terça-feira, junho 29, 2004

O último caudilho

Um guerreiro sabe distinguir
o que é passageiro,
e o que é definitivo.
Paulo Coelho

A palavra “caudilho” em espanhol possui um significado que vai além da tradução portuguesa de “ditador”. Talvez, seu sinônimo em inglês de “leader” ou “chief” seja mais próximo do que represente a expressão em espanhol, que dicionariamente falando significa “chefe de um grupo de pessoas, sobretudo na guerra”. Os espanhóis anti-republicanos não se negaram a denominar o general Franco de Caudilho, que durante a Guerra Civil adotaram como lema, de inspiração nazista, a frase: “Uma fé, uma pátria, um caudilho”. Portanto, podemos dizer que um “caudilho” é um chefe militar.

Outra coisa é o “caudilhismo”, que segundo o Dicionário de Política de Norberto Bobbio, se refere ao “regime imperante na maior parte dos países da América espanhola, no período que vai dos primeiros anos da consolidação definitiva da Independência, em torno de 1820, até 1860, quando se concretizaram as inspirações de unificação nacional”. Suas principais características eram a divisão do poder entre chefes carismáticos locais, oriundos das camadas marginalizadas social e etnicamente, que recrutavam grandes contingentes de paramilitares na zona rural. Autoritários e paternalistas, exigiam adesão incondicional de seus seguidores, mesmo não possuindo uma ideologia definida. Por essas características, é inevitável a comparação do “caudilhismo” com sua vertente nordestina, o “coronelismo”, guardadas suas significativas distinções.

Desta forma, fica fácil de entender o motivo de se chamar “caudilho” a Leonel Brizola, morto na semana passada, depois de viver ativamente como figura de destacado relevo na política brasileira da segunda metade do século XX. Sem a menor sombra de dúvida, Brizola será para sempre o último caudilho brasileiro, e para muitas gerações de brasileiros, o único caudilho conhecido, pois, todos os demais caudilhos, notadamente gaúchos, se destacaram e morreram antes de Brizola, como Assis Brasil, Borges de Medeiros, Flores da Cunha, Oswaldo Aranha e Getúlio Vargas.

Último herdeiro do “trabalhismo”, movimento nacionalista criado por Vargas para implantar suas reformas sociais - e impedir que a esquerda comandada por Carlos Prestes levasse todos os louros dos movimentos sociais - Brizola amargou 15 anos de exílio depois do golpe militar de 1964, que propôs combater pelas armas. Crítico incansável do imperialismo estadunidense, Brizola viveu anos como exilado político nos EUA do Presidente Carter. Mais tarde, com a anistia, perdeu a sigla do PTB para Ivete Vargas, com a contribuição de Golbery, e foi o único brasileiro a ter governado dois Estados da Federação, o Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro.

Inteligente e com sentido de humor, Brizola nunca perdeu a piada e muitas vezes perdeu o aliado. São célebres os apelidos que batizou, indistintamente, a seus adversários e aliados. Sempre disse com todas as letras o que lhe vinha a mente, coisa rara, muita rara nos dias da política atual. Seu mais próximo amigo, o jornalista e escritor gaúcho Flávio Tavares, que lhe acompanhou desde a campanha da legalidade, em 1961, afirmou: “Nesse aspecto o Brasil perde o único personagem independente da história política. Crítico constante, aquele ranzinza, mas interessado na solução concreta dos problemas do país. Brizola se diferenciava. Os outros nunca chegam a uma solução concreta, como o que teve no Rio ou no Rio Grande do Sul, onde ele foi governador. Cada idéia dele era acompanhada de ações. E isso é incomum.”

Brizola, como afirmou Dora Kramer, foi um dos poucos políticos brasileiros a conseguir adicionar ao seu nome o “ismo”, de maneira que o “brizolismo” ao que tudo indica não sobreviverá à sua morte, ainda que o seu partido, o PDT, venha a sobreviver. Político que em vida teve muitos seguidores, Brizola não deixa herdeiros.

Muito além dos “ismos” que viveu, - caudilhismo, trabalhismo, e brizolismo - Brizola já é História. Aliás, sempre foi.