quinta-feira, julho 24, 2008

C. B. Visitando a ‘madame’ Sarkozy


ENTREVISTA com Carla Bruni

JESÚS RODRÍGUEZ – El País - 20/07/2008
Tradução de Antonio de Freitas

É a primeira-dama da França e uma cantora de sucesso. Carla Bruni nos recebe em sua casa de Paris, o segredo melhor guardado da França, para falar de sua música e seu amor por Sarkozy.

A espera transcorre na cozinha da primeira-dama enquanto seu filho, Aurélien, de sete anos, brinca pelo jardim entre rosas molhadas de gotas de chuva de uma pancada de verão, e Teresa, a babá peruana, resmunga em castelhano: “Mi hijito, apúrate”. Carla Bruni, madame Sarkozy, habita numa bolha no coração do exclusivo distrito XVI de Paris. Um lugar secreto ao fundo de um beco com nome de cardeal, empedrado e sem saída, onde dois membros do Grupo de Segurança do Presidente, jovens e raspados, com jeans e pistolas ao cinto, descem pela rua, vindos do furgão onde estavam, quando detectam a presença de um estranho e lhe exigem sem cerimônia a documentação. Detrás do muro branco e da porta azul surge o segredo melhor guardado da República: o refúgio do casal presidencial. Um hotelzinho branco, antiquado, pequeno e luminoso, que poderia estar na Provença ou na Normandia, emoldurado num pequeno retângulo de erva. A entrada natural da casa atravessa a cozinha. É a alma da casa. Ali o silêncio é absoluto. Apenas os pássaros. Sobre uma mesa a correspondência pessoal do presidente, uma sanfona ardente e uma caixa para charutos decorada com a imagem do Che em esmalte vermelho e negro e uma vistosa frase autógrafa: “Hasta la victoria siempre”. Presente do Comandante.

É a casa de Carla Bruni; seu refúgio; no extremo oposto do palácio do Elíseu, a Chefia do Estado, onde seu marido, Nicolas Sarkozy, guarda o gatilho nuclear da força de choque francesa em plena rua do luxo parisiense. Além da distância geográfica, a residência de Madame (como os seguranças se referem a ela; ou ‘a artista’, como lhe denomina sua companhia de discos) estão nas antípodas do suntuoso estilo de vida bling bling do Faubourg Saint-Honoré e toda a pompa sarkozyniana. Esta casa é discreta, sóbria, cálida e cômoda. Sem obras de arte nem móveis intocáveis. Com piso de madeira sem verniz e teto infinito. Troncos a meio consumir na chaminé, uma lâmpada frouxa para ler e ‘To me’, o cachorro da anfitriã, dormindo entre o massacrado veludo ocre de um sofá. Uma casa de milionária sem bobagens. Seu castelo.

O curioso é que Carla Bruni, ex-top model planetária, ex-amante de Jagger, Trump e Clapton; cantora e compositora de sucesso, mulher anúncio e, desde o passado 2 de fevereiro (depois de um noivado relâmpago com Sarkozy transmitido ao vivo), primeira-dama da França, não oculta esse retiro fechado ao jornalista. O abre de par em par. “Nunca me escondo; não sei como se faz”.

Bruni não recebe na suíte de um hotel do centro da cidade, à distância de 15 minutos, por acesso rodeada de uma corte de assessores para cumprir a penosa obrigação de promover seu terceiro disco, que sai nestes dias à venda. Madame Sarkozy, de 39 anos, recebe sozinha. Em casa. Sem condições. Nem questionários prévios. Nem chamadas telefônicas intempestivas. Nenhuma contagem regressiva para concluir a entrevista quando deixar de interessar-lhe.

Madame Sarkozy recebe e se despede com um beijo e um sorriso. As únicas interrupções durante a entrevista serão as queixas de Aurélien, exigindo a sua mãe que lhe preste atenção. Madame lhe despacha firme.

Carla Bruni aparece na cozinha de surpresa. Abre a geladeira (abarrotado de iogurtes, água Perrier e comida para criança), pega uma cerveja e oferece outra. Bebe sua cerveja diretamente pelo gargalo. Acende um cigarro apoiada sobre o aparador. Conserva o porte etéreo daquela manequim que desfilou entre 1988 e final dos noventa para todos os grandes da moda. Veste um pequeno jérsei de cashmere cinza de manga curta de Dior, uma ampla calça azul e mocassim de Gucci. A única jóia é a mínima aliança de brilhantes no dedo anular esquerdo de umas mãos grandes, como seus pés. É alta e atlética. Com um físico de nadadora com curvas. Tem uma pele branca e cheia de sinais. Que se dobra em alguns lugares. Já não é uma menina. Porém quando se desliza ondulante pelo polido mármore enxadrezado do corredor ‘déco’, com a cabeça alta, o olhar perdido e o cigarro entre os dedos, um tem a sensação de vê-la sulcando de novo as grandes passarelas do mundo.

Sem embargo, seu rosto despista. É difícil de descrever. Belo, porém irreal. Luminoso, porém do tom e a pureza imóvel da cera. Leva a cara lavada e uma meia melena com reflexos cor a cobre que cai sobre sua cara e a oculta em parte. Tem uns olhos bailarinos azul acinzentados, ligeiramente puxados. O nariz está perfeitamente esculpido. A boca é pequena e quando ri descobre uns dentes talhados a mão. A voz é suave ainda que firme. Com uma leve rouquidão de fumante. Salta do inglês ao francês e ao italiano. Aceita e pratica a linguagem coloquial. Coisa rara num francês. Menos ainda se tratar da primeira dama da nação. “Não se esqueça que sou italiana. Bom, já não sou… sou francesa… já não sei nem o que sou”.

Deixou-me entrar na su casa para falar de seu terceiro disco, “Comme si de rien n’était”. O que você gostaria que as pessoas soubessem sobre ele? O que realmente eu gostaria de explicar é que fazer um disco, escrever e plasmar o que queres, é sempre uma sorte; um refugio frente a realidade da vida. Porém fazer este disco ao mesmo tempo em que estava casando e com toda a sobrecarga mediática que tínhamos em cima, me proporcionou um refugio ainda maior; um refúgio indestrutível. Fazer este disco representou uma das épocas mais agradáveis e mais cálidas de minha vida. Porque à medida que minha vida se fez mais pública para o exterior, eu tive mais ainda que proteger meu interior. Desdobrei-me. Meti-me numa bolha. E a música e escrever canções converteram para mim em algo mais essencial do que era antes. No meu refugio frente a um exterior que me superava.

Quando começou a trabalhar nele? Comecei a escrever há um ano e terminei de gravá-lo em fevereiro. O mês que nos casamos.

O título do disco, ‘Comme si de rien n’etait’, (‘Como se não passasse nada’) se interpretou como uma metáfora de sua curiosa situação como cantora e, ao mesmo tempo, como primeira dama da França… Esse título é o de um retrato de meu irmão Virgilio que está dentro do disco; porém, efetivamente, é algo mais, descreve muito bem como fizemos o disco. O fizemos como se não houvesse passado nada, ilhados. Livres. Isso é importante para mim e por isso escolhi esse título.

É uma homenagem para seu irmão? Um pouco. Morreu de HIV há três anos. Tinha 45. Eu lhe amava muito. Era meu irmão mais velho. Sua vida era navegar. Há uma canção dedicada a ele, uma valsa, ‘Salut marin’, na qual lhe desejo uma boa singradura.

Por que um disco agora? Muitos pensavam que não ia voltar a cantar… Que depois de seu casamento com o presidente da França você entrava numa nova etapa de sua vida. Tive muita sorte com minha companhia discográfica ao editar meu primeiro disco, porque tive sucesso e vendemos, e então tive a oportunidade de fazer um segundo disco, ‘Promises’, e um terceiro, que é este. Tudo vem do primeiro, não é uma idéia ia que nos tenha surgido agora… Não é nada forçado. Por que fiz este disco? Porque é meu trabalho e tenho a sorte de poder fazê-lo.

Questionou-se se era bom para a carreira política de seu marido? Não lhe dei nenhuma volta. Não gastei nem um minuto em pensá-lo. Escrevi todas as canções e tínhamos data para a gravação antes de toda a confusão, e nunca, na medida do possível, rompo um compromisso.

Ninguém a pressionou desde o palácio do Eliseu? Ninguém lhe disse que não era o momento? Ninguém interferiu nas minhas decisões. A ninguém lhe importa.

Alguns meios de comunicação dizem que seu disco favorece a carreira política do presidente num momento em que sua imagem pública está muito deteriorada; outros, pelo contrario, pensam que lhe prejudica. O deputado socialista Pierre Moscovici chegou a afirmar que sua presença mediática como cantora “é, sem dúvida, parte de uma operação de reconquista da opinião pública pelo Chefe do Estado”. Pensa que sua carreira musical influi na vida política do presidente? Tenho muito pouca influencia na vida política do meu marido, que é uma coisa muito séria, um trabalho muito serio que tem que ver com assuntos muito sérios e não tem nada que ver comigo. Do que estou segura é de que ao ser sua mulher, minha vida pode enriquecer-se mais porque posso aprender muito e ajudar às pessoas.

A popularidade de seu marido no seu primeiro ano de mandato caiu embicado. Acredita que essa baixa nas pesquisas tem algo que ver contigo? Tem a ver com os tempos difíceis que correm para as pessoas na França. Tem a ver com o fato de que ele quer mudar muitas coisas e as pessoas não gostam de tanta mudança. Há muito imobilismo. Tem a ver com a economia, que está numa situação difícil. Tem a ver com os combustíveis, que estão muito caros… Porém, não tem a ver comigo. Não sou tão importante.

O presidente apoiou a sua decisão de lançar este disco? Todo o tempo. É difícil para ele, porque tem um trabalho muito duro e necessita uma esposa que esteja ao seu lado, porém também sabe que me tem incondicionalmente e me apóia.

Como? Deixando-me tranqüila quando necessito tempo; estando comigo quando perco a confiança; animando-me quando me deprimo (porque quando escrevo fico louca); empurrando-me quando fico preguiçosa. Em tudo, como qualquer esposo. Meu marido e eu não somos diferentes de outros casais.

Você firmou contrato com a sua companhia por três discos. Este será o último? Não.

Sem embargo, li que durante o tempo em que o presidente Sarkozy estiver no cargo, ou seja, ao menos durante este qüinqüênio, não pensa fazer mais discos… Se me chega a inspiração, farei outro disco. Se as pessoas se importam com o que faço; se não choca à opinião pública, se não molesta aos cidadãos, farei discos até morrer.

Não lhe incomoda que o juízo da crítica sobre seu trabalho, para bem ou para mal, seja tudo menos musical? O que mais me preocupa na vida é a indiferença. Quero que gostem ou que não gostem, com maiúsculas, porém que não deixe a ninguém indiferente.

O problema é que considere bom ou mau por sua qualidade artística, não porque seja a esposa do presidente da República. Tem razão, porém eu fazia discos antes de conhecer a meu marido e já me julgaram antes de conhecer a meu marido. Escrevia canções antes de acontecer a meu marido e espero poder seguir fazendo até morrer.

Carla Bruni pesa suas palavras com uma balança de precisão. Conta e não conta. Responde às perguntas comprometidas com frases curtas. Se refere a Sarkozy como “meu marido”, nunca como Nicolas ou o presidente. Não levanta a voz. Não se agita. É de uma calma zen. Joga com a ambigüidade. Como se estivesse relatando a vida de outra pessoa. Como se a primeira dama não fosse ela. Como se tudo fosse um jogo. Uma aventura. O salão, onde transcorre a entrevista, está aberto para o jardim e repleto de discos. Clash, Stones, Lou Reed, Bob Dylan, Gainsbourg, Brassens, Antony and the Johnsons, Cat Power, Portishead. E de livros. Borges, Proust, Maupassant, Balzac, Ibsen, Joyce, Proust, Verlaine. Sobre a mesa, entre uma confusão de papéis, um livro a meio ler do filósofo Ráphaël Enthoven, pai de seu filho. E o caótico velho caderno azul de colegial onde escreve suas canções: “Preferivelmente de noite, sozinha, aqui e com uma cervejinha”. Num canto, o velho piano Steinway de seus pais: ele, Alberto Bruni Tedeschi, rico industrial de Torino e compositor de óperas; ela, a bailarina e pianista Marisa Borini. As raízes de sua paixão pela arte e, sobretudo, pela música.
Seu disco está feito com a cabeça ou com o coração? Não há discos feitos com a cabeça. No meu caso seria impossível. A cabeça não é importante na música.

Como é seu processo de criação? Quando escrevo uma canção, o faço desde a confusão que rege um momento de minha existência; navego nesse desconcerto até que necessito precisar algo e então escrevo a canção. Cada canção põe palavras a uma confusão; depois me sinto aliviada.

Um disco é algo mais que um produto? Pode que seja um produto para a discográfica; para mim não o é. Para mim é o que dá sentido a minha vida, a expressão do que sinto… o melhor trabalho que poderia ter.

Foi livre ao fazê-lo? Fez o disco que queria? Sou totalmente livre quando canto e quando componho. Talvez demasiado livre…

Não ficaram canções no tinteiro porque não lhes pareceu conveniente a seus assessores? Nunca levo em conta estas considerações, nunca penso na opinião de outras pessoas. No que convém e o que não convém. Posso cometer um erro, porém é como sou. Se considerasse tudo em profundidade, se lhe desse muitas voltas, nunca faria nada de nada.

Se pode adivinhar como é ‘madame’ Sarkozy através de seu disco? Provavelmente, porém não é uma eleição deliberada. Creio que tudo o que se faz, tudo o que se escreve, é um auto-retrato. Inclusive quando você escreve sobre mim, está fazendo seu auto-retrato. O ser humano é assim.
Porém quanto as polêmicas letras de suas canções vazaram à imprensa, todo mundo as interpretou em plano autobiográfico. Há que escutá-lo como uma confissão? Tudo o que posso dizer sobre mim, o mais profundo, digo nas minhas canções e me alegro de que as interpretem do modo que seja; não me queixo. Que cada um as interprete como queira. Não posso controlá-lo; ademais, eu não gosto de controlá-lo. Não sou controladora. O que eu gosto é que as pessoas interpretem minhas canções. E nesse sentido tenho muita sorte.

Essa mulher enamorada, apaixonada, infantil, divertida, bucólica e um pouco frívola que desenha nas suas letras é ou não é você? Não é exato que escreva sobre mim; melhor dizer que escrevo através de mim, através do que sinto. Escrevo sobre você, ou sobre aquele, porém sempre sou eu, porque sou a que escreve. Não é que tente desenhar-me, tento escrever sobre o que sinto, e sai de mim como um jorro.

Há outro exercício que fizeram os meios de comunicação que é averiguar se cada canção de amor está escrita ‘antes’ ou ‘depois’ de que aparecesse Sarkozy na sua vida. Incomoda-lhe? Minhas canções têm muita sorte de conseguir toda esta atenção. Encanta-me.

A questão é que conhecemos todas as suas conquistas desde que tinha 20 anos pelos meios de comunicação. Não lhe incomoda? Para nada, tive uma vida e aí está.

Porém há famosos que ocultam tudo… Que se escondem que negam… Está certo, porém eu não posso fazê-lo. E como não posso e nem sei fazê-lo, pois não me oculto e convivo bem com isso. Inclusive estou contente de não haver ocultado a historia de amor com meu marido. Estamos contentes. Não poderia ser de outra forma.

Podemos repassar algumas canções para que me indique que parte é a autobiográfica? Claro.
Em ‘Ma jeunesse’ se refere a sua juventude perdida? Sim, senhor, ‘Ma jeunesse ‘se refere a minha própria juventude.

É uma canção nostálgica? A juventude é uma página que se passa. Não é triste passar a página, é necessário; não se pode estar toda a vida na mesma página.

Outro tema que deu muito que falar é ‘Je suis une enfant’ (‘Sou uma menina’), na qual fala de seus quarenta anos e seus trinta amantes… E é certo, sou uma menina; uma menina velha… E não posso evitar. Há amigos que ficaram mais velhos e são sábios e ministros. Porém eu não sou sábia. Sou ignorante.

E os 30 amantes? Você é uma ‘donjuán’?; Por certo, vi as memórias de Giacomo Casanova na sua biblioteca… Sou uma mulher normal. E se alguém me compara com Casanova, é que não leu suas memórias.

Você sempre foi livre e muito sincera na expressão de suas relações sentimentais. Sentiu-se vítima do machismo durante estes primeiros meses como primeira dama? Vivemos numa sociedade machista, porém isso está mudando. Não sei o que haveria passado no caso contrario: se uma presidenta houvesse casado com um cantor, porque creio que, em geral, os homens são mais aceitos que as mulheres. E, sobretudo, que um homem seja independente é mais aceito por nossa sociedade que se tratasse de uma mulher como eu.

Outra canção, ‘La possibilité d’une île’. Escreveu Michel Houllebecq. Encantam-me as suas novelas, e me encantam seus poemas. E como é a adaptação de um texto seu, que adoro, é sua historia. Eu só pus a música. Porém, tem algo meu: é uma canção de amor.

Falando de amor, vamos a ‘L’amoureuse’, uma das últimas canções que compôs; das que, segundo parece, se desenvolveu ‘depois de’ conhecer a Sarkozy. Essa ‘enamorada’ é você? Sim. É uma canção sobre os primeiros momentos do amor, quando tudo muda em teu entorno, quando tudo se agita. É um sentimento que conhece todo mundo. Talvez o amor seja a única verdadeira razão da vida.

‘Tu es ma came’ (‘És minha droga’). O amor é sua droga? É uma canção bonita que já havia escrito há bastante tempo; é uma canção sobre o amor apaixonado. Esse amor desesperado de quando alguém necessita da outra pessoa como se tratasse de uma droga; um verdadeiro vício.

Um vício pra toda vida? Espero que sim.

Por certo, esta canção, na que você afirma que seu amante é mais mortal e perigoso que a “heroína afegã” e a “branca colombiana”, provocou a queixa formal do ministro de Assuntos Exteriores da Colômbia, que afirmou que essa letra, na boca da esposa do presidente da França, é muito dolorosa para Colômbia… Ohhh, creio que quando as pessoas escutarem a canção se darão conta de que a polêmica foi devido à situação na qual me encontro. E não tem nada que ver com a canção.

Não a entendo… Muito simples. A reação dessas pessoas não procede da canção em si. Nem do que disse. E, por tanto, estou tranqüila. Essa confusão procede de gente que não escutou a canção. Quando escutarem a canção, se são normais, se darão conta de que na foi a canção, mas esta situação de que eu estou casada com o presidente da República francesa, o que provocou sua reação. Porém isso não me concerne como música. Não me afeta. Há que fazer uma distinção clara entre a primeira dama e a artista.

Outro tema que pode suscitar polêmica é como você trata a religião nas suas canções: sempre unida ao amor. Nas suas canções fala de Deus, o pecado de amar, Satanás, o inferno… e o amor. Porém não são canções religiosas, faço canções laicas, muito longe da religião. ‘Péché d’envie’ [pecado de desejos] é uma canção que fala de um pecado: o pecado de ter desejos de muitas coisas, de comer-se o mundo. E logo digo que espero que Deus ou o Diabo me perdoe desse pecado de querer amar e viver. É uma canção laica.

Não tem você um lado místico? Para nada.
É religiosa? Totalmente laica.
Volúvel? De grandes penas e de alegrias? Sou muito tranqüila. Nunca me levo momentos maus. Sou como parece que sou. Deixo que as coisas fluam.

Sigamos com suas canções. Por exemplo, ‘Le temps perdu’. É muito bonita, soa ‘anos cinqüenta’, porém é um pouco triste… Eu gosto dessa sensação de que o tempo passa rápido, me encanta perdê-lo. Sou uma Profissional de perder o tempo.

Uma ‘top model’ que não teme que o tempo passe? Sou uma ex-top model. Meu tempo passou. Uma manequim é como um desportista de elite: a partir dos 30 está morta. E a partir dos 35 tens a cara que mereces. Não podes esconder-te. Tenho medo a envelhecer porque quero correr, porque não quero morrer, porque não quero enfermar. Porque não quero ver morrer às pessoas que amo. Porém não é um problema de ser mais ou menos bela.

Sua vida é um exemplo de reciclagem. Quando lançou seu primeiro disco, ‘Quelqu’un m’a dit’, em 2002, pensei: “Outra ‘top model’ em decadência tentando continuar no ‘show busines”, porque as experiências anteriores de Claudia Schiffer ou Naomi Campbell ou Kate Moss fazendo-se de artistas eram muito ruins. Contudo, seu disco era muito bom. Você é um exemplo de reciclagem profissional, de um sucesso atrás de outro sucesso… Os humanos agora têm vidas muito longas. Há um século, as pessoas morriam aos trinta, e agora vivemos até os cem. Não é que haja reciclado minha vida: simplesmente vivo. E a vida me deu esta possibilidade e a aceito encantada.

Essa evolução foi um processo natural? Quando começas na moda, ninguém te engana: tens que ter claro que deixarás de ser modelo quando chegues a uma idade determinada, assim que simplesmente encontrei outro trabalho. Foi assim de simples. Não o forcei. Aconteceu.

Porém nessa profissão de modelo, que foi a sua durante mais de dez anos, é fácil ficar louca de fama, e logo, mais louca ainda ao cair no esquecimento… Eu não. As pessoas vêem de fora o que é ser uma manequim, as festas e as viagens e as fotos, e lhes dá inveja, mas não é o que eu queria que fosse minha vida. Eu lia. E pensava em outras coisas. O que sempre quis é ser séria.

Como era de menina? Dizem que era bonita e inteligente. Mas eu me lembro tímida e sonhadora.

Tinha sucesso com os rapazes? Uhmm, a partir dos 16. Antes não. Na verdade, quando cresci, tentava ter sucesso com os rapazes e com as garotas. Atrair-lhes. Ser querida por todos.

Necessidade de auto-afirmação? Absolutamente.

E agora? Agora também. É o mesmo que então. Minha eterna necessidade de estar bem frente aos demais, de convencer.

Deve ser esgotador… Sim, porém não é culpa minha. É como sou, devo admiti-lo.

Você lê na imprensa tudo o que se escreve sobre você? Não posso. É demasiado. Porém às vezes sim o faço.

Tem sentido de humor? Quando se metem contigo e seu marido, ri ou se magoa…? Só leio para rir. Senão, morreria.

Por exemplo, o semanário satírico ‘Le Canard Enchaîné’ publica um diário apócrifo seu, ‘Le journal de Carla B’, onde você chama a seu marido ‘taconcito mimo’… Tudo me faz sorrir. ‘Le Canard Enchaîné’ e ‘Le Monde’. Tudo é muito agradável. Estão muito bem escritos. E são muito divertidos. Muito divertidos.

Seu marido não parece ter o mesmo sentido de humor, a julgar por algumas saídas de tom… Ele se protege completamente. Eu não; eu não necessito proteger-me. Não me afeta.

E essa confiança? De menina mimada pela vida? Não sou uma mimada, sou uma lutadora.

Porém tudo lhe saiu bem: uma boa família, dinheiro, bons estudos, uns pais cultos; ‘top model’, amante de sucesso; cantora de sucesso; primeira-dama. É como um conto de fadas. Tenho muita sorte, mas isso não afugenta os problemas ou os desastres. Todo mundo tem problemas, todo mundo tem desastres. Ninguém pode dizer desde fora se és feliz ou não. Parece um conto de fadas, mas é uma vida. E teus desastres ninguém os conhece. Somente você.

Mas você é a imagem do sucesso… Não. Sou a imagem do trabalho, porque poderia haver me conformado com o que tinha quando nasci. O que me faz mais feliz é o trabalho que fiz desde que tinha 18 anos.

Teve que trabalhar muito para se adaptar a esta nova situação como primeira-dama? A que todo mundo observa com lupa cada um de seus atos? Preocupa-me muito não decepcionar as pessoas; tento ser muito cuidadosa quando represento a França, sobretudo porque sou italiana. Bom, já tenho o passaporte francês, mas sempre fui italiana. Em qualquer caso, não tomo meu papel como um drama, mas como uma aventura.

Desnudou-se demasiado neste disco? Arrepende-se de haver contado demasiadas coisas sobre você? Somente me envergonho das coisas que não fiz.

Não a incomoda que todos nos tenhamos convertido em ‘voyeurs’ de sua vida e a de seu marido? Ninguém vê minha vida real. Ninguém sabe na verdade como vivemos.

Nem sequer um pouco? Tenho muitíssima vida privada e, ainda que as pessoas não acreditem, é cada vez maior. Cada vez vivemos uma vida mais privada.

Como consegue ter dois chapéus tão diferentes, o de cantora boêmia e o de recatada esposa de presidente? Não é algo esquizofrênico? Não te enlouquece? É muito simples, tenho dois chapéus, mas a cabeça que há debaixo é a mesma: a minha, a de sempre.

Muita gente não compreende como se pode compaginar o ofício de primeira dama com o de artista. Ser primeira-dama consistia até agora em estar casada com o presidente. E estar a seu lado. Até agora! Eu tenho claro que devo representar a meu país no tempo público. Mas também tenho claro que o tempo público é muito breve. Assim que só tenho que comportar-me bem durante um breve tempo público. E creio que estou fazendo bem. Há outra coisa que pode fazer uma primeira-dama, e é ajudar às pessoas, porque é uma posição muito privilegiada e podes pensar nas pessoas que não tem tanta sorte. Assim que ambas as coisas são muitos fáceis de compaginar, porque ser músico é um trabalho distinto dos outros, porque o fazes de uma vez, realizas tudo de uma vez e paras. E podes deixar durante meses ou anos. Pelo que ao final não há nenhuma incompatibilidade, só é questão de planificação, de calendário, de organizar-se. È muito fácil.

Fácil? Ser primeira-dama não é uma tarefa que leve demasiado tempo nem muito trabalho, inclusive no caso de que estes trabalhando em jornada completa. Mais ou menos consiste em estar com teu marido e ajudar aos demais através da vida pública, mas não é um trabalho de verdade, não é como ir ao escritório todos os dias. E escrever canções tampouco é como ir ao escritório todos os dias. Minha função, que é a de ser mulher do presidente, e meu trabalho, que é o de fazer canções, pode compaginar-se porque não ocupam todo meu tempo e posso fazer uma coisa e outra. Agora estou com o disco e não tenho demasiado tempo para ser primeira-dama, mas irei a Israel em viagem oficial e logo depois ao Japão e ao G-8. Faço o que tenho que fazer, e o faço com seriedade, e no resto do tempo faço minha música. E quando termine de fazer minha música, como não irei de turnê com o disco, dedicarei toda minha energia a ser uma perfeita primeira-dama.

E depois está seu filho Aurélien, que vive uma situação que não deve ser muito fácil para um menino. Como vai educá-lo para que este redemoinho mediático não lhe respingue? É uma pergunta que me faço todos os dias. Eu gostaria que fosse feliz, que tivesse uma moral; eu gostaria entendesse o sentido do esforço, e que tivesse consciência de sua situação privilegiada. Que não lhe suba à cabeça.

Disse que Bono, o vocalista do U2, é para você a referência de como alguém famoso pode fazer coisas pelas pessoas. Bono não é só uma referência, deveria ser um exemplo para todo mundo porque está dedicando muito tempo e energia a ajudar aos demais.

O que gostaria de fazer pelos demais? Eu gostaria de utilizar minha posição para ajudar às pessoas; fazer o que possa para ajudar às pessoas, porque há muita gente a que ajudar.

Pode explicar um pouco? Por exemplo, quando fomos à África do Sul vimos um hospital na Cidade do Cabo num bairro segregado que era para tratar os doentes de AIDS, e para se fazer as provas, porque as pessoas desses bairros não querem fazer as provas. Assim que meu marido e eu decidimos abrir 10 hospitais, porque em cada um deles se atende a 10.000 pessoas ao mês, que é muita gente. De modo que posso arrecadar dinheiro para isso; posso encontrar as pessoas que o financiem, posso pedir a meu marido que me ajude. E também vou ceder todos os lucros dos direitos do meu disco, ainda não sei a qual organização, mas quero me assegurar de que o dinheiro deste disco vai para as pessoas necessitadas. E apoiar todo tipo de ações nas que se use meu nome e minha imagem para abrir portas. É claro que não vou fazer nada político, mas humanitário. Não sou política.

Pelo que vejo, com essa calma, dá a sensação de que sua vida não mudou… Minha agenda mudou um pouco, porém não minha vida. É a mesma. Minha casa é a mesma. Esta casa. E não a deixarei. Gostamos.

Mesmo assim, não vai fazer uma turnê musical. Porque há problemas de segurança; é muito complicado…

Vi os seguranças quando entrava na sua casa. Mudou muito sua vida com relação à segurança? É incomodo? O dia a dia não, apenas influi; porém se faço uma turnê e concertos com muita gente, é muito complicado.

Por que se casou? Por que complicou a vida? Por que, sendo uma pessoa tão livre, deu este passo? Porque estou enamorada.

Sim, mas você já havia vivido com outros homens; havia tido a seu filho, e nunca havia dado o passo... Em alguma ocasião comentou que era alérgica ao matrimonio. Bom, Nicolas pediu que me cassasse com ele e ademais é o presidente da França, e os cidadãos não gostam que ele não esteja casado.

Pensou muito? Não. Queríamos nos casar logo, foi incrível. Na verdade, não pensamos em nos casamos, simplesmente o fizemos. Foi automático.

Ele tampouco pensou? Se és presidente, o primeiro que pensas seriamente é se te divorcias de teu cônjuge anterior. Muitos presidentes evitaram se divorciar para não impactar nas pessoas. Ninguém havia divorciado antes e muitos mantiveram uma vida dupla para não incomodar a seus eleitores. Nicolas é uma pessoa normal. Não mente para ser presidente. É uma forma mais moderna de enfocar sua vida e sua carreira. Não teve que eleger entre ter uma vida e ser presidente, tem as duas coisas, por isso é tão moderno.

Moderno? Sim. E totalmente livre. É livre. Creio que é a palavra que melhor lhe define. Senão, não havia casado com alguém como eu.

Mas é um político conservador… Meu marido não é conservador. Não corresponde à idéia que eu tinha de um conservador. Os demais em seu partido podem até ser, nós não.

Dá a sensação de que você se aburguesou… Se tornou mais conservadora nos últimos meses? Para nada. Bom, quando me reúno com a rainha da Inglaterra, não vou levar um vestido sexy, isso está claro. Se isso é ser conservadora, eu sou. Ainda que o veja como uma questão de respeito.

Você estava fantástica com a rainha vestida a Jackie Onassis. Você gostou? Oh, obrigado. Vamos à Espanha no outono. Convidaram-nos. Outra família real, Deus meu!

A da Espanha é outra coisa… A família real inglesa também é muito humana. Porém tem um protocolo tão estrito… A princesa da Espanha era jornalista, não? Deixou de trabalhar? Que pena. Quero falar com ela. Parece adorável. Ela e o príncipe são de minha geração. Tenho muita vontade de conhecer-lhes. E as duas meninitas.

Você sempre se vangloriou de votar na esquerda, se definiu como “epidermicamente de esquerdas”, inclusive apoiou a Ségolène Royal nas últimas eleições presidenciais na França. Seguirá votando na esquerda? Sempre votei na Itália, porque fui italiana até há dois meses, e agora votarei na França. Nunca votei na França. Portanto, quando chegue o momento, já verei em quem voto.

terça-feira, julho 15, 2008

"Ganhamos" - Daniel Cohn-Bendit


ENTREVISTA com Daniel Cohn-Bendit
Deputado Europeu e protagonista do Maio de 68

"Ganhamos"
ANDREU MISSÉ – El País - 11/05/2008
Tradução de Antonio de Freitas

Daniel Cohn-Bendit (Montauban, França, 1945) é a referência mais importante do Maio de 68. E segue sendo 40 anos depois, porém agora com novos horizontes: com os desafios da globalização, a mudança climática e a imigração. Talvez por isso acredite que há que virar a página daquela rebelião, como explica em seus livros ‘Forget 68’ e ‘La rebelión del 68’, este último em colaboração com Rüdiger Dammann e que publicará proximamente na Espanha ‘Global Rhythm Press’. Com sua lucidez e estilo provocador, Cohn-Bendit, hoje co-presidente do grupo ‘Os Verdes’ do Parlamento Europeu, resume aqueles anos com um categórico: "Ganhamos", e inclui na relação dos beneficiários o presidente francês, Nicolas Sarkozy.

P. Você sustenta que o Maio de 68 não foi uma revolução, mas uma rebelião.
R. Em todos os debates sobre o Maio de 68 é recorrente se questionar se foi uma revolução. Para mim foi uma rebelião. Sobretudo, uma rebelião antiautoritária que teve lugar um pouco por todas as partes. A rebelião de uma juventude que havia nascido depois da guerra e se revolvia contra o tipo de sociedade imposta pelas gerações da guerra. Os rebeldes eram diferentes na Polônia, nos Estados Unidos, na França ou na Alemanha, porém o coração foi precisamente esta rebelião antiautoritária.

P. Qual é a diferença?
R. A revolução supõe uma análise clássica que põe sempre na vanguarda o problema da tomada do poder, quando precisamente a maioria das pessoas que estavam na rua queriam tomar o poder sobre suas vidas, e não o poder político. Por isso, a palavra rebelião é mais adequada.

P. Os ‘sessentaeoitistas’ substituem consignas revolucionarias clássicas, como "abaixo o capitalismo", por outras idéias como "é proibido proibir", "gozar sem travas", "a burguesia não tem outro prazer que destruí-los todos" ou "seja realista, peça o impossível". Que significa esta mudança?
R. Acredito que as palavras de ordem tradicionais continuam existindo. Porém o que é novo, o que é precisamente esta novidade surrealista e que dá uma expressão poética à revolta, sobretudo à de Maio de 68, é sua radicalização antiautoritária.

P. Sarkozy é um liquidador da herança de 68 ou um produto contrariado de 68?
R. Sarkozy é um ‘sessentaeoitistas’ contrariado. Reivindica para ele uma liberdade de vida que é completamente de ‘sessentaeoitista’, porém que não tem nada que ver com sua política. Seu ataque contra o Maio de 68 é um ataque ‘contra natura’, pois ele se beneficia de tudo o que é do Maio de 68. Há 40 anos, um homem duas vezes divorciado não poderia ser presidente da República, era impossível.

P. Em certa medida, o que sugere é que os movimentos de liberação de 68 são os que permitiram o triunfo de um personagem como Sarkozy.
R. Sim. O movimento de 68 mudou de tal maneira a sociedade, que um homem como Sarkozy pode ser presidente.

P. Por que os movimentos de liberação relacionam o imperialismo estadunidense e o totalitarismo soviético?
R. Creio que uma das dimensões fundamentais da França de 68 foi a de pôr juntos, um ao lado do outro, o capitalismo e o comunismo. O Maio de 68 é o principio da desconstrução do comunismo.

P. Para muitos, o Maio de 68 representa a revolta da vida cotidiana, a eclosão da música, a nova relação entre homens e mulheres, a vida, a sexualidade...
R. O Maio de 68 queria precisamente que os indivíduos reivindicassem sua liberdade de vida cotidiana, que integra precisamente a música e uma nova visão lúdica da vida.

P. Sugere você que os revolucionários querem o poder político, enquanto que os rebeldes de 68 queriam o poder sobre suas vidas?
R. Isto mesmo. E ademais muitos revolucionários querem o poder sobre os outros, enquanto que os rebeldes de 68 o querem sobre sua própria vida.

P. O Maio de 68 supõe o fim das revoluções e o principio dos movimentos de liberação?
R. O Maio de 68, de fato, demonstra que o ciclo das revoluções dos séculos XIX e XX se acabou. E que hoje estamos num processo de transformação das sociedades, embora isto não queira dizer que as rebeliões hajam acabado. Porém, as revoltas empurram à transformação e a modernização da sociedade. E o mito da revolução, da tomada do poder, é algo que precisamente desapareceu.

P. As eleições, "uma armadilha para trouxas"? Ou você defende as instituições democráticas?
R. Há que ir com cuidado. Seguramente em 1968 foi difícil imaginar outra solução que a de boicotar as eleições. Porém, fundamentalmente o que havia detrás era una incompreensão do que é o espaço institucional como garantia da democracia.

P. O Maio de 68 foi um movimento da juventude contra as gerações anteriores? Tinham razão porque eram jovens?
R. Não, eu não creio que as gerações do pós-guerra tiveram razão. Os jovens nem sempre tem razão. Por exemplo, também os jovens nas universidades fizeram a revolução hitlerista. Não tinham razão por ser jovens.

P. O Maio de 68 permite o triunfo do feminismo contra o machismo generalizado, incluído o da esquerda?
R. Visto que há uma reivindicação precisamente da apropriação de sua vida, e de sua autonomia, as mulheres se enfrentam ao machismo esquerdista e também ao dos homens do interior do movimento.

P. ‘Gaullistas’ e comunistas, ganhadores ou perdedores da rebelião de Maio de 68?
R. A longo prazo, perdedores; a curto prazo, ganhadores. Creio que foram vitorias pírricas para os ‘gaullistas’ e os comunistas, e que o matiz antiautoritário da greve os varreu aos dois.

P. França segue sendo um país imobilista, centralista e reacionário à evolução?
R. Sim, porém de uma maneira totalmente diferente. Ainda que os problemas históricos continuem, é outra sociedade.

P. Ainda há reflexos destas estruturas em empresas tão influentes como EDF?
R. Sim, é um reflexo de que o jacobinismo francês tem uma determinada idéia dos serviços públicos. No modelo francês, os serviços públicos estão muito ligados a uma concepção estatal do social, que está a caminho de explodir e ninguém deseja pôr algo em seu lugar.

P. Quarenta anos depois daquele Maio, o que se ganhou?
R. Temos outra sociedade. Por um lado, é mais livre, porém tem outros problemas. Em Maio de 68 não se conhecia a AIDS, o desemprego, nem a degradação climática. A globalização desbocada que existe hoje tampouco se conhecia. Assim, pois, temos uma sociedade com uma liberdade muito maior e ao mesmo tempo se enfrenta a problemas de outra dimensão.
P. Você disse também que há de esquecer o Maio de 68. Que quer dizer com isto?
R. Simplesmente quero dizer que o Maio de 68 foi formidável, porém hoje os desafios são outros. Nos enfrentamos a outro mundo, outros problemas e os instrumentos da rebelião não respondem aos problemas de hoje.

P. Alguns consideram que certas idéias do Maio de 68 podem ser úteis, ainda.
R. Sim, porém o que me interessa são as idéias de democracia, dos direitos do homem e etc. Não me interessam tanto as raízes das idéias, ainda que haja gente que segue com o impulso do Maio de 68. Houve muita energia, muito desejo de liberdade e tudo isto continua e continuará. Porém, como são outras gerações as que fazem política, querer ver tudo o que ocorre através das lentes do Maio de 68 não faz avançar a ninguém.

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Daniel Cohn-Bendit
De Wikipedia, la enciclopedia libre

Daniel Cohn-Bendit es un
político alemán, nacido el 4 de abril de 1945 en Francia, que se dio a conocer primero por su tendencia anarquista que luego cambió a la de ecologista. Fue adjunto del alcalde de Fráncfort del Meno y actualmente es portavoz del grupo de Los Verdes en el Parlamento Europeo. Fue uno de los principales líderes de Mayo del 68.

Vida
Daniel Cohn-Bendit (llamado Daniel, el Rojo por los medios de comunicación en 1968) nace en Montauban, Francia, el 4 de abril de 1945 de padres alemanes de origen judío, fue apátrida hasta la edad de 18 años cuando tomó la nacionalidad alemana para no hacer su servicio militar. Luego de terminar el Abitur, en 1965, retorna a Francia donde comienza sus estudios de sociología en la Universidad de Nanterre.

Miembro de la Fédération Anarchiste de Francia, deja esta organización en 1967 con el groupe anarchiste de Nanterre para ir en Noir et Etron. Es uno de los líderes del movimiento universitario del Mayo del 68. Después de su protagonismo durante los acontecimientos de Mayo del 68 es expulsado del territorio francés, y prohibido su regreso al territorio hasta 1978, se fue a vivir a Alemania donde deja la vida política.

En 1981, rompe con el anarquismo militando por la elección de cómico Coluche a la presidencia de la República (francesa). En 1986, oficializa su abandono de la perspectiva revolucionaria en su libro: Nous l'avons tant aimé, la Révolution (La revolución, y nosotros que la quisimos tanto). A esta fecha, su hermano mayor, Gabriel Cohn-Bendit lo hace entrar en el partido Les Verts (partido ecologista francés).

Situación actual

En 2004, Daniel Cohn-Bendit es diputado al Parlamento Europeo para representar a los verdes; es el portavoz del Los Verdes Europeos, partido político creado en febrero 2004. Milita por el federalismo europeo.

Enlaces externos
Site oficial de Daniel Cohn-Bendit (en francés, inglés e alemán)

domingo, julho 06, 2008

Eu nunca disse que a abertura do comércio seria boa para todos ao mesmo tempo


Entrevista com PASCAL LAMY
Diretor Geral da Organização Mundial do Comércio - OMC

"Eu nunca disse que a abertura do comércio
seria boa para todos ao mesmo tempo"

C. DELGADO / C. PÉREZ – El País - 06/07/2008

Tradução de Antonio de Freitas

A hora da verdade. Agora ou nunca. A última oportunidade. A eterna última oportunidade que aparece sempre para as negociações sobre a Rodada Doha para reduzir as taxas aduaneiras e as subvenções e liberalizar o comercio mundial. Este ano não é uma exceção. Pascal Lamy (Levallois-Perret, França, 1947) se apresenta em Madri para cruzar idéias sobre a crise alimentar. Ao mesmo tempo, aquele que é Diretor Geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), está metido na preparação da enésima última oportunidade para a Rodada Doha.

Os sucessivos fracassos desde 2001 para avançar na abertura comercial foram a tônica tanto do mandato de Lamy -desde 2005- como anteriormente, frente ao choque entre os países em desenvolvimento e as grandes potencias mundiais. Porém, em que pese viver atracado num jogo de puxa e afrouxa entre países, Lamy não perdeu a esperança. "Esta vez é diferente", sentencia. A crise alimentar, paradoxalmente, incrementa as probabilidades de sucesso. O Diretor confia em que a reunião de 21 de julho em Genebra criará as bases para um acordo definitivo no final do ano. E, em que pese às recentes declarações de um marcado matiz protecionista do presidente francês, Nicolas Sarkozy, Lamy é consideravelmente otimista: "Minha sensação é que se pode fazer".

P. A próxima reunião da OMC em Genebra é a última oportunidade... outra vez?
R. O objetivo é concluir a negociação no final do ano, para o qual necessitamos chegar a um acordo sobre os 20 temas que a compõem. E minha sensação é que se pode fazer. Se não sentisse que se pode fazer, não haveria convocado os ministros.

P. Que probabilidades há?
R. Eu creio que mais de 50%. Porém é necessária uma vontade política, que acredita que existe. Temos que encontrar o equilíbrio adequado entre os 152 membros; mais concretamente, o equilíbrio adequado entre os países em vias de desenvolvimento e os desenvolvidos. Trata-se de reequilibrar o sistema comercial a favor dos primeiros. E para isso, a negociação tem duas caras: uma técnica e outra política. Se a negociação tem sucesso, ambas se solucionarão. Se fracassar, nem a solução técnica nem a política sairão adiante.

P. Como pode afetar a negociação a crise alimentar?
R. Esta crise tem muitas arestas: requer soluções a curto e a longo prazo, de natureza estrutural e conjuntural, e ademais não tem um conserto rápido. Podemos tratar alguns problemas básicos, como o desequilíbrio entre oferta e demanda. Não se pode reduzir a demanda, assim que a solução passa por aumentar a oferta. Isso se pode fazer mais rápido e com maior eficácia nos países em vias de desenvolvimento. Sua capacidade de produção se viu obstaculizada por distorções do comercio mundial: subvenções às exportações e ao comércio interior, taxas aduaneiras elevadas... E aqui esta a contribuição que a OMC pode fazer. Podemos fazer que as regras do comércio mundial sejam mais justas.

P. As crises de fome dos últimos meses são conseqüência do fracasso da OMC e de outras instituições multilaterais?
R. Eu não diria isso. É uma crise muito complexa, é uma espécie de tormenta global, que não existiria se uma serie de fatores estruturais e conjunturais não houvessem acontecido simultaneamente.

P. Muitos países respondem à crise com mais protecionismo.
R. O protecionismo não é a solução. Se um país começa a proteger-se a si mesmo, os demais vão fazer o mesmo, e ao final haverá menos possibilidade de que os produtores acessem aos mercados globais. E nesse caso haverá menos investimentos, e com menos investimentos, menos produção, como num círculo vicioso.

P. Seria mais fácil sem Bush?
R. Na OMC não elegemos os Governos.
Esta Administração dos EUA disse oficialmente que quer encerrar esta negociação antes que termine o ano. Agora, como todos os demais negociadores, acrescentarão condições, porque são cautos. Não cederão a qualquer preço. Ninguém vai encerrar o trato a qualquer preço.

P. O problema é o Ocidente ou os países em desenvolvimento?
R. Se escutamos os 152 negociadores, hoje todos estão dizendo: 'Ummh, ainda não. Pago muito e não recebo demasiado'. Isso ocorre quando falas com eles um por um. E ao final desse processo não sobra mais remédio que pensar: 'Que lugar tão estranho: todos pagam muito e recebem pouco. Deve haver um buraco negro em alguma parte'.

P. Com os sucessivos fracassos dos últimos anos, um acordo seria quase um milagre...
R. Após quase sete anos de negociação se fizeram progressos enormes. O que havia encima da mesa noutras ocasiões e o que há agora é como a noite e o dia.

P. A reforma da política agrária européia lhe agrada?
R. Não estou no negócio de opinar sobre uma política em particular, estou no mundo da negociação comercial multilateral.
A União Européia reformou sua política em 1992, 1999, e em 2003, sempre na direção de conceder menos subvenções e subsídios que distorcem o comércio. Nas reformas da União Européia há uma sensação de direção, de compromisso.

P. Economistas como o vencedor do Prêmio Nobel Joseph Stiglitz criticam vários aspectos da globalização. Em sua opinião, a liberalização talvez não seja a única maneira de solucionar este tipo de problema. Concorda?
R. Se entendi bem a Stiglitz, o que disse não é que o problema seja a globalização, senão como enfrentar-se à globalização, como abordá-la. Eu nunca disse que a abertura do comercio seja muito boa para todo o mundo ao mesmo tempo, norte, sul, leste, oeste, ricos, pobres ou classe média. A abertura comercial, como a tecnologia, reorganiza os sistemas. Eu creio acima de tudo que a abertura comercial é melhor que a restrição comercial; que por cima de tudo, a quantidade de ganhadores é maior que a de perdedores, mas eu nunca disse que isto ocorra como um milagre.

P. É otimista?
R. O que sou é ativista.

Doha, outra vez

Dia 21 de julho. Outro dia de nervos para Pascal Lamy. Outra reunião, que outra vez parece ser definitiva. Uns trinta ministros dos países chave na negociação da OMC sobre a abertura do comercio (conhecida como a Rodada Doha) se reunirão para tentar tomar a decisão final. Assistirão, entre outros, representantes do Brasil, EUA, México e a União Européia. Quase todos são positivos. O primeiro é Lamy. Porém, Lamy já era positivo em 2007, quando prognosticou que conseguiriam um acordo antes do final desse ano.

Doha começou em 2001. É herdeira da rodada anterior, a do Uruguai, que terminou sem um acordo sobre comercio agrícola. Um obstáculo com o qual ainda hoje tropeçam. "Os temas mais importantes para julho são a redução das subvenções à agricultura, as taxas aduaneiras agrícolas e as taxas aduaneiras industriais, ademais de algum avance nos serviços", repassa Lamy.

E o que ocorre se a reunião segue sem haver acordo? Talvez seja o fim da rodada, talvez só outra morte que levará a outra ressurreição. Porque Doha já morreu em 2006 e em 2007. "Todas as negociações de comercio deste tipo tiveram altos e baixos", justifica o diretor. "A negociação final será inevitavelmente longa, porque tomamos as decisões por total consenso, e são 152 membros falando sobre 20 temas". No fundo, Lamy encontra uma vantagem em tanta lentidão. "É um sistema para decidir controvertido, complexo, aberto aos que causam problemas, mas ao final do dia tudo isso faz que seja muito sólido".