Desde janeiro de 2004, as denúncias de maus-tratos a prisioneiros de guerra no Iraque eram do conhecimento dos generais que comandam a ocupação Ocidental no Iraque. Portanto, fotos de presos sendo torturados existiam e eram do conhecimento do oficialato superior. Entretanto, a reprovação mundial decorreu da exibição destas fotos no programa “60 Minutes II” do dia 28 de abril, da cadeia de televisão estadunidense CBS. Depois disso, a revista “New Yorker” as publicou e o jornal “Washington Post” exibiu outras com o mesmo impacto. As fotos somente foram publicadas porque os EUA são, sem sombra de dúvidas, a maior democracia do mundo, além de terem uma Carta Constitucional que garante o exercício das liberdades públicas, como por exemplo a liberdade de expressão.
Por outro lado, desde 11 de setembro de 2001 se debate nos EUA sobre o uso ou não de “pressão psicológica e força física”, isto é, tortura, no interrogatório dos presos da “guerra contra o terrorismo”. O precedente mundial sobre o uso oficial da tortura cabe ao estado de Israel, pois foi o único país do mundo a legalizar a tortura, entre 1987 e 1999. Em 1987, uma comissão presidida pelo juiz Moshe Landau elaborou uma relação de torturas permitidas no país – denominada então “força psicológica e física moderada” -, que teve vigência até sua revogação em 1999 pela Corte Suprema Israelense.
A prisão de Abu Ghraib foi uma espécie de Bastilha da ditadura de Saddam Hussein, local onde ele torturou e matou a oposição ao seu regime ditatorial. De maneira que esse lugar maldito continua a servir à tortura e a morte, tendo havido apenas uma troca de mãos, com a permanência do mesmo chicote. Mas não devemos esquecer que centenas de presos esperam na base americana de Guantánamo, Cuba, por mais de dois anos sem qualquer acusação formal.
Até agora, sete soldados foram acusados criminalmente e seis serão julgados por uma Corte Marcial, sendo a primeira com inicio para o dia 19 de maio próximo. Ademais, sete oficiais receberam reprimendas que fatalmente conduzirão ao encerramento de suas carreiras militares.
Creio que foi Hannah Arendt quem disse uma vez que o maior criminoso do Século XX era o cidadão comum, esse tipo de gente que não se espanta ou não quer se espantar com nada de mal que ocorra aos demais, a não ser que lhe afete de maneira direta. Esse tipo de gente que ao passar pela rua e ver alguém caído, vira o rosto de lado e segue seu caminho de indiferença e egoísmo. Essas pessoas que de tanto se preocuparem com elas mesmas, já não conseguem distinguir indiferença de assassinato, cobiça de ambição, corrupção de governo.
Na nossa província, recentemente tivemos nossas mãos queimadas pelas vidas dos seis menores mortos nas dependências do Estado. Quem matou os seis menores foi o Estado do Piauí, porque seus servidores mal remunerados e treinados são responsáveis pela custódia de pessoas miseráveis e presas, ainda que a moderna doutrina penal diga o que lhe pareça ser mais moderno. Então de que servem os pedidos de desculpas aos ouvidos de mães que tiveram seus filhos mortos? De que servem as promessas nunca cumpridas de diminuição de tanta desigualdade social?
De que servem as desculpas de Donald Rumsfeld ou de Tony Blair? De que serve assumir responsabilidades diante de um crime internacional? De que serve admitir o desrespeito as Convenções de Genebra?
Independente das Convenções de Genebra, os EUA ratificaram em 1997, embora com algumas ressalvas, a “Convenção contra a Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes”, de 1984, que em seu artigo 1º conceitua a tortura como “qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais , são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões”.
A quebra da ordem mundial e o desrespeito às normas de direito internacional seguirão os EUA como uma mácula indelével, sempre recordada quando nos momentos futuros que a história nos trouxer, nos depararmos com o fato de que a maior potência bélica e econômica do nosso tempo, perdeu a grande batalha da civilização contra si mesma.