Uma única nação cultural
Felipe González e William Ospina dialogam sobre o grande valor ibero-americano
JAVIER LAFUENTE – El País - Madrid - 07/10/2008
Tradução de Antonio de Freitas
É possível que a política e a economia tenham conseguido distanciar a Espanha da América Latina, ou vice-versa, durante os últimos 200 anos. Destarte o escritor colombiano William Ospina sustenta que só através da cultura se pode romper essa divisão. "Assim, somos uma nação e não 20 nações; é nossa riqueza continental", remarcou ontem durante a apresentação em Madri do ‘Festival VivAmérica’ junto ao ex-primeiro ministro espanhol Felipe González e à secretária de Estado para Ibero-américa, Trinidad Jiménez.
Para González, a cultura é "a única dimensão de potência global" que une a Espanha aos países ibero-americanos. O poeta colombiano, defensor da América Latina como o epicentro da primeira grande globalização, disse que, há dois séculos, os líderes da independência não se esforçaram tanto por romper com a Europa, mas por "romper com uma Espanha não suficientemente moderna nem européia". Agora, 200 anos depois, o desafio interno da região e sua relação com a Espanha "não passa por ser idênticos: há que dialogar".
"Ali começou a globalização", insistiu Ospina. A razão: a região possui elementos de muitas culturas de diversas partes do mundo que, com o tempo, lograram arraigar-se e formar uma cultura comum. "Não basta uma invasão militar, uma conquista, para que uma língua se arraigue e se converta em algo mais íntimo", matizou o ensaísta. Aqui está a grande riqueza continental de cultura ibero-americana. "Ainda que a [Jorge Luis] Borges lhe acusassem de ser muito europeu, na realidade é muito latino-americano, muito argentino; o que ocorre é que Argentina é o país dos emigrantes".
O bicentenário da independência que vários países celebram entre 2008 e 2010 foi o motivo do encontro que mantiveram Ospina e González e que lançou o ‘Festival VivAmérica’, que se celebra esta semana com mais de 250 atividades culturais em Madri, Bogotá e Tenerife.
Partindo da dificuldade que, como reconheceram, leva a avaliar estes dois séculos de independência, de ver os logros que se conseguiu e os desafios do futuro, com relação a estes últimos, Felipe González remarcou a necessidade de romper uma inércia que sobrevive na região: "Se vive de costas ao vizinho e de cara ao mundo". Ou o que é o mesmo: as relações entre os países da América Latina são praticamente nulas ou, quando muito, complicadas. "Uma estrada integra mais que 20 discursos ideológicos", asseverou o ex primeiro ministro espanhol.
Para Ospina, o Bicentenário servirá para valorar "não só o que passava há 200 anos, mas também o que passou durante estes dois séculos". Avaliar os logros e as tarefas pendentes não será simples. Para isso, haverá que colocar a vista atrás, mas também para frente, "perspectiva e prospectiva", enfatizou o ensaísta colombiano, que recordou que "sempre foi mais fácil falar de amor, fraternidade e igualdade na França da Revolução que na América dos escravos". Ademais desta e outras reflexões, Ospina confia que a efemérides possa cumprir uma dívida histórica da região: a incorporação da cidadania ao sistema. "O maior problema que temos não é que haja guerrilhas ou paramilitares, mas uma cidadania incapaz de parar tudo isso".