quinta-feira, março 25, 2004

Navegar é preciso

E nem piratas,
nem borrascas,
nem dragões
Vão me impedir de ser feliz,
De levantar a minha âncora
e partir.
Kleiton e Kleidir Ramil


José Luis Rodríguez Zapatero, 43 anos, futuro Presidente de Governo espanhol depois da vitória eleitoral do dia 14 de março, e que governará a Espanha pelos próximos quatro anos, à frente do Partido Socialista Operário Espanhol – PSOE, se transformou na nova esperança socialista mundial.

Sua vitória representa um voto de confiança na transparência política e uma contundente negação da política da mentira, do esquecimento dos compromissos históricos, de um país que realizou uma transição política exemplar da ditadura à democracia, melhorando significativamente a qualidade de vida da sua população. As propostas de governo dos socialistas espanhóis já foram muito debatidas – além de referendadas pelos 11 milhões de votos recebidos, e a indicação da equipe ministerial é tratada com muita prudência, por esse filho da geração que cresceu na democracia, ainda que seu avô tenha sido fuzilado pelas tropas fascistas durante a Guerra Civil de 1936-39.

O combate ao terrorismo nacional e internacional será levado a cabo através da cooperação internacional dos serviços de inteligência. Espanha sofreu no ultimo dia 11 de março em Madri o maior atentado terrorista da história em solo europeu, e vem enfrentando internamente desde décadas o terrorismo separatista basco através do ETA. Para Zapatero, a guerra só pode gerar maior violência, ódio e fanatismo. A guerra do Iraque é uma situação neocolonialista, e se até junho a ONU não assumir o mando da coalizão, as tropas espanholas se retirarão do país. O candidato democrata à presidência dos EUA John Kerry também promete a retirada das tropas se não contar com o apoio da ONU para controlar a ocupação do Iraque.

A Guerra do Iraque promete abalar muitas candidaturas de políticos no Ocidente. Recentemente no jornal “The Independent”, o ex-Presidente Jimmy Carter, Premio Nobel da Paz de 2002, que governou os EUA de 1977 a 1981 - período em que o país não se envolveu em nenhum conflito militar, criticou abertamente ao Presidente Bush Junior e ao Premier Tony Blair, por travar uma guerra desnecessária, baseada em mentiras e interpretações errôneas. Ao informar a vitória socialista na Espanha, o jornal francês “Libération” publicou a manchete “O preço das mentiras”.

A política espanhola no seio da União Européia será de priorizar a unidade européia antes da aliança com os EUA, superando as falsas afirmações do Ministro de Defesa estadunidense Donald Rumsfeld sobre a existência de uma “velha” e uma “nova” Europa. Zapatero – Secretário Geral do PSOE desde 22 de julho de 2000 à frente de um grupo de jovens socialistas denominado “Nova Via”- aposta pela reafirmação da posição européia, baseada nos três pilares: democracia – unidade de valores democráticos, legalidade internacional – centrada no multilateralismo e na liderança da ONU, e a coesão social. Por fim, a Constituição européia poderá ser aprovada em breve, com o voto favorável da Espanha.

Com a América Latina, Zapatero – nascido em Castela e criado em Leão, pretende reconstruir uma “ponte de diálogo” com a região que considera o âmbito natural da política exterior espanhola.

Ainda que aberto ao diálogo com todas as agremiações políticas, o PSOE não está disposto a abrir mão de cargos em troca de apoio no parlamento. Zapatero – que nunca perdeu nenhuma eleição importante - está disposto a que o PSOE governe sozinho, e que o apoio que possa vir a receber seja fruto do programa do partido.

Seu governo contará com dois Vice-Presidentes e dezesseis ministérios, dentre eles a novidade será o Ministério da Moradia. Espanha sofre, hoje em dia, de uma bolha de especulação imobiliária que torna quase impossível para os jovens e as famílias de classe média e baixa a aquisição da moradia própria, e a criação desse ministério virá como parte de uma política que pretende criar facilidades de acesso a moradia. Também já prevê uma reforma na legislação de educação para este ano e uma reforma fiscal para o próximo. A Ciência e a Tecnologia estarão unidas no Ministério da Educação, para facilitar o desenvolvimento da pesquisa científica nas universidades. Zapatero entende que a certeza do progresso de uma nação está na congruência de objetivos entre o Governo e as universidades.

O futuro ocupante do Palácio da Moncloa, sede do governo espanhol, defende o princípio de não intervenção do poder político no mundo econômico, como também nos meios de comunicação. Assim, nomeará uma comissão de notáveis e escolherá uma direção independente para a poderosa Radio e Televisão Espanhola - RTVE estatal. Com relação ao atual orçamento espanhol, pretende fazer um recorte de 2% de maneira linear, para investir nos programas de moradia, pesquisa científica e bolsas de estudos.

Ademais, pretende realizar pactos parlamentares sobre a imigração e a reforma constitucional, pela qual será realizada a reforma do Senado. Atualmente são eleitos quatro Senadores por Província, majoritária e abertamente, ou seja, os eleitores votam textualmente em seus escolhidos e não em listas fechadas organizadas pelos partidos políticos. Entretanto, falta efetivar no Senado espanhol a sua verdadeira função de representação territorial, como ocorre nos Estados federais.

Convém recordar que a Constituição espanhola, de 1978, somente possui uma única emenda, a que permitiu aos residentes comunitários candidatarem-se nas eleições municipais, exigida pelo Tratado da União Européia de 7 de fevereiro de 1992, o conhecido Tratado de Maastricht.

No campo da política interna, o pontapé inicial será dado nas relações com os Presidentes das Autonomias, como são denominados os Governadores de Estados no sistema constitucional espanhol de Estado das Autonomias - um sistema muito parecido ao Estado Federal. O marido da senhora Sonsoles Espinosa pretende institucionalizar a Conferência do Chefe do Governo nacional com todos eles, ao menos uma vez por ano. Entretanto, a arma socialista para as grandes questões regionais, e dentre elas destacamos a questão basca e a catalã, é o federalismo. Zapatero se comprometeu a apoiar a criação do parlamento catalão, que para ser criado necessita que o Estatuto de Autonomia da Catalunha seja reformado.

Considerado um homem frio - se é possível a um latino sê-lo, que nunca é refém do partido, o líder socialista conta com um grupo de fieis e incondicionais colaboradores no PSOE, no qual se destacam Jesús Caldera – deputado que junto a Fernando López Aguilar lhe ajudou a conquistar a Secretaria Geral do PSOE e seu braço direito; Trinidad Jiménez - assessora para assuntos de política internacional e principal elemento de ligação a Felipe Gonzalez, com quem mantêm uma estreita relação de amizade e respeito; José Blanco – o bruxo e diretor da campanha vitoriosa do partido, terá a tarefa de harmonizar as relações do PSOE com o futuro governo; Angélica Rubio – assessora de comunicação; Gertrudis Alcázar – sua secretária particular; além de Alfredo Pérez Rubalcaba, José Andrés Torres Mora e Julián Lacalle, nomes que com toda certeza passarão a ser ouvidos constantemente no noticiário espanhol.

A velha guarda do PSOE que lhe apoiou no passado está presente na sua equipe cotidiana de assessores, destacando a presença de Carlos Solchaga, Miguel Ángel Fernández Ordóñez e Rosa Conde. Dentre os intelectuais próximos está o filósofo e escritor basco Fernando Savater, figura conhecida dos protestos contra ETA. No campo econômico conta com a colaboração de Miguel Sebastián, ex-diretor do banco BBV e principal elaborador do programa econômico do PSOE, com Luis Ángel Rojo, ex-Presidente do Banco de Espanha e que lhe abriu as portas do mundo financeiro, e Pedro Solbes, ex-Ministro de Economia.

Quando o assunto é renovação socialista, Zapatero conta com expoentes internacionais como Zygman Bauman, autor do já clássico “Modernidad Liquida”. Essa renovação socialista pode ter iniciado com a eleição de Zapatero, que de alguma maneira influenciou na vitória dos socialistas nas eleições regionais francesas do dia 21 de março.

Enfim, o Parlamento espanhol que se reunirá em 2 de abril próximo nomeará a José Luis Rodríguez Zapatero como Presidente de Governo dessa nova Espanha nascida dos atentados de Madri, mais próxima do eixo Paris-Berlim, e com a democracia reforçada.

segunda-feira, março 15, 2004

Lágrimas e vitória socialista na Espanha


La distancia te permite ver cosas
que son mejores de lo que tú creías
y cosas que son peores
de lo que tu creías también.
Antonio Muñoz Molina

Depois sofrer o 11 de março, o pior atentado terrorista na União Européia e desde já considerado o 11 de setembro europeu, Espanha elege hoje, dia 15 de março, nas eleições mais tristes de sua história, a José Luis Rodríguez Zapatero do Partido Socialista Operário Espanhol – PSOE seu próximo Presidente de Governo.

As bombas que sacudiram os trens urbanos de Madri no dia 11, exatamente dois anos e meio depois dos ataques a Nova York, nas estações de Atocha, El Pozo, Santa Eugenia y Tio Raimundo, foram explodidas por terroristas de Al Qaeda, que assumiram o atentado através de uma carta à TV árabe “Al Jazira”.

O apoio da Espanha à Guerra do Iraque, que juntos com a Grã-Bretanha e os EUA formavam a Aliança invasora, foi lembrado como motivo imediato para o acerto de contas da rede terrorista de Osama Bin Ladem. Num texto atribuído aos terroristas, estes chama o atentado de “ajuste de contas com a Espanha das Cruzadas”. Após o atentado, a polícia encontrou um furgão com detonadores e uns versos do Al Corão em fita cassete, o que descartava a possibilidade de ação do grupo terrorista basco ETA.

O governo de José Maria Aznar tentou até o momento das eleições de hoje atribuir o atentado ao terrorismo basco, pois sabia que caso se confirmasse a autoria de Al Qaeda, perderia as eleições. O governo do Partido Popular de Aznar levou a Espanha a apoiar os EUA na invasão do Iraque, tomando uma posição totalmente contrária à da Alemanha e da França, núcleo duro da União Européia.

A vitória do PSOE de Zapatero nas eleições gerais espanholas de hoje sobre o Partido Popular – PP de José Maria Aznar e seu candidato Mariano Rajoy, foi uma surpresa mesmo para os militantes socialistas mais ferrenhos.

O PSOE conseguiu 42,66% dos votos validos, conquistando 164 cadeiras no parlamento, contra um PP que obteve 37,65% dos votos e 148 deputados. Dois outros partidos de esquerda, o catalão CIU com 10 deputados, e os comunistas de Izquierda Unida - IU com 5 deputados, formarão uma aliança natural com os socialistas, ampliando ainda mais a esmagadora vitória do PSOE de Zapatero, que somente precisa de 12 deputados para ser maioria nas Cortes, como se denomina o Congresso espanhol, de 350 deputados.

O voto útil migrou para os socialistas, diante da promessa de Zapatero de apenas formar governo se fosse o mais votado. Desta maneira, os comunistas de Izquierda Unida – IU (antigo Partido Comunista Espanhol), liderados por Gaspar Llmazares, perderam quatro dos nove que tinham conseguido nas eleições de 2000.

Todas as pesquisas da semana passada apontavam para uma vitória absoluta do PP, mas o atentado do dia 11 de março em Madri, que matou mais de 200 pessoas e feriu a milhares nos trens urbanos da metrópole, que a princípio foi atribuído pelo governo de José Maria Aznar ao grupo terrorista basco ETA, e somente mais tarde a Al Qaeda, inverteram essa intenção inicial de votos.

A vitória de hoje do PSOE de Zapatero, com 10,4 milhões de votos, superou a votação de Felipe González em 1982, com 10,1 milhões, e a de José Maria Aznar em 2000, com 10, 2 milhões de votos. Com toda certeza o futuro governo socialista espanhol retirará o apoio do país à guerra do Iraque, desfalcando a coalizão encabeçada pelos EUA do seu aliado continental no seio da União Européia. Com esta atitude, Espanha se acercará das posições de Paris e Berlim, uma posição mais realista e construtiva da paz mundial, na crença dos valores do multilateralismo e do reforço da política desenvolvida na ONU. Lamentável foi o preço pago pelos espanhóis para voltarem a Europa.

segunda-feira, março 08, 2004

A Elite e a Nação

If neither foes nor loving friends can hurt you;
Yours is the Earth and everything that's in it,
And - which is more - you'll be a Man my son!.
Rudjiard Kippling

Salvando soldados americanos na Baía Hap, durante a guerra do Vietnã no ano de 1969, o tenente John Kerry serviu aos EUA como manda a tradição anglo-saxônica, aquela tradição de compromisso entre a nação e sua elite, da qual nós brasileiros nunca tivemos exemplo. Aquele tenente, hoje candidato democrata à Casa Branca pode perfeitamente falar em dever cumprido e em patriotismo, sem qualquer acusação de cinismo.

Durante a I Guerra Mundial, turmas inteiras das melhores universidades inglesas, notadamente Oxford e Cambridge, jamais retornaram às aulas. Deixaram suas vidas nos campos lamacentos da França. Mortos pelo Império. Vidas desperdiçadas em holocausto pela glória e honra da Rainha. Juventudes tolhidas no seu melhor momento, que jamais retornaram aos verdes campos da Inglaterra.


Como escreveu o historiador britânico Eric Hobsbawm em seu “Era dos Extremos”: “Os britânicos perderam uma geração – meio milhão de homens com menos de trinta anos -, notadamente entre suas classes altas, cujos rapazes, destinados como 'gentlemen' a ser os oficiais que davam o exemplo, marchavam para a batalha à frente de seus homens e em conseqüência eram ceifados primeiro. Um quarto dos alunos de Oxford e Cambridge com menos de 25 anos que serviam no exército britânico em 1914 foi morto”.


Em sentido oposto, verificamos a ausência de compromisso entre a elite e a nação na tradição Ibérica, que herdamos, já desbotada no viés Luso, e conseguimos piorar. A elite brasileira não possui qualquer compromisso ético, moral, social com a nação. São como elementos díspares, dissociados e que se repulsam, mantendo a nação sem uma elite, e uma elite sem nação.


Até mesmo na nossa esquecida província verificamos o fenômeno da dissociação entre a elite e a nação. De um lado uma elite formada em boas universidades – geralmente universidades de fora da província, ocupando altos e bem remunerados postos na administração provincial, produzindo uma medicina de qualidade respeitável, ganhando dinheiro público de maneira aparentemente honesta, pegando as crianças no Diocesano e no Dom Barreto – porque a educação religiosa ainda parece ser melhor que a escola pública e privada leiga, viajando aos EUA e a Europa em senis excursões para aposentados paulistas, levando os filhos adolescentes nos feriados e férias ao litoral – e tentando manter o controle sobre a curiosidade sensual que desperta nessa idade debaixo dos trópicos, e de alguma forma levando uma vida mediocremente ausente e “normal”. Vivendo, de maneira muito atrasada, a época do “señorito satisfecho”, segundo a clássica expressão de José Ortega y Gasset.


Do outro lado, a miséria. Exposta cruamente nos sinais vermelhos, uma miséria repugnante, nauseabunda, bastarda e negra parece não ter fim. E tomam conta das vias públicas, dos calçamentos e estradas que parecem ter sido construídas pelos piores engenheiros do país, dessa bagunça calorosa que se transformou a capital inundada por legiões de caras anônimas, que jamais foram vistas em alguma época no Diocesano. Milhares de seres humanos condenados a viver no país mais injusto do mundo, na província mais pobre da região mas atrasada, afastados de qualquer tênue sombra do quê venha a ser cidadania, “zombies” a espera do grito de mando do experto de mídia de plantão que os conduzirá a eleger a outro coitado bem intencionado – que a sua vez manterá os de sempre no seu governo de salvação provincial. Massa acima de tudo, dócil e miserável, enfim.


A elite do nosso país nunca conseguiu digerir essa raça denominada brasileira, que é mestiça, negra de cabelos louros nas orelhas, índia de olhos verdes, clara bronzeada e de lábios e narizes semitas. O distanciamento da nação não se ensina nas escolas, mas é a primeira lição que se aprende em casa. É no berço que se aprende a menosprezar os valores populares, a sorrir das festas folclóricas e a zombar da nação.


Ainda me lembro que quando criança, na Teresina de então, não era socialmente correto, ao menos no colégio dos padres jesuítas italianos, admitir a preferência pelo tradicional prato da culinária provincial “Maria Isabel”. Comer comida tradicional estava relegado às festas juninas e a esporádicas visitas às casas dos avôs no interior. A alimentação condicionava a classe social, e estava bem visto preferir de sobremesa um sorvete Gelatti a um pratinho de doce de leite caroçudo mandado vir de Oeiras e feito por mãos velhas que nunca conheceram o mar.


Nossa nação sempre foi superior à sua elite. A história demonstra que a nação sempre correspondeu quando foi convocada a defender esse país, fosse na Independência do decadente Império Português, fosse na orquestrada Guerra do Paraguai. A nação já deu seu sangue por tantos anos que até mesmo no país mais injusto do mundo, o que construímos todos os dias com nossa pequena e importante contribuição de trabalho, já é hora da sua elite se empenhar nessa construção. A elite é necessária, não por ser melhor que a nação, mas por ser a vanguarda da nação. E toda nação merece uma elite, com vergonha na cara.

segunda-feira, março 01, 2004

O inverno do amor em San Francisco


A polêmica do momento nos EUA é o fato do Prefeito de San Francisco, Califórnia, o democrata Gavin Newsom, ter autorizado em 12 de fevereiro último a realização de casamentos entre homossexuais. Como se não bastasse, a Suprema Corte do Estado da Califórnia julgou, agora dia 27 de fevereiro, a ação interposta pelos conservadores que pedia a anulação das 3.500 licenças de matrimônio concedidas pela Prefeitura de San Francisco, negando-se a anulá-las e mantendo a legalidade das mesmas. É de se recordar que o mais alto Tribunal do Estado da Califórnia mantém uma jurisprudência progressista há anos, pois há exatos 56 anos legalizou os casamentos inter-raciais e há 25 decidiu contra as descriminações das empresas contra os homossexuais.

Também a Suprema Corte do Estado de Massachusetts decidiu em novembro de 2003 que é inconstitucional proibir os matrimônios gays – a decisão entrará em vigor em maio de 2004. Por fim, o Prefeito da cidade de New Paltz, Estado de Nova York, Jason West, casou no dia 27 de fevereiro passado a 25 casais homossexuais. O Chefe do Ministério Público do Estado de Nova York, Eliot Spitzer, negou-se a interromper as cerimônias realizadas pelo Prefeito Jason West, mesmo sem se pronunciar sobre a legalidade daqueles matrimônios.

Como em novembro próximo os estadunidenses vão às urnas para eleição presidencial, a reação conservadora não se fez esperar e a polêmica promete incendiar os debates eleitorais. Os dois aspirantes a candidato pelo Partido Democrata, John Kerry e John Edwards, se manifestaram em contra o matrimônio homossexual, e a favor das leis de união estável, que nos EUA acolhem os casais gays.

O Presidente George W. Bush, representante maior da ala conservadora, já levantou até a possibilidade de reformar a Constituição americana, que é de 17 de setembro de 1787, para introduzir uma emenda que proíba o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo. Para ele, o matrimônio é a “instituição fundamental da civilização”. Para a aprovação de uma emenda à Constituição dos EUA é necessário o voto de dois terços do Congresso e de 75% dos Estados federados. Ademais desta dificuldade processual de aprovação, a emenda sugerida pelo Presidente Bush ainda enfrenta um obstáculo maior, que reside no fato de que a Constituição dos EUA consagra a igualdade e a não discriminação diante da Lei.

Mesmo ocorrendo que em 38 Estados da federação estadunidense a legislação civil considera o matrimônio um sacramento entre homem e mulher, vários deputados conservadores republicanos se mobilizam para reformar as Constituições Estaduais no sentido de proibir o matrimônio homossexual.

Os efeitos jurídicos do matrimônio são vários, e nos EUA foram contabilizados em 1.049, somente na esfera federal. Vão desde a propriedade, herança, seguros, pensões, seguro médico, divórcio, benefícios na Previdência Social, até a custódia dos filhos em caso de separação.

E milhares de casais homossexuais, de todas as partes do mundo, já aproveitaram a oportunidade legal aberta pela cidade de San Francisco para casarem-se, no que já foi denominado pela grande imprensa de o “inverno do amor”.

No Brasil, o novo Código Civil não proíbe expressamente o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo, pois inexiste vedação expressa tanto no capítulo que trata da capacidade para o casamento, como no capítulo dos impedimentos. Sem embargo, em vários dispositivos seus encontramos referencia a que o casamento é a união entre homem e mulher. No art. 1.514, encontramos: “O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados”. Da mesma forma, o art. 1.517, dispondo sobre a capacidade para o casamento, determina: “O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil”.

O Império Britânico durou uma eternidade em termos de dominação, principalmente porque baseava sua administração imperialista em dois princípios básicos: pagar o imposto e respeitar a lei da Coroa. Tudo o mais, em matéria de religião, sexo, costumes e polêmicas era relativamente deixado de lado. Os EUA com seu puritanismo hipócrita tenta cercear o direito mais bonito já escrito em um texto constitucional, o direito inalienável de buscar a felicidade, presente na sua Declaração de Independência de 4 de julho de 1776: “Consideramos de per si evidentes as verdades seguintes: que todos os homens são criaturas iguais; que são dotados pelo seu Criador com certos direitos inalienáveis; e que, entre estes, se encontram a vida, a liberdade e a busca da felicidade”. Todas as pessoas possuem o direito inalienável a buscar a felicidade, seja de que forma seja, desde que não cause dano aos demais. Por isso, devemos deixar que cada um escolha sua maneira própria de ser feliz.

Como toda polêmica que ocorre nos EUA acaba por chegar ao Brasil, não é de se admirar que dentro de breve a atual esteja nas páginas dos jornais. Ou melhor, nas páginas dos Diários de Justiça, onde se publicam a jurisprudência dos nossos Tribunais.