quarta-feira, março 23, 2005

O Mago e o mundo


Despúes reflexione
que todas las cosas
le suceden a uno precisamente,
precisamente ahora.
Siglos de siglos
y sólo en el presente
ocurren los hechos;

Jorge Luis Borges,
em "El jardín de senderos que se bifurcan",
publicado em Ficciones, 1944.



Paulo Coelho conquistou o mundo. E conquistou por fim o Brasil, ao que parece. Quase todas as revistas semanais estamparam a foto do mago em suas capas esta semana, numa fantástica manobra de marketing para anunciar o lançamento do seu novo livro, O Zahir, primeira obra em língua portuguesa lançada mundialmente, que terá 8 milhões de cópias distribuídas por 83 países. Se os portugueses têm a Saramago e seu Nobel, nós temos a Paulo Coelho e a consagração mundial. Juntos, são dois escritores da língua de Camões pelo mundo globalizado, quer queiram ou não.


Paulo Coelho já vendeu 65 milhões de livros pelo mundo. Destes, 8 milhões só no Brasil. Teve sua obra lançada em 150 países e traduzido em 56 idiomas. Somente O Alquimista, lançado em 1988, já vendeu 11 milhões de exemplares. Ultrapassou, há muito, o espaço de escritor e se transformou numa verdadeira celebridade internacional. Somente pra se ter uma idéia, antes dele, apenas Jorge Amado vendeu tanto e divulgou o Brasil pelo mundo. Jorge Amado vendeu mundialmente 40 milhões de livros, sendo 20 milhões apenas no Brasil. Sua obra foi lançada em 55 países e traduzido em 49 idiomas.


Paulo Coelho sempre foi esnobado pela crítica literária brasileira, que criou uma polêmica ridícula sobre se sua obra é ficção ou auto-ajuda. Nem mesmo sua eleição para a cadeira 21 da Academia Brasileira de Letras - ABL em julho de 2002 ajudou-o a ser respeitado como um verdadeiro literato. Sua resposta aos críticos sempre foi o silêncio. Com uma elegância admirável, Paulo Coelho jamais ofendeu a qualquer um dos seus críticos, ou melhor, seus agressores. Agora, depois de anos de silêncio como resposta, afirmou que a crítica detesta o sucesso. Acredito que o desprezo da crítica especializada com a obra de Paulo Coelho é fruto do esoterismo que o rodeava e os poderes de “mago” atribuídos ao escritor. Nada tem a ver com sua literatura, pois a maioria - dos seus detratadores – afirma tão somente que não leu e não gostou. De qualquer forma, mesmo desdenhado pela crítica, Paulo Coelho continua sendo um dos autores mais lidos no mundo, continua a ser um tremendo sucesso.


Em seus livros, Paulo Coelho utiliza frases de outros escritores, filósofos e profetas. A famosa afirmação lida no Alquimista de que “todo o universo está contido num grão de areia”, é uma citação atribuída ao poeta britânico William Blake. Mas tal acusação de que o autor utiliza pensamentos e frases de outros autores não simplifica a questão, e muito menos justifica a acusação de produzir uma literatura menor. Afinal de contas, o Quixote é uma sátira às novelas de cavalarias, e nem por isso Miguel de Cervantes Saavedra é desprezado pela crítica. O próprio Jose Luis Borges utilizou vários autores e estórias na construção de sua obra, uma das maiores da literatura universal. Na atualidade, Dan Brown baseou-se em diversas idéias e estórias de outros autores, lendas e textos apócrifos para escrever seu O Código Da Vinci, best seller mundial que já vendeu dez milhões de exemplares.


Pessoalmente, lembro que por volta de 1985, minha mãe chegou em casa com um calendário da Seicho-No-Ie, onde li uma frase que muito me marcou naquela época, que mais ou menos afirmava o apoio conspirador do universo aos nossos desejos. Anos depois, reencontrei a frase lida na infância, desta vez num artigo de revista sobre O Alquimista, lançado em 1988, onde estava escrito: “Quando você quer uma coisa, o universo inteiro conspira a seu favor”. Ademais, no capítulo um do seu novo livro, Paulo Coelho escreve na página 30 que “Alguém quando parte é porque outro alguém vai chegar-”, que me fez lembrar imediatamente de uma música da Rita Lee, dos anos 70, creio que se chama “Pra que sofrer”, onde se ouve a mesmíssima frase contida no novo livro. Tudo isso não significa demérito para Paulo Coelho, pois estes dois exemplos são limitados pelos meus conhecimentos e minha idade, de maneira que outra pessoa com maior horizonte cultural e etário pode muito bem afirmar que as frases acima foram citadas originalmente em outras obras. De maneira que o conhecimento e as idéias atravessam o tempo e cruzam o planeta, principalmente quando são simples e verdadeiras.


Enfim, ao escritor compete a tarefa de reescrever a realidade e, porque não, a lenda. Sua liberdade criativa não deve explicações a ninguém, nem mesmo àqueles que lhes explicam nas faculdades de letras. Somos o produto de tudo que lemos, ouvimos e vivemos. Todas as idéias e estórias circulam a espera de que um contador de estórias as entenda e as transmita. Paulo Coelho, com seus livros, nos ensina a sermos simples e acreditar nos nossos sonhos. Romances são apenas estórias. A diferença, que resulta no sucesso mundial, está na maneira de contá-las. O resto é magia, coisa de mago.

sexta-feira, março 11, 2005

Enquanto o tempo passa





Vem, meu amor,
é hora de acordar
Tenho anis
Tenho hortelã
Tenho um cesto de flores
Eu tenho uma canção
Vivo feliz, tenho amor
Eu tenho um desejo e um coração
Tenho coragem e sei quem eu sou
Eu tenho um segredo e uma oração.

"Soul Parsifal"
Renato Russo e Marisa Monte



É incrível como continuo gostando de canções de mais de dez anos atrás. E o mais incrível ainda é que eu continuo lembrando das mesmas situações e pessoas de mais de dez anos atrás. Não é saudosismo não, é apenas comprovar que o que eu pensava há dez anos atrás sobre um monte de coisas, eu continuo pensando o mesmo, depois de todos esses anos. Ainda acredito no amor verdadeiro, na paixão, no fogo que arde na cama entre duas pessoas que se querem. Ainda acredito em grandes beijos de amor, nas lágrimas das despedidas em aeroportos vazios e em recomeços esperançosos depois de anos de saudades escondidas. Enfim, ainda acredito em amizade sincera, no poder do abraço mudo e em melosas canções de amor.

Talvez seja porque eu já tenha vivido em tantas cidades, que muitas vezes simplesmente não sei onde estou na maioria dos meus sonhos. Confesso que já estive em lugares que não sei onde ficam. Principalmente quando tento recordar do distante ano de 1983, quando briguei com o meu pai pela guitarra elétrica que me tornaria um astro do rock nacional e decidi apenas ser mais um escritor da minha geração, mesmo sozinho com meu coração no meio do sertão. Completamente perdido entre Teresina, Manchester, Liverpool e as provas bimestrais. Dando aulas de violão, pro meu melhor amigo, pra pagar os meus discos ou tentando conseguir clorofórmio pra fazer loló, eu vivi todas as dúvidas da adolescência. Até parece que foi ontem o Setembro Rock, a Feirinha e o Cine Royal. A mamãe me ajudando a roubar o carro do meu pai nas noites de domingo são lembranças difíceis de esquecer.

Mas a verdade é que estas lembranças já passaram há tanto tempo que são apenas lembranças. Enquanto o tempo passa, as lembranças começam a desaparecer. É sempre muito complicado admitir que o tempo passa, numa velocidade que você nunca pode imaginar quando se tem dezesseis anos, e todas as tuas preocupações se resumem a conseguir uma cena romântica com uma menina que nem sabe que você existiu. Enfim, é bom comprovar que ainda gosto dessas velhas canções de mais de dez anos, remasterizadas e cheias de boas lembranças bobas. Mas, o melhor de tudo é saber que ainda acredito em tudo aquilo que embalou minhas madrugadas insones cheias de desejos eróticos e medo de receber boletins do colégio dos padres. Difícil é encontrar alguém pra conversar e dividir todas estas lembranças empoeiradas, principalmente agora que estou com trinta e cinco e que no próximo julho completo trinta e seis. Talvez seja somente mais uma noite de insônia que me faz parecer tão nostálgico e sentimental, talvez seja apenas essa música antiga e a falta que me faz minha mulher que dorme no quarto ao lado.

Mas a verdade é que olho pro presente e vejo todos os desafios que me propus, todas as batalhas que preparei durante anos a fio e sinto o aço da espada imperial que combateu na Guerra do Paraguai do meu bisavô nas minhas mãos, ainda pronta pro combate. Meus inimigos já estão em seus postos de guerra, fortes e cheios de empáfia, enquanto um tênue sorriso confiante se desfia entre meus lábios eu olho pro campo aberto, verde, da honra e da glória. Minha sorte está selada. A vitória é uma doce mulher com as mãos repletas de ouro e o coração cheio de paz. De repente se abre o amanhecer e, calmamente, caminho pro meu destino. Serão as próximas manhãs de glória e sentimentos alegres? Só o tempo poderá dizer, só o tempo poderá dizer
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