quarta-feira, março 22, 2006

São demais os canalhas desta vida














SIC TRANSIT GLORIA MUNDI.Dessa maneira,
São Paulo define a condição humana em
uma de suas epístolas:
a glória do mundo é transitória.
E, mesmo sabendo disso,

o homem sempre parte
em busca do reconhecimento
pelo seu trabalho.
Por quê?

Paulo Coelho



O meu país possui muitos canalhas. E os canalhas dominaram o Brasil. Mas não dominaram de repente. Não, os canalhas foram dominando devagarzinho, cheios de moral, de peito inchado, bradando a retórica da desfaçatez e do cinismo. Foram ocupando o bar, o clube, a praça, as cidades do interior, a faixa de pedestres, o estádio de futebol, os movimentos sociais, os partidos políticos, o carnaval e os cargos federais.

Os canalhas estão por toda parte, na fila do banco, no estacionamento do shopping center, almoçando a seu lado, te olhando no elevador. E são das mais variadas formas e tamanhos. Há canalhas sorridentes, canalhas sérios, canalhas baixos de barba, canalhas altos e de cara limpa, canalhas analfabetos e outros nem isso. Mas existem os bons canalhas, os que prometem e não cumprem, os que pensam que são espertos e que ninguém desconfia da sua salafrarice. Os canalhas municipais solicitam aos canalhas estaduais que peçam aos canalhas federais doses extras de broches coloridos para a lapela, para o desfile nacional. Os safardanas que nunca administraram nada, nem mesmo suas miseráveis vidas ordinárias.

Tudo igualmente canalha, tudo normalmente canalha, tudo tão claramente canalha. Os novos canalhas de sempre foram substituindo os velhos canalhas de ontem. E tudo ficou tão canalha, mas tão canalha, que ninguém mais se assusta com nada. As pessoas ficaram paralisadas, sem se dar conta que tudo passa, tudo mesmo, e até os canalhas passarão. Mas enquanto isso, vamos convivendo com os canalhas. Canalhas que fazem as leis e não cumprem, que sonegam e ainda por cima apresentam a prestação de contas com notas frias. Canalhas que se agarram com unhas e dentes a seus DAS.5, porque precisam pagar as pensões alimentícias das pobres coitadas que pariram seus filhos estudantes de filosofia e que no futuro serão o mesmo que seus papais: canalhas. Os canalhas procriam aos turbilhões, são férteis, promíscuos e ruins de cama. Mas sempre haverá uma gorda horrorosa para um velho canalha movido a pílulas azuis.

Os canalhas dirigem carros enormes, quase sempre comprados de segunda mão. Os canalhas necessitam de muito espaço, necessitam serem louvados. Os canalhas vestem camisas pólo e calça social. Os canalhas têm sotaques. Os canalhas bebem chope e sempre possuem uma explicação para todas as suas derrotas categóricas. Os canalhas estão cercados de gente burra, que pesam que por terem vivido uns anos adquiriram sabedoria aos esbarrões. Os canalhas plantam mal e colhem pior ainda. São incapazes de respeitar seus testículos e jamais se irritam com nada: o importante é manter as aparências, mesmo caindo de podre, disse o velhaco. Os canalhas possuem o vil sangue de barata!

Mais que merda de canalhas fizeram isso com meu país? Foi pra essa canalhada analfabeta e mal cheirosa, de dentes mal cuidados, ditarem as regras? Foi pra isso que as pessoas comuns escolheram os patifes? Foi pra isso que derrubamos os velhos canalhas? Para sustentar novos canalhas cheios de diárias para países que nunca jamais poderiam passear por seus próprios bolsos? Cadê a rapaziada que acredita na vida? Onde estão os verdadeiros nobres de espírito do Brasil? Foram embora? Fugiram? Estão tentando cruzar a fronteira mexicana? Por que os homens de verdade deste Brasil não gritam? Pra onde escorreu o sangue das veias? Então é que os canalhas venceram?

Sem perceber, o canalha do teu lado bateu tua carteira, saiu correndo e pulou o muro do colégio de freiras carmelitas. Justo agora, quando você ia pagar a conta, e dar uma gorjeta pro desgraçado do garçom magro e mal nutrido, que engordou de repente, quando foi promovido a gerente do puteiro que você jamais freqüentou. Nesse exato momento, enquanto você olhava as pernas da filha gostosa da colega de trabalho do teu tio do TCU, o canalha saltou o alambrado do parque e gritou – pega ladrão, pega!



* Escrito na cidade de Brasília em 18 de novembro de 2005