segunda-feira, março 15, 2004

Lágrimas e vitória socialista na Espanha


La distancia te permite ver cosas
que son mejores de lo que tú creías
y cosas que son peores
de lo que tu creías también.
Antonio Muñoz Molina

Depois sofrer o 11 de março, o pior atentado terrorista na União Européia e desde já considerado o 11 de setembro europeu, Espanha elege hoje, dia 15 de março, nas eleições mais tristes de sua história, a José Luis Rodríguez Zapatero do Partido Socialista Operário Espanhol – PSOE seu próximo Presidente de Governo.

As bombas que sacudiram os trens urbanos de Madri no dia 11, exatamente dois anos e meio depois dos ataques a Nova York, nas estações de Atocha, El Pozo, Santa Eugenia y Tio Raimundo, foram explodidas por terroristas de Al Qaeda, que assumiram o atentado através de uma carta à TV árabe “Al Jazira”.

O apoio da Espanha à Guerra do Iraque, que juntos com a Grã-Bretanha e os EUA formavam a Aliança invasora, foi lembrado como motivo imediato para o acerto de contas da rede terrorista de Osama Bin Ladem. Num texto atribuído aos terroristas, estes chama o atentado de “ajuste de contas com a Espanha das Cruzadas”. Após o atentado, a polícia encontrou um furgão com detonadores e uns versos do Al Corão em fita cassete, o que descartava a possibilidade de ação do grupo terrorista basco ETA.

O governo de José Maria Aznar tentou até o momento das eleições de hoje atribuir o atentado ao terrorismo basco, pois sabia que caso se confirmasse a autoria de Al Qaeda, perderia as eleições. O governo do Partido Popular de Aznar levou a Espanha a apoiar os EUA na invasão do Iraque, tomando uma posição totalmente contrária à da Alemanha e da França, núcleo duro da União Européia.

A vitória do PSOE de Zapatero nas eleições gerais espanholas de hoje sobre o Partido Popular – PP de José Maria Aznar e seu candidato Mariano Rajoy, foi uma surpresa mesmo para os militantes socialistas mais ferrenhos.

O PSOE conseguiu 42,66% dos votos validos, conquistando 164 cadeiras no parlamento, contra um PP que obteve 37,65% dos votos e 148 deputados. Dois outros partidos de esquerda, o catalão CIU com 10 deputados, e os comunistas de Izquierda Unida - IU com 5 deputados, formarão uma aliança natural com os socialistas, ampliando ainda mais a esmagadora vitória do PSOE de Zapatero, que somente precisa de 12 deputados para ser maioria nas Cortes, como se denomina o Congresso espanhol, de 350 deputados.

O voto útil migrou para os socialistas, diante da promessa de Zapatero de apenas formar governo se fosse o mais votado. Desta maneira, os comunistas de Izquierda Unida – IU (antigo Partido Comunista Espanhol), liderados por Gaspar Llmazares, perderam quatro dos nove que tinham conseguido nas eleições de 2000.

Todas as pesquisas da semana passada apontavam para uma vitória absoluta do PP, mas o atentado do dia 11 de março em Madri, que matou mais de 200 pessoas e feriu a milhares nos trens urbanos da metrópole, que a princípio foi atribuído pelo governo de José Maria Aznar ao grupo terrorista basco ETA, e somente mais tarde a Al Qaeda, inverteram essa intenção inicial de votos.

A vitória de hoje do PSOE de Zapatero, com 10,4 milhões de votos, superou a votação de Felipe González em 1982, com 10,1 milhões, e a de José Maria Aznar em 2000, com 10, 2 milhões de votos. Com toda certeza o futuro governo socialista espanhol retirará o apoio do país à guerra do Iraque, desfalcando a coalizão encabeçada pelos EUA do seu aliado continental no seio da União Européia. Com esta atitude, Espanha se acercará das posições de Paris e Berlim, uma posição mais realista e construtiva da paz mundial, na crença dos valores do multilateralismo e do reforço da política desenvolvida na ONU. Lamentável foi o preço pago pelos espanhóis para voltarem a Europa.