segunda-feira, janeiro 15, 2007

Carta a um amigo distante


infante, desejavas crescer
para realizares os teus sonhos de conquista.
adulto, queres retornar ao país de tua infância.
não sabes o que queres.
queres apenas morrer, esquecer.
queres viver eternamente num mundo
que não é o teu. contudo, tens esperança
e agora teces um poema sem fim
com o novelo infinito de tua vida
que se desdobra do nada ao tudo...

Elmar Carvalho,
em "Vida in Vitro",
no livro “Lira dos Cinqüentanos”,
2006.


Estimado amigo Elmar, não sabes minha alegria ao receber tua carta, acompanhada do teu poema “Vida in Vitro”. Sim, Elmar, eu compreendo perfeitamente tudo que nele está escrito. Entendo tuas lembranças da infância, da busca da menina de uma noite de verão (ou inverno). E, principalmente, entendo quando escreves:

“no entanto
ainda não estás saciado,
esperas um milagre
mas não sabes se os milagres ainda existem,
estás perdido”


Sim, poeta, tantas vezes me senti assim, tal qual teu poema. Em busca de um milagre, de alguma que dure mais que um flerte. Quantas vezes não consigo dormir e vago com meus pensamentos e lembranças. Quantas vezes busco respostas para as perguntas que desconheço. E ando pelas ruas, cumprimento os amigos, olho as pessoas e não me vejo. Sempre buscando encontrar o local secreto combinado que esqueci, a palavra mágica, a menina que dançou comigo à beira da piscina na festa desconhecida e iluminada de lua...

Há algo, não sei explicitar, que lembra a poesia “beat” americana e um Drummond insone. Talvez seja a eterna busca da “noite que nunca acaba”, do copo que nunca seque, da mulher que nunca te abandone, do amigo que nunca traia a amizade, não sei. Mas alguma coisa em mim entende perfeitamente tua poesia. Quiçá seja os ecos de nossas conversas na velha Sunab, pois lembro termos falado sobre alguns sentimentos revelados na poesia.

A vida por aqui é uma descoberta diária. A Espanha de hoje na lembra Cervantes, mas brilha nas páginas de um Antonio Muñoz Molina. Entretanto, carrego o Brasil na alma. As lembranças de Teresina, do Piauí, nosso pobre Estado sem nenhuma sorte, do nosso país, me comovem. As comparações com o velho mundo são inevitáveis. Por que esta eterna incompetência para construir um grande país? Por que tanta corrupção, miséria, fome, indiferença e egoísmo?

Por que tanta falta de humildade, tanta falta de respeito pelo ser humano, tanta falta de vergonha na cara? Será este o legado que deixaremos aos nossos netos? Será este o Brasil que queremos para nós mesmos? Se todos cumprissem seu dever, se todos participassem com sua pequenina quota (não é necessário muito), tudo seria tão diferente.

A Universidade de Valencia, onde estudo, semana passada completou quinhentos anos. Isto mesmo, quinhentos anos de existência como universidade. E não é a mais antiga da Espanha, pois Salamanca é do século XIII.

Aproveitando a semana de festividades pelo aniversário da universidade, viajei à Portugal, cruzei o Algarves e o Alentejo de carro e fui até Lisboa. Você não imagina o quanto Portugal é pobre e bonito.

As palavras acabam e fica o convite para você cruzar o Atlântico e conhecer um pouco desta parte do mundo, onde com certeza encontrará uma casa acolhedora, um copo de vinho e um amigo que sempre gostou de conversar com você, pois sempre aprendeu muito com as sua lições.

Saudações à sua família e aos nossos amigos.

PS: Agora entendo porque o Oswald descobriu o Brasil desde Paris. É porque daqui se pensa demasiado em casa.


* Escrito na cidade de Valencia, Espanha, na primavera de 1999.