palmada. Coberta de muco e enrugada, meu amor, você foi colocada num berço sob uma luz forte que aquecia teu corpinho cor de rosa. Fiquei te olhando por infinitos minutos. Com medo toquei meu dedo na tua fronte e senti quão indefesa estavas desnuda e linda no teu choro. E tremi de medo, pois eu sei que este mundo é tão cruel, que neste mundo há tanta injustiça e me senti totalmente responsável por ti, por ter te trazido pra este lado da vida, me senti tão canalha por haver te feito enfrentar tantas batalhas futuras que quase chorei.

Mas você, de repente, calou seu choro. E dormiu. Ou simplesmente sentiu o peso dos pensamentos do teu pai ali a teu lado e decidiu acalmar meu coração, fingindo estar preparada para o futuro que te espera.

Depois pensei em quem você é. Lembrei do meu avô e disse em silêncio: bisneta do Senhor Rocha. E todos aqueles que vieram antes de ti e de mim passaram diante dos meus amendrotados pensamentos, como se você fosse a ponta de um novelo que no seu emaranhado encontramos toda a saga de vidas inteiras de cristãos novos buscando uma vida nova nas terras da América, velhos portugueses cansados da fome e da subserviência aos novos ricos, africanos escravizados cansados de nada serem, índios completamente perdidos diante da violência dos usurpadores de suas casas. Seres humanos, tão-somente, que durante suas existências buscaram a felicidade.

E, neste momento, lembrei que você apenas lutava pra se adaptar ao novo ambiente, completamente diferente à segurança da barriga da tua mãe. Indiferente a todo o calhamaço de idéias e idiotices que teu pai, tolamente, imaginava.

Então, você agarrou meu indicador, enquanto na minha doce fantasia vislumbrava um sorriso da tua boca linda. Simplesmente o planeta Terra deu uma paradinha imperceptível de alguns segundos, nada registrado pela ciência, simplesmente pra dizer a Deus: Obrigado, pai, muito obrigado.