terça-feira, novembro 30, 2004

A raposa e a rainha



Que a Inglaterra é um país repleto de tradições e excentricidades todo mundo está cansado de saber. A pompa e fleuma britânica despertam o desprezo e a inveja de muitos. Algumas tradições inglesas, como a caça à raposa com cães, existem a mais de trezentos anos. A Rainha da Inglaterra caça e esta prática se estende por toda a família real britânica.

Por tudo isso, a Inglaterra vive nos últimos meses um debate incompreensível para o restante do planeta, imerso em questões bem mais terrenas como a subida do preço do petróleo, a guerra do Iraque e a reeleição do Presidente Bush. O debate sobre a entrada em vigor em fevereiro de 2005 de uma lei proposta pelo Partido Trabalhista, do primeiro-ministro Tony Blair, proibindo definitivamente a caça à raposa com cães, além de outros animais silvestres. Blair trava uma cruzada pelo politicamente correto em matéria de defesa dos animais, tendo recentemente chegado ao absurdo de inaugurar, no centro de Londres, um monumento aos animais mortos em guerras.

A polêmica sobre a caça à raposa com cães possui diversos matizes, desde cada posição ocupada pelos interessados. As primeiras tentativas de proibição da caça à raposa são de 1949 e nos anos setenta a discussão girava em torno da utilidade da caça para controlar a espécie, argumento abandonado depois que pesquisas comprovaram sua pouca solidez. Foi quando os defensores da caça passaram a considerar a importância econômica da mesma. Segundo estes, entre seis e oito mil pessoas trabalham diretamente na caça de raposas com cães.

Atualmente, o debate se encontra no campo das liberdades civis e na solução da questão: é ou não um assunto do Estado interferir numa pratica social e cultural de uma minoria da população?

Vale ressaltar que o principal argumento dos defensores da proibição de caçar raposas é que o uso dos cães causa um sofrimento sem sentido, sendo melhor matá-las a tiros que a dentadas. Assim, a proibição desta forma de caça à raposa, ou seja, com cães, não implica na proibição total de caça deste animal, que não corre risco de extinção na Inglaterra.

A “Aliança Camponesa”, um poderoso lobby de caçadores, considera que por trás do problema está um verdadeiro enfrentamento entre o campo e a cidade, no qual a maioria urbana ofende a uma minoria rural incompreendida. De acordo com esta associação, existe um movimento de desobediência civil a caminho, pois mais de cinqüenta mil pessoas já firmaram uma declaração de que desobedecerão a lei.

Para o Professor Neil Ward, da Universidade de Newcastle, especialista em conflito e mudança social na sociedade rural, "o enfrentamento político em torno a caça é na realidade um choque entre as idéias sobre a sociedade moderna e a sociedade tradicional que se acentuou com a chegada dos trabalhistas ao poder em 1997”. Assim, de acordo com este posicionamento, os políticos de direita, ou “tories”, possuem o interesse de conservar o passado, principalmente conservar os aspectos tradicionais da identidade nacional e rural inglesa, enquanto que os trabalhistas são mais identificados com a modernização e com a reforma das instituições tradicionais.

Outros argumentam que tudo não passa de uma maneira de acabar com “o deleite da classe alta”, pois historicamente a caça à raposa esta associada a classe alta latifundiária. No que discorda o Professor Garry Marvin, antropólogo e sociólogo da Universidade de Roehampton, que estuda a caça à raposa há dez anos. Para ele, não existem evidências de que apenas os ricos caçam e que os motivos para a prática da caça vão desde a tradição, o amor à paisagem, o contato com os cavalos até uma relação emocional profunda com o campo. E conclui: “A caça à raposa não tem nada que ver com o prazer de matar raposas. Isso seria como afirmar que os espanhóis vão às touradas pelo prazer de ver matar o touro. Isso, em absoluto, não é o caso. Os touros morrem nas touradas, as raposas morrem na caçada, mas é a maneira na qual se relacionam o toureiro com o touro e os caçadores com as raposas o que faz a singularidade destes acontecimentos”.

Para muitos, este debate será apenas mais uma excentricidade britânica, um povo que já possuiu um império fantástico que civilizou povos e destruiu culturas. Para outros, será tão somente a eterna disputa entre a cidade e o campo, a modernidade e a tradição, entre o novo que luta pra nascer e o velho que teima em não desaparecer.

sexta-feira, novembro 12, 2004

Oriente Médio II















A primeira Antifada – manifestações de jovens palestinos nos territórios ocupados por Israel onde estes enfrentavam os tanques israelenses com pedras – dá início em dezembro de 1987. Mais de vinte mil pessoas entre mortos e feridos. Era o início da “rebelião das pedras”.

Em 16 de abril de 1988, Israel assassina o numero dois da hierarquia da OLP em Tunis, na Tunísia. Em 15 de novembro de 1988 nasce a Autoridade Nacional Palestina – ANP, tendo por Presidente Yasser Arafat.

Terminada a Guerra do Golfo, em outubro de 1991, inicia sob os auspícios estadunidenses a Conferência de Madri, com representantes de Israel, Palestina, Síria, Jordânia e Líbano.

Em 13 de setembro de 1993, Isac Rabin e Arafat firmam os Acordos de Oslo na Casa Branca, onde Israel reconhece a Organização para Libertação da Palestina - OLP como representante da causa palestina, dando alguma autonomia à Autoridade Nacional Palestina – ANP, e os palestinos renunciam a direitos sobre territórios. Dando cumprimento aos Acordos de Oslo, Israel e a OLP se reúnem na Conferencia do Cairo, em maio de 1994, para agendar a retirada militar de 60% do território de Gaza e conceder autonomia palestina em Jericó.

Em 1º de julho de 1994, Arafat retorna a Gaza e assume como Presidente da Autoridade Nacional Palestina – ANP, tendo por capital a cidade de Jericó.

Israel firma a Paz com a Jordânia em outubro de 1994, pondo fim a uma guerra que durara 46 anos.

Em setembro de 1995, Isac Rabin e Arafat firmam a ampliação da autonomia palestina em Gaza e Cisjordânia, bem como a realização das primeiras eleições palestinas, vencidas por Arafat em abril de 1996. No dia 4 de novembro de 1995, o primeiro-Ministro israelense Isac Rabin é assassinado por um judeu ultra-ortodoxo, sendo sucedido por Shimon Peres.

Assume como Primeiro-Ministro israelense Bejamin Netanyahu, de direitas, em 31 de maio de 1996. Em deu mandato – de pouco menos de três anos - Israel entrega aos palestinos 80% da cidade de Hebrón (janeiro de 1997), mas completa o cerco do setor ocupado de Jerusalém com mais um assentamento judeu, o de “Har Homa”. Em outubro de 1998, se firma o Acordo de Wye, pelo qual Israel pactuou a retirada de suas tropas de 12% do território da Cisjordânia e a libertação de 350 presos palestinos, desde que a luta armada ficasse suspensa.

Em 6 de fevereiro de 1999 morre o Rei Hussein da Jordânia, um dos maiores promotores da paz entre israelenses e palestinos.

Em 17 de maio de 1999, Ehnud Barak, de esquerda, vence as eleições israelenses. Em setembro de 1999, Arafat e Barak firmam a revisão do Acordo de Wye, mas não conseguem avançar no processo de paz por desacordos sobre a devolução dos territórios ocupados por Israel.

No ano 2000, Israel se retira do sul Líbano depois de 22 anos de ocupação. Em julho, fracassa a Conferencia de Camp David, convocada por Clinton para discutir a soberania da cidade de Jerusalém.

Sem embargo, em 28 de setembro de 2000 começa a Segunda Intifada, no dia em que Ariel Sharon, líder do direitista partido Likud, aparece de surpresa na Esplanada das Mesquitas, local sagrado muçulmano. A violência da resposta israelense à Segunda Intifada foi condenada por uma Resolução da ONU. Em dezembro, dia 9, Barak deixa o poder.

O ano de 2001 começa com a abertura das negociações no balneário egípcio de Taba, sobre uma proposta de paz dos EUA. Entretanto, vitória de Ariel Sharon e sua subida ao poder em fevereiro de 2001 acaba de vez com as negociações de paz. A violência retorna com o assassinato do ministro israelense de turismo, com uma nova onda de atentados palestinos e com o bombardeio de Gaza e Cisjordânia.

Em 2002 o exército israelense dá início ao processo de confinação de Arafat no seu quartel-general em Maugata. Sharon segue com sua política violenta dando início, em 16 de julho, a construção do muro de separação entre Israel e a Cisjordânia. A ONU, através da Resolução nº 1.397, apóia a criação do Estado palestino.

O muro israelense na Cisjordânia já possui 200 quilômetros de cimento armado, sendo seu total previsto de 650 quilômetros de extensão. Ele recluirá aos palestinos habitantes da Cisjordânia na metade de seu território, destacadamente nas zonas urbanas. Na sua primeira fase de construção, já deixou a mais de vinte mil palestinos sem meios econômicos de sobrevivência, além de destruir milhares de hectares de terras e de poços de água na região.

Em 28 de janeiro de 2003 Sharon é reeleito Primeiro-Ministro de Israel e em abril é apresentado um novo plano de paz, que planejava a criação do estado palestino para o fim de 2005. Em março de 2003, Abu Mazen é nomeado Primeiro-Ministro da Autoridade Nacional Palestina – ANP, e participa da Conferencia de Agaba, na Jordânia, junto a Sharon e a Bush. Nessa conferencia, os israelenses aceitam a criação do estado palestino e a levantar os assentamentos judeus ilegais. Infelizmente, o reinício da violência em agosto, por parte dos extremistas palestinos de Hamás e Yihad forçam a demissão de Abu Mazen em setembro, sendo nomeado para sucedê-lo Abu Ala.


Em 2004 os israelenses assassinam ao líder espiritual palestino xeque Yasin e ao seu sucessor Abdelaziz Rantisi, um mês depois. Sharon apresenta a Bush, em abril, seu “Plano de Desconexão”, propondo evacuar a 17 dos 21 assentamentos judeus ilegais na Faixa de Gaza e retirada das tropas israelenses da Cisjordânia até um limite considerado de segurança. Entretanto, seu próprio partido, Likud, rejeita seu palmo por quase 60% de maioria. Em 9 de julho, o Tribunal de Haia julga ilegal o Muro da Cisjordânia. Por fim, Arafat morre em 11 de novembro.

Oriente Médio I





















Até o final da I Guerra Mundial, a Palestina era, tão somente, mais uma província do Império Turco Otomano, quando então passou para mãos britânicas, sob Mandato da Sociedades das Nações, que controlou a região de 1921 a 1948.

Com a saída dos britânicos, em 13 de maio de 1948, a ONU, substituta da Sociedade das Nações, recebe o comando da situação. O problema naquele momento era o conflito entre os judeus – que chegavam aos milhares à região, na esperança de criação de um “lar nacional” – e os nativos da região – árabes palestinos. Entretanto, as primeiras medidas facilitadoras para uma volta em massa de judeus para Palestina ocorreu ainda no Século XVII, quando o protestante Oliver Crommwell era mandatário da Inglaterra. O motivo era a crença de que somente após o regresso dos judeus a Palestina, retornaria o Messias.

Desde então já ocorreram cinco guerras (1948, 1956, 1967, 1973 e 1982) e duas Intifadas (1987 e 2000). As tentativas de paz foram inúmeras, e algumas quase lograram êxito. A primeira foi com a aprovação pela Assembléia das Nações Unidas – ONU da resolução de 29 de novembro de 1947. Nesta resolução se decidiu a criação de dois estados e uma zona internacional, a cidade de Jerusalém, fixando fronteiras e definindo os direitos das minorias em cada estado.

O Oriente Médio continua sendo o “ponto mais quente” do mundo, ou seja, a região onde a manutenção de um processo de paz duradouro vem se tornando quase impossível. E para melhor entender a questão árabe-israelense é necessário conhecer as origens e a evolução do conflito.

Os israelenses a 14 de maio de 1948 proclamam o Estado de Israel. Naquele tempo, a principal liderança israelense era Ben Gurion, um ex-terrorista fundador do Estado judeu. Os países árabes vizinhos imediatamente declaram guerra ao novo estado, o que resultou na primeira guerra árabe-israelense, que vai durar mais de um ano, provocando a saída de oitocentos mil de palestinos da região e a morte de seis mil judeus.

Hoje, os refugiados palestinos já somam seis milhões de pessoas, sendo que um de cada três refugiados no mundo é palestino. Nunca receberam a cidadania dos países que os acolheram e nem receberam indenização pelo confisco de suas terras e bens pelo Estado de Israel.

A nacionalização do Canal de Suez pelo Egito em julho de 1956, então presidido por Gamal Nasser, apenas serviu para pôr mais lenha na fogueira. A resposta não tardou e Israel, apoiado militarmente por França e a Grã-Bretanha, invade a região do Sinai, mas é forçado a retirar-se pela pressão dos EUA e da ex-URSS, as novas superpotências, e da ONU. Aqueles países europeus ainda não entendiam que tinham perdido o status de potencia internacional depois da II Guerra Mundial. O mundo da Guerra Fria possuía novos amos.

A Organização para a Libertação da Palestina – OLP é criada oficialmente em 27 de maio de 1964, na cidade de Jerusalém. Apenas em novembro de 1974 seria a OLP reconhecida pela ONU como legítima representante do povo palestino.

Em 5 de junho de 1967 começa “Guerra dos Seis Dias”, quando Israel recaça uma ataque do Egito, Síria e Jordânia, capturando em seu avanço os Altos do Golan, a península do Sinai, a Faixa de Gaza, a Cisjordânia e boa parte da cidade de Jerusalém. Nos Altos do Golán nasce o rio Jordão, que banham todo seu vale sob domínio israelense, daí sua importância econômica e estratégica. Nesta guerra, curiosamente, o grande general israelense Moshe Dayán se opôs a ocupar militarmente o setor árabe de Jerusalém, temendo a destruição dos lugares santos.

Em setembro de 1970, o Rei Hussen de Jordânia expulsa os palestinos de seu país, que já havia sido invadido diversas vezes por Israel. Hussen considerou os palestinos como um fator de desestabilização política, e estes foram para o Líbano, provocando em 1974 uma guerra civil naquele país.

A “Guerra do Yom Kipur” começa em outubro de 1973, quando o Egito, presidido por Anuar el-Sadat, e a Síria atacam Israel, recuperando os Altos do Golan. A intervenção pessoal do Presidente dos EUA, Jimmy Carter, faz com que os estados árabes parem seu vitorioso avanço sobre Israel, que em poucas horas de guerra havia perdido a mais de 300 tanques.

Na Olimpíada de Munique, na Alemanha, em 5 de setembro de 1972, um grupo terrorista palestino assassina a 11 atletas israelenses.

A “Guerra do Líbano” se inicia em abril de 1975 com o ataque israelense sobre esse país que jamais participou das guerras anteriores contra Israel, alegando que desta maneira expulsariam os palestinos alí sediados.

Os “Acordos de Camp David” são firmados em 18 de setembro de 1978 entre Israel - de Menajem Begin, Egito – de Anuar el-Sadat, e os EUA – de Carter. Neles, se garante ao Egito a devolução da península do Sinai perdida para Israel em 1967 na “Guerra dos Seis Dias”. Era o início da política de “paz por territórios”.

Israel volta a invadir o Líbano em junho de 1982, quando então era ministro de defesa e Israel o general Ariel Sharon. Como na invasão de 1975, o pretexto era a expulsão da OLP daquele país. Em agosto de 1982, ao redor de quinze mil combatentes palestinos são expulsos do Líbano e partem em direção a Argélia, Iêmen e Tunísia, onde estabelecem a sede da OLP.

Em setembro do mesmo ano, milícias cristãs libanesas e as tropas comandadas pelo general Ariel Sharon atacam os campos de refugiados palestinos de Sabra e Shatila, no Líbano, assassinando a mais de dois mil palestinos indefesos. Vale lembrar que os estadunidenses cometeram dois massacres, que juntos não chegam aos crimes cometidos por Sharon em Sabra e Shatila: na guerra do Vietnã, em 16 de abril de 1968, tropas americanas mataram na aldeia de “My Lay” foram assassinadas 504 pessoas, e no começo da guerra da Coréia foram mortos 300 civis no vilarejo de “No Gun”.

terça-feira, novembro 09, 2004

A agonia de um guerreiro

Hoje eu trago um ramo de oliveira
e a arma de quem luta pela paz.
Não permitam que o ramo de oliveira
caia de minhas mãos.

Yasser Arafat,
na ONU, em 13 de novembro de 1974.

Em março de 1968, na pequena aldeia de Karameh, no Reino da Jordânia, uma batalha que segundo relatos não durou nem um dia, mudou definitivamente a vida de um engenheiro árabe de 38 anos de idade, que já tinha combatido contra os judeus em 1948, quando da criação do Estado de Israel e momento em que os palestinos se tornam refugiados.

Naquele dia na Batalha de Karameh, Yasser Arafat esteve à frente de um grupo de quase trezentos guerrilheiros palestinos, a maioria velhos e crianças, que lutou contra as tropas de um exército regular, o temido Exército de Israel, composto de pára-quedistas e tanques. Muitos lhe recomendaram a fuga, pois seria inútil lutar contra os israelenses, fortemente armados e treinados, mas Arafat naquele dia lutou, como lutaria as décadas seguintes, e se tornou um herói do povo palestino. Mas que um herói, Arafat hoje é o principal símbolo da causa palestina e seu dirigente sem substituto.

Presidente da Autoridade Nacional Palestina - ANP e principal líder político dos palestinos nos últimos 40 anos, Yasser Arafat nasceu no Cairo, Egito, em 28 de agosto de 1929, então protetorado colonial inglês, com o nome de Mohammed Abdel-Raouf Arafat al Qudwa al-Hussein. Histórico líder da Organização para a Libertação da Palestina – OLP, Arafat lutou nos seus 75 anos de vida pela criação do Estado palestino, pátria natural de todos os palestinos.

Há quase três anos confinado no seu quartel-general de Muqata, na cidade de Ramallah, na Cisjordânia, por determinação do exército israelense, Arafat sofre de um câncer e desde o final do outubro sua saúde piorou bastante, chegando a ser considerada crítica depois da ceia do Ramadã. Na verdade seus problemas de saúde começaram em 1992, quando sobreviveu milagrosamente a uma queda de avião na Líbia, em que durante varias horas foi dado como morto. Já lhe foram detectados os primeiros sinais de Mal de Parkinson. Desde então, Arafat se encontra no hospital militar francês de Percy, no subúrbio de Paris, e seu falecimento é esperado a qualquer instante.

A possibilidade do enterro de Arafat despertou posições extremadas, pois Ariel Sharon se nega que seu corpo seja enterrado na Esplanada das Mesquitas, no mausoléu da mesquita de al-Aqsa, em Jerusalém, como era seu desejo. Arafat desejava ser enterrado no local sagrado de Jerusalém chamado pelos muçulmanos de al-Haram al-Sharif e pelos judeus de Monte do Templo. O enterro de Arafat na Esplanada das Mesquitas seria visto como o reconhecimento de que os palestinos têm direitos políticos sobre aquele lugar considerado sagrado para as três religiões monoteístas: o Islã, o Judaísmo e o Cristianismo. Ao que tudo indica, Arafat será enterrado na Faixa de Gaza.

A sucessão de Arafat na presidência da Autoridade Nacional Palestina – ANP também se complicou. De acordo com a Lei Básica Palestina, caso venha a falecer o “rais”, o presidente do Parlamento, Rouhi Fatuh, assumirá a presidência interinamente por 60 dias, máximo período de convocação de eleições. Entretanto, com relação à sucessão de Arafat nada é certo. O primeiro Ministro palestino Ahmed Qorei, principal candidato a suceder Arafat, e o Secretário Geral da OLP, Mahmud Abbas, tentaram reunir as forças políticas palestinas em um pacto de transição, incluindo os fundamentalistas dos grupos Hamás e Yihad Islâmica, evitando uma guerra civil palestina com conseqüências destrutivas para toda a causa.

Entretanto, a TV árabe al-Jazeera, do Catar informou que Arafat teria nomeado um triunvirato para governar a entidade no caso de sua impossibilidade. O triunvirato seria formado pelo secretário-geral da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), Mahmoud Abbas (Abu Mazen), pelo primeiro-ministro da ANP, Ahmed Qorei (Abu Alá), e pelo chefe do Conselho Nacional Palestino, Saleem Al Za'noun. Entretanto, a Autoridade Nacional Palestina – ANP negou tal informação. O triunvirato foi, na verdade, uma armação da velha guarda da Organização pela Libertação da Palestina – OLP, mas não durou uma hora, depois de seu anúncio.

De acordo com Salman Shoval, conselheiro de Ariel Sharon – Primeiro Ministro israelense, Arafat é o maior obstáculo à paz na região e “os palestinos sabem o que ele representa mas o têm como um símbolo”. A saída de cena de Arafat destrói o único argumento de Ariel Sharon para não negociar com os palestinos: A falta de “partner”. De maneira que Sharon perde uma desculpa para evitar a volta das negociações e, mais ainda, perde uma excelente oportunidade de concluir de uma vez por todas um acordo com um líder palestino acreditado. A sucessão palestina pode derrapar na anarquia ou em uma ditadura.

Da mesma forma que somente o general De Gaulle poderia conceder independência a Argélia, ex-colônia francesa, pelo fato de apenas ele representar naquele momento a alma da França, Israel perde com o desaparecimento de Arafat o único verdadeiro “partner” capaz de firmar uma paz definitiva. Apenas Arafat, como símbolo da causa palestina, poderia abrir mão de posições antigas e renunciar a parte das reivindicações palestinas, dentre elas Jerusalém e o direito de regresso dos palestinos expulsos em 1948. Um autêntico acordo de paz necessita de que ambas as partes acordem em concessões.

Como afirmou o escritor israelense David Grossman, Arafat conseguiu transformar a causa palestina num “potente símbolo universal da luta pela liberdade e o direito a regressar à pátria”. Como todo autêntico líder de seu povo, Arafat será sucedido mas não encontrará substituto. Seu carisma e suas contradições asseguraram-lhe um lugar definitivo no imaginário dos heróis do mundo árabe. Arafat seguirá casado com a Palestina para sempre, até o dia em que seu povo possa fundar definitivamente seu Estado, até o dia em que seu nome seja sinônimo de Estado palestino.

segunda-feira, novembro 01, 2004

Bush versus Kerry

A un presidente

Todo lo que haces y dices no es más que
un espejismo para América,`
No has aprendido nada de la Naturaleza de la política
de Naturaleza no has aprendido la gran amplitud,
la rectitud, la imparcialidad,
No has visto que sólo una política semejante
es la apropiada para estos Estados,
Y que lo que sea menos que ella,
tarde o temprano,
se disipará de estos Estados.

Walt Whitman,
em “Hojas de Hierba”, 1855.

Nesta terça, dia 02 de novembro, os estadunidenses vão as urnas escolher entre a reeleição do presidente George W. Bush ou a vitória do senador democrata John Kerry. Tecnicamente empatados, as duas visões de mundo dos candidatos não são tão distintas, mas é inquestionável o apoio e a torcida internacional pela vitória do senador Kerry. De acordo com o jornal The Guardian, a campanha eleitoral americana custou 1 bilhão de dólares.

Nestes quatro anos de governo Bush o mundo ficou mais instável, inseguro e, acima de tudo, mais anti-americano que nunca. A maior democracia do mundo cometeu graves erros na condução de sua guerra contra o terror, inclusive com a quebra da aliança atlântica, que os unia aos europeus desde a Segunda Grande Guerra.

Ademais, nos quatros anos de governo Bush o déficit público dos Estados Unidos deve alcançar este ano a cifra recorde de 422 bilhões de dólares. Este valor equivale a 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB) do país e mais do que o PIB brasileiro. Bush herdou de seu antecessor, Bill Clinton, um superávit de US$ 236 bilhões. O meio ambiente também sofreu nas mãos de Bush, que no seu governo fez esquecer que os republicanos foram responsáveis por 11 das 16 principais leis ambientais dos EUA, conforme informação da Agência de Proteção Ambiental – EPA. Bush decepcionou a todo o mundo em 2001, ao retirar os EUA do Protocolo de Kyoto, principal acordo internacional para tentar conter as emissões dos gases que causam o efeito estufa.

A “Surpresa de Outubro” foi a descoberta de que a Casa Branca necessita mais 20 mil soldados no Iraque e mais 70 bilhões de dólares para sustentar uma guerra ilegal, do ponto de vista do Direito Internacional. Hoje, a Coréia do Sul se uniu à China ao solicitar que Washington ofereça mais concessões ao regime da Coréia do Norte - um dos três integrantes do 'Eixo do mal' de Bush - para atrair Pyongyang à mesa negociadora.

De acordo com uma pesquisa da Universidade de Harvard, 62% dos universitários estadunidenses pretendem votar nestas eleições. Desta maneira, se espera uma grande participação nesta eleição dos jovens, que devem ir às urnas como em 1972, quando em plena guerra do Vietnã, reduziu-se a idade mínima para votar para 18 anos. Na eleição anterior, dos 42,8 milhões de americanos entre 18 e 30 anos apenas 18 milhões votaram, quando George Bush ganhou por uma diferença de pouco mais de 500 votos na Flórida.

A participação do eleitorado americano deve superar a do ano 2000, quando votaram 105 milhões de pessoas, de uma população de 286 milhões, o equivalente a 51% das pessoas com idade para votar e 86% dos eleitores registrados. Alguns analistas afirmam que esta eleição poderá superar a de 1992, na qual votaram 58% do eleitorado, dando a vitória a Bill Clinton. Nos EUA, o voto é opcional.

O escritor estadunidense Gore Vidal costuma pedir a reforma da Constituição dos EUA para que seja incluída uma nova regra eleitoral: a que proíba que candidatos a presidente se apresentem de maneira voluntária. Segundo Vidal, esta seria uma homenagem a maior de todos os presidentes americanos, George Washington, que nunca quis ser presidente.

Como recentemente afirmou o historiador estadunidense Arthur Schlesinger Jr., em artigo muito comentado, não devemos perder nossas esperanças nos EUA, porque eles continuam a ser o país audaz e idealista de Franklin Roosevelt e John Kennedy, “ainda que ultimamente a audácia e o idealismo tenham se convertido em belicosidade e arrogância”.