pra se guardar,
mesmo que o tempo
e a distância
digam não.
Mesmo esquecendo
a canção.
“A Canção da América”,
Milton Nascimento.
Viver é bom,
nas curvas da estrada,
solidão que nada.
Viver é bom,
partida e chegada,
solidão que nada.
“Solidão que nada”,
Cazuza.
Foram apenas dois anos de convivência diária entre processos administrativos, consultoria ministerial, aprendizagem política e muita camaradagem e gargalhadas. Dizem que família não escolhemos, mas os amigos sim. Então devemos ser rigorosos, pois só depende da gente.
Assim o planeta deu duas voltas ao redor do sol, enquanto nós aqui embaixo sacaneávamos meio-mundo, pondo apelidos nada carinhosos nos filhos-da-puta que cruzavam o caminho da assessoria jurídica e, principalmente, naqueles que cruzavam teu caminho com soberba, empáfia e alguma inveja. Naqueles que confundiam o trabalho em prol de um projeto de Brasil, de governo e de ministro, com seus próprios projetos pessoais. Botamos pra foder neles, lhes mostramos a força da inteligência aliada ao bom humor. Sim, fomos maiores que o Monty Phyton.
Lembro o primeiro dia que te encontrei. Eras exatamente tu, como hoje. Mas eu não era eu. Era apenas um curriculum vitae e uma recomendação. Alguém que recém chegado ainda não conhecia todos os códigos de conduta da capital federal, sua infinita ironia e jogo de cena. Era apenas mais um garoto de província tentando um lugar ao sol.
E o tempo foi passando. Separei-me e você me aconselhou algo em que acredito até hoje: “É preciso ter paz em casa, sem paz em casa a vida é uma merda”. Sábias palavras. Encontrei outras pessoas, a vida segue seu curso e a natureza humana é selvagem, você dizia. Mas sempre houve palavra amiga, apoio incondicional, confiança mútua e segurança.
Depois discutimos em nossas diferentes posições sobre o Direito, mas a vida voltou a correr perigo, tínhamos do que falar: “vida, louca vida, vida breve, já que eu não posso te levar, quero que você me leve”, diria o Cazuza. Quando vieram tentar usar títulos acadêmicos, dos quais sempre sorri, para forçar uma discórdia, eu, fruto de anos de educação jesuíta italiana, fui taxativo: “Aqui, nesta assessoria jurídica, há hierarquia. Batendo o martelo o chefe, não há outra tese possível”. Saíram com o rabo entre as pernas. Como cantaram os Novos Baianos “acabou chorare”.
E vieram as cachaças, os momentos de pura festa e alegria. Chegou o Rigón e muitas estórias que você nunca tinha contado. Foi o “diabo, o diabo”. O “Seu Elias”, o Márcio, o garçom goiano, o Iran arenista, .... lembra quando o “carioca” Frega entrou na nossa sala? Foi piada pra mais de mês.... hahahahaha. E ele depois foi aceito na “pandilla”, com toda nossa amizade.
Jamais esquecerei aquele dia em que você botou pra correr da nossa sala àquela anta de merda que te foi fazer inferno sobre alguém que eu até já esqueci. Nem tive dúvida, me levantei e fui apertar tua mão: “É uma honra, comandante, trabalhar contigo. Uma honra e um privilégio”. Recordo seu regresso de sua penúltima viagem à Europa em 2007, quando você concordou comigo de que o jornal espanhol “El País” era o melhor jornal do mundo. As “pérolas” que ouvimos, da melhor música, verdadeiramente popular e brasileira, que fazia o inferno dos evangélicos e pudicos.
Sua fidelidade às idéias e às pessoas que ama, seu ministro, Luis Carlos Prestes, seus sonhos libertários, seu perdão infinito para com aqueles que perderam a esperança neste mundo e seu desprezo por aqueles que aproveitaram de posições equivocadas pra não contribuir com nada. Você somente nunca perdoou aos covardes, àqueles que nunca tiveram nobreza no coração. É preciso saber distinguir entre o verdadeiro líder e aqueles que simplesmente exercem uma chefia, qualquer. Liderança se conquista, não se impõe.
O Brasil é imenso, um continente, um mundo, sozinho, ilhado através de uma língua difícil que nos separa mais que nos une. Norte, Sul, oxente e tchê. E nós representávamos exatamente a esse país, nas nossas origens, com todas as suas distâncias e seus medos. Não enfrentar os estereótipos significa apenas permanecer na burrice, essa sandice que abunda hoje em dia.
Os espanhóis, em sua infinita sabedoria daqueles que já tiveram um império, afirmam que “Deus faz e o diabo junta”. Ficou muita coisa. A sensação que’u deveria ter perguntado mais sobre um monte de coisas que’u preciso saber e que você, certamente, saberia me responder com sua maneira originalíssima de ver a vida, as pessoas e o mundo. Teria, certamente, me ajudado a ser melhor pessoa hoje.
De repente, eu olho pra Esplanada, vejo o Ricardo Peixoto, gente de nossa infinita estima, caminhando em minha direção, e certamente iremos almoçar em algum restaurante vegetariano, e falaremos sobre a atual conjuntura, falaremos do mundo, aprenderei algo inteligente sobre alguma coisa, trocaremos confidencias, riremos de alguém, serei melhor pessoa depois deste almoço, mas faltará você com toda sua “verve” neste momento. Você teria provocado o Ricardo com algum comentário sacana sobre algo, e eu teria sorrido da cena. Completamente felizardo, por compartilhar aquela mesa com vocês dois.
Há dias de chuva em Brasília e muitos dias de sol. O lago continua igual, vão construir outro prédio de apartamentos no Sudoeste e o Pão de Açúcar continua vendendo vinho avinagrado. Continuo comendo carne vermelha mal passada, sangrando, e acreditando que há mais “tabaréus” que camaradas neste mundo. Mas quanta falta, Comandante, quanta falta você fará por aqui, quanta falta.