terça-feira, janeiro 17, 2006

Amores impossíveis



Prefácio de
um livro nunca escrito,
mas já imaginado,
sonhado, discutido,
borrado e reescrito
durante anos.
“Amores impossíveis” é uma série de contos, estórias de romances de estação, amores de verão, recordações que escutei conversando com pessoas mais velhas, que já tinham vivido e errado muito. Traduzem sentimentos há muito escondidos, mas nunca esquecidos. São fragmentos de vidas humanas que jamais foram revelados e que se perderiam para sempre, caso não fossem escritas e talvez lidas por alguém. Certamente alguns terão vivido casos semelhantes e se identificarão. Outros, tendo vivido uma vida sem grandes aventuras e paixões, apenas sorrirão. Mas, a grande maioria ficará calada. E lá no fundo de suas almas, naquele lugarzinho que somente nós mesmos percorremos, guardará silêncio eterno sobre suas verdadeiras estórias de amor impossível.

O tempo é senhor, o tempo a tudo cura, dizem os sábios. Entretanto, esta série de contos comprova que alguns de nós carregamos sentimentos que o tempo não foi capaz de curar, se é que existe cura para o amor. A solidão, mesmo acompanhada, ou como disse o poeta, “solidão a dois”, ainda é a tônica dos nossos tempos, principalmente neste começo de século XXI, onde as incertezas e o medo prevalecem sobre quase tudo, e o amor não seria exceção. Vivemos a Era do Medo, nas palavras dos especialistas em decifrar catástrofes reais. Então, pra que falar de amor?

Mas que podemos fazer além de amar e amar, de amar e esquecer, de amar e esperar ser amado? Nós, pobres criaturas, afirmou outro poeta, que podemos desejar além do amor?
E desejamos muitas coisas. Queremos morar bem, vestir-nos bem, possuir o melhor carro, pagar aos filhos a melhor educação, comermos bem, enfim, viver a melhor vida que o dinheiro puder comprar. Mesmo se o preço para a melhor vida seja o sacrifício de nossos sonhos, de nossos desejos, de nossa própria essência. O preço que pagamos não nos deixa enganar, basta verificar o que se gasta em drogas pra dormir e em consumo de coisas totalmente supérfluas, que na verdade não durarão até o próximo lançamento da moda primavera/verão.

Tenho um amigo que coleciona aparelhos celulares velhos. Até aí nada demais. Todos nós temos nossas manias e hobbies, e o Caetano já disse que de perto ninguém é normal. Acontece que sua coleção de aparelhos celulares velhos é sua maneira de esquecer que uma vez amou e sua estória de amor não acabou bem. Ele coleciona objetos jogados no lixo pra esquecer que um dia também ele jogou algo, que pensava estar ultrapassado, no lixo. Esse algo foi seu amor. Um amor tão profundo e desinteressado que somente alguém como ele, que coleciona quinquilharias, poderia dar.

Nada pode ser eterno, a não ser que seja eterno enquanto dure, cantou Vinícius, um homem que foi chamado de o poeta da paixão, pois seus incontáveis casos já não são considerados casos de amor, mas casos de paixão, tal o grau de imperatividade amorosa do poeta. Mas não devemos julgar a todos os poetas apenas por Vinícius de Moraes, pois o grande poeta chileno Pablo Neruda, que ninguém pode dizer que amou menos que Vinícius, era um homem que defendia o matrimônio e a fidelidade até as últimas conseqüências, e jamais pode entender àqueles seus amigos que viviam em total e extravagante solteirice. Neruda era o homem que nunca soube viver só. Tal qual meu amigo Rafa, o casamento lhe era algo tão necessário como respirar ou tomar uma dose de JB.

Enfim, o difícil deste prefácio é como o difícil de escrever sobre sentimentos de outras pessoas, porque jamais saberemos o que realmente pensaram ou sentiram quando afirmam que pensaram ou sentiram algo. Sempre nos restará a dúvida sobre suas reais intenções e sobre seus sentimentos. Mas não é assim que somos? Nunca entregamos aos demais nossa identidade real ou nossos verdadeiros sentimentos? Ou será que alguns de nós conseguem realmente amar e calar, amar e esquecer, amar e guardar, amar e calar? Será que existe vida em preto e branco ou apenas podemos sobreviver nesta cor?

Vamos a nossas estórias de amores impossíveis.

segunda-feira, janeiro 02, 2006

A livraria dos meus sonhos


"(...)
declaran los infieles que si ardiera,
ardería la historia. Se equivocan.
Las vigilias humanas engendraronlos
infinitos libros. Si de todos
no quedara uno solo, volverían
a engendrar cada hoja y cada línea,
cada trabajo y cada amor de Hércules,
cada lección de cada manuscrito (...)

Jorge Luis Borges,
Alejandría, 641 A. D.",
em Historia de la noche,
1977.
Sempre que a vida prega-me alguma peça e vejo-me meio assustado, com medo do futuro, penso em minha livraria. Sim, eu tenho uma livraria. Uma livraria que carrego dentro de mim, talvez minha loucura definitiva, como diria minha mãe, um sonho de abrir uma livraria numa imensa terra de analfabetos.

Mas minha livraria, como todo sonho, é feita de livros e momentos, de pessoas e sentimentos, de poesias e contos, de cafés e conhaques, de alegrias e de algumas lágrimas. Ela vive dentro de mim e sempre que me sinto triste, retiro-me à minha livraria e sinto o odor de madeira e papel que vem de suas estantes. Vejo o belo sofá branco convidando os visitantes ao conforto de seu colo e a cafeteira fumegante a espalhar no ar o cheiro forte e quente de café, aliado incondicional de um cigarro.

As livrarias resistem, apesar de este ano, meu bom amigo Gaspar haver fechado sua “Punto y Coma”, uma das melhores livrarias da Espanha. Passei infinitas horas a ‘buquinar’ naquela livraria e a conversar com Gaspar. Aprendi muito naquelas tardes de solidão e melancolia durante a tese em que eu buscava refugio entre as estantes de madeira e o cheiro de papel novo da “Punto y Coma”. Recordo da eterna promessa de Gaspar, jamais cumprida, de levar-me a Denia para comermos um arroz negro. Lembro sua jocosa proposta de deixar a livraria aberta durante a noite, para que eu pudesse entrar sorrateiramente a surrupiar meus livros favoritos, tudo para criar a inacreditável manchete dos jornais da manhã seguinte: Livraria assaltada. Tudo isso pra demonstrar sua teoria de que ninguém rouba uma livraria, pelo menos seus livros.

E existem as livrarias irreais, as verdadeiras e mágicas livrarias, como aquela que entrei no Quartier Latin, em Paris. Era uma velha livraria, daquelas que vendem mais livros velhos que novos. E possuía um dono de cabeleira branca e suspensórios, a ler o jornal com uma enorme lente de aumento. Aquele lugar, com seu ambiente noir, parecia saído do passado. Quando regressei a Espanha, ainda era verão e fui pro meu balcão favorito, o do Café das Letras. Para minha surpresa, Dani, o proprietário, havia pedido duas cópias de um cartaz de um concurso fotográfico promovido pela Universidade de Salamanca, ilustrado exatamente pelo retrato da minha livraria francesa!!! O nome da foto era “O Livreiro Egípcio”. Mas eu insisto, até hoje, que aquela livraria está em Paris.

Muitas outras livrarias passaram por minha vida, como a Leonel Franca, naquela Teresina do começo dos anos 80, a Livro 7, no Recife do meu início de curso de Direito, e a livraria da Moema, que acho que se chamava Papirus, em São Luís. Todas tiveram seu momento mágico e hipnotizaram aquele menino que um dia queria capturar toda a cultura.

Hoje, os grandes centros comerciais estão matando as livrarias, com seus “best sellers” vendidos em estantes aos quilos, como qualquer produto de limpeza, cheios de descontos promocionais. Tudo pra quebrar a livraria, a verdadeira livraria, aquela onde os atendentes são alfabetizados e conseguem até dá uma opinião razoável sobre a obra que despertou teu interesse.

Eu, por minha vez, freqüento hoje em dia duas livrarias enormes: a Livraria Cultura e a Fnac, ambas em Brasília. Passo horas naqueles lugares sagrados, principalmente em minhas tardes de domingos, mas.... não compro nada. E não o faço pela simples razão de que eles, por serem grandes livrarias, não precisam de minhas moedas para sobreviver. De maneira que eu desfruto de minha visita, analiso os lançamentos, rememoro as velhas edições, namoro as obras clássicas e não compro absolutamente nada. Devo ser o desgosto de todas as atendentes. Prefiro ir a uma pequena livraria café chamada Rayuela, na 413, que significa “Jogo da Amarelinha” em português, como no titulo da imortal obra de Julio Cortaza, para tranqüilamente comprar-me algo.

Então, como agora, enquanto todos estão sorrindo e festejando o Ano Novo, eu caminho lentamente para a livraria dos meus sonhos, a livraria que carrego dentro de mim. Elejo algo que me dará um imenso prazer de ler, sento na poltrona de couro marrom, minha caneca de café a mão, um Parliament acesso no cinzeiro. Começo a leitura entre aromas de velhas prateleiras e papel. Papel vivo, cheio de estórias, sabedoria, informação, diversão e companhia. Papel cheio de vida.