terça-feira, novembro 25, 2008

A mesa desordenada de Albert Einstein


A mesa desordenada de Albert Einstein

Periodista Digital – Ciencia y Medio Ambiente – 25-11-08

Tradução de Antonio de Freitas

(PD).- Pilhas de papeis, envelopes e fórmulas escritas pela metade. Estas imagens da mesa de Albert Einstein em seu escritório de Princeton foram publicadas pela revista ‘Life’ em 1955, poucos meses antes de sua morte.

Nelas - como nos explica
Aberrón en Fogonazos- podemos contemplar um quadro-negro cheio de equações, um montão de revistas velhas e até seu próprio cachimbo abandonado momentaneamente sobre um dos cadernos.

Se alguém presta atenção pode ver o que parece um tinteiro, alguns livros, um exemplar de uma revista de Filosofia e até um cinzeiro de cristal.

Debaixo dos montões de papeis se vislumbram canetas perdidas e cartas sem abrir, documentos que talvez contenham a chave da teoria unificada, na qual investiu sem sucesso os últimos anos de sua vida. No centro da imagem há uma fotografia do que parece uma praça, sem pessoas. Em que estava pensando Einstein minutos antes que chegasse o fotógrafo?

Sobre as vantagens e incovenientes de se ter uma mesa desordenada já se escreveram autênticos tratados, alguns dos quais sustentam que o caos pode ser mais produtivo que uma ordem demasiada estrita. Contudo, nada como a citação atribuída ao próprio Einstein para pôr as coisas no seu lugar: "Se uma mesa abarrotada é sintoma de uma mente abarrotada, então o que devemos pensar de uma vazia?"

segunda-feira, novembro 17, 2008

Comunicado final da Cúpula do G-20

Comunicado final da Cúpula do G-20

O G-20 é formado pela 19 maiores economias do planeta e a União Européia: África do Sul, Alemanha*, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá*, China, Coreia do Sul, Estados Unidos*, França*, Índia, Indonésia, Itália*, Japão*, México, Reino Unido*, Rússia, Turquia *(G7).

O G-20 declarou neste sábado, 15 de novembro, “decidido a reforçar sua cooperação” para restaurar o crescimento mundial e reformar o sistema financeiro, em um comunicado oficial divulgado ao término da reunião de cúpula, em Washington.

No documento, os líderes do grupo - cujos países representam 85% da economia mundial - se comprometem a aplicar medidas fiscais para estimular as economias nacionais, e lista seis áreas que devem ser priorizadas antes de 31 de março de 2009.

DECLARAÇÃO

ENCONTRO SOBRE MERCADOS FINANCEIROS E ECONOMIA MUNDIAL


1. Nós, líderes do Grupo dos Vinte, conduzimos uma reunião inicial em Washington em 15 de novembro de 2008, em meio aos sérios desafios à economia do mundo e aos mercados financeiros. Estamos determinados a reforçar nossa cooperação e trabalhar juntos para restaurar o crescimento global e alcançar as reformar necessárias nos sistemas
financeiros mundiais.

2. Nos últimos meses nossos países têm tomado medidas urgentes e excepcionais para apoiar a economia global e estabilizar os mercados financeiros. Esses esforços devem continuar. Ao mesmo tempo, devemos criar as bases de reformas para ajudar a assegurar que uma crise global, como essa de agora, não ocorra novamente. Nosso trabalho será guiado pela visão compartilhada de que os princípios do mercado, comércio aberto, regimes de investimento e mercados financeiros efetivamente regulados estimulam o dinamismo, inovação e empreendedorismo que são essenciais para o crescimento da economia, emprego e redução da pobreza.

Raízes e causas da atual crise

3. Durante um período de forte crescimento global, crescimento no fluxo de capital e prolongada estabilidade no início desta década, os participantes
do mercado procuraram retornos maiores sem uma adequada avaliação dos riscos e falharam em adotar os procedimentos de due diligence. Ao mesmo tempo, padrões fracos de subscrição, práticas não saudáveis de gerenciamento de risco, produtos financeiros cada vez mais opacos e complexos, e consequente alavancagem excessiva combinaram para criar vulnerabilidade no sistema. Os formuladores de política, reguladores e supervisores em alguns países desenvolvidos, não avaliaram adequadamente os riscos que se criavam nos mercados financeiros, o ritmo com a inovação financeira, ou levaram em conta as ramificações sistêmicas das ações regulatórias domésticas.

4. Dentre os fatores principais para a atual situação estão, entre outros, insuficientes e inconsistentes políticas macroeconômicas coordenadas, reformas estruturais inadequadas, que levaram a insustentáveis conseqüências macroeconômicas. Esses desenvolvimentos, juntos, contribuíram para excessos e resultaram no final em severos rompimentos do mercado.

Ações tomadas e a serem tomadas

5. Temos tomado fortes e significativas ações até o momento para estimular nossas economias, oferecer liquidez, reforçar o capital de instituições financeiras, proteger poupanças e depósitos, reparar deficiências regulatórias, descongelar mercados de crédito e estamos trabalhando para assegurar que instituições financeiras internacionais (IFIs) possam oferecer apoio crucial para a economia global.

Mas é preciso fazer mais para estabilizar os mercados financeiros e estimular o crescimento econômico. O impulso econômico está desacelerando substancialmente nas principais economias e a perspectiva global se enfraqueceu. Muitas economias emergentes, que ajudaram a sustentar a economia mundial nesta década, ainda gozam de bom crescimento, mas cada vez mais são impactadas pelo desaquecimento global.

7. Contra este cenário de deterioração das condições econômicas, concordamos que uma resposta mais ampla de política é necessária, baseada em cooperação macroeconômica mais próxima para restaurar crescimento, evitar espirais negativas e apoiar as economias emergentes e países em desenvolvimento. Como medidas imediatas para atingir esses objetivos
, bem como enfrentar desafios futuros, iremos:

Continuar nossos vigorosos esforços e tomar mais ações que forem necessárias para estabilizar o sistema financeiro.

Reconhecer a importância do apoio da política monetária, conforme apropriado para condições domésticas.

Usar medidas fiscais para estimular a demanda doméstica com efeito rápido, como apropriado, enquanto se mantém uma política que conduza à estabilidade fiscal.

Ajudar economias emergentes e em desenvolvimento a obter acesso aos financiamentos nas difíceis atuais condições financeiras, incluindo através de instrumentos de liquidez e programas de apoio. Ressaltamos o papel importante do Fundo Monetário Internacional (FMI) em resposta à crise, saudamos sua nova linha de liquidez de curto prazo e apelamos para que a atual revisão de seus instrumentos assegure flexibilidade.

Encorajar o Banco Mundial e outros bancos multilaterais de desenvolvimento (MDBs, na sigla em inglês) a usarem sua capacidade total para apoiar seu plano de desenvolvimento, e elogiamos a recente introdução de novos instrumentos pelo Banco Mundial nas áreas de infra-estrutura e negociação financeira.

Garantir que FMI, Banco Mundial e outros MDBs tenham recursos suficientes para continuar desempenhando seus papéis na superação da crise.

quinta-feira, novembro 06, 2008

Discurso completo de Barack Obama - Presidente eleito dos EUA

"Olá, Chicago!

Se alguém aí ainda duvida de que os Estados Unidos são um lugar onde tudo é possível, que ainda se pergunta se o sonho de nossos fundadores continua vivo em nossos tempos, que ainda questiona a força de nossa democracia, esta noite é sua resposta.

É a resposta dada pelas filas que se estenderam ao redor de escolas e igrejas em um número como esta nação jamais viu, pelas pessoas que esperaram três ou quatro horas, muitas delas pela primeira vez em suas vidas, porque achavam que desta vez tinha que ser diferente e que suas vozes poderiam fazer esta diferença.

É a resposta pronunciada por jovens e idosos, ricos e pobres, democratas e republicanos, negros, brancos, hispânicos, indígenas, homossexuais, heterossexuais, incapacitados ou não-incapacitados.

Americanos que transmitiram ao mundo a mensagem de que nunca fomos simplesmente um conjunto de indivíduos ou um conjunto de estados vermelhos e estados azuis.

Somos, e sempre seremos, os Estados Unidos da América.

É a resposta que conduziu aqueles que durante tanto tempo foram aconselhados por tantos a serem céticos, temerosos e duvidosos sobre o que podemos conseguir para colocar as mãos no arco da História e torcê-lo mais uma vez em direção à esperança de um dia melhor.

Demorou um tempo para chegar, mas esta noite, pelo que fizemos nesta data, nestas eleições, neste momento decisivo, a mudança chegou aos EUA.

Esta noite, recebi um telefonema extraordinariamente cortês do senador McCain.

O senador McCain lutou longa e duramente nesta campanha. E lutou ainda mais longa e duramente pelo país que ama. Agüentou sacrifícios pelos EUA que sequer podemos imaginar. Todos nos beneficiamos do serviço prestado por este líder valente e abnegado.

Parabenizo a ele e à governadora Palin por tudo o que conseguiram e desejo colaborar com eles para renovar a promessa desta nação durante os próximos meses.

Quero agradecer a meu parceiro nesta viagem, um homem que fez campanha com o coração e que foi o porta-voz de homens e mulheres com os quais cresceu nas ruas de Scranton e com os quais viajava de trem de volta para sua casa em Delaware, o vice-presidente eleito dos EUA, Joe Biden.

E não estaria aqui esta noite sem o apoio incansável de minha melhor amiga durante os últimos 16 anos, a rocha de nossa família, o amor da minha vida, a próxima primeira-dama da nação, Michelle Obama.

Sasha e Malia amo vocês duas mais do que podem imaginar. E vocês ganharam o novo cachorrinho que está indo conosco para a Casa Branca.

Apesar de não estar mais conosco, sei que minha avó está nos vendo, junto com a família que fez de mim o que sou. Sinto falta deles esta noite. Sei que minha dívida com eles é incalculável.

A minha irmã Maya, minha irmã Auma, meus outros irmãos e irmãs, muitíssimo obrigado por todo o apoio que me deram. Sou grato a todos vocês. E a meu diretor de campanha, David Plouffe, o herói não reconhecido desta campanha, que construiu a melhor campanha política, creio eu, da história dos Estados Unidos da América.

A meu estrategista chefe, David Axelrod, que foi um parceiro meu a cada passo do caminho.

À melhor equipe de campanha formada na história da política. Vocês tornaram isto realidade e estou eternamente grato pelo que sacrificaram para conseguir.

Mas, sobretudo, não esquecerei a quem realmente pertence esta vitória. Ela pertence a vocês. Ela pertence a vocês.

Nunca pareci o candidato com mais chances. Não começamos com muito dinheiro nem com muitos apoios. Nossa campanha não foi idealizada nos corredores de Washington. Começou nos quintais de Des Moines e nas salas de Concord e nas varandas de Charleston.

Foi construída pelos trabalhadores e trabalhadoras que recorreram às parcas economias que tinham para doar US$ 5, ou US$ 10 ou US$ 20 à causa.

Ganhou força dos jovens que negaram o mito da apatia de sua geração, que deixaram para trás suas casas e seus familiares por empregos que os trouxeram pouco dinheiro e menos sono.

Ganhou força das pessoas não tão jovens que enfrentaram o frio gelado e o ardente calor para bater nas portas de desconhecidos, e dos milhões de americanos que se ofereceram como voluntários e organizaram e demonstraram que, mais de dois séculos depois, um Governo do povo, pelo povo e para o povo não desapareceu da Terra.

Esta é a vitória de vocês.

Além disso, sei que não fizeram isto só para vencerem as eleições. Sei que não fizeram por mim.

Fizeram porque entenderam a magnitude da tarefa que há pela frente. Enquanto comemoramos esta noite, sabemos que os desafios que nos trará o dia de amanhã são os maiores de nossas vidas - duas guerras, um planeta em perigo, a pior crise financeira em um século.

Enquanto estamos aqui esta noite, sabemos que há americanos valentes que acordam nos desertos do Iraque e nas montanhas do Afeganistão para dar a vida por nós.

Há mães e pais que passarão noites em claro depois que as crianças dormirem e se perguntarão como pagarão a hipoteca ou as faturas médicas ou como economizarão o suficiente para a educação universitária de seus filhos.

Há novas fontes de energia para serem aproveitadas, novos postos de trabalho para serem criados, novas escolas para serem construídas e ameaças para serem enfrentadas, alianças para serem reparadas.

O caminho pela frente será longo. A subida será íngreme. Pode ser que não consigamos em um ano nem em um mandato. No entanto, EUA, nunca estive tão esperançoso como estou esta noite de que chegaremos.

Prometo a vocês que nós, como povo, conseguiremos.

Haverá percalços e passos em falso. Muitos não estarão de acordo com cada decisão ou política minha quando assumir a presidência. E sabemos que o Governo não pode resolver todos os problemas.

Mas, sempre serei sincero com vocês sobre os desafios que nos afrontam. Ouvirei a vocês, principalmente quando discordarmos. E, sobretudo, pedirei a vocês que participem do trabalho de reconstruir esta nação, da única forma como foi feita nos EUA durante 221 anos, bloco por bloco, tijolo por tijolo, mão calejada sobre mão calejada.

O que começou há 21 meses em pleno inverno não pode acabar nesta noite de outono.

Esta vitória em si não é a mudança que buscamos. É só a oportunidade para que façamos esta mudança. E isto não pode acontecer se voltarmos a como era antes. Não pode acontecer sem vocês, sem um novo espírito de sacrifício.

Portanto façamos um pedido a um novo espírito do patriotismo, de responsabilidade, em que cada um se ajuda e trabalha mais e se preocupa não só com si próprio, mas um com o outro.

Lembremos que, se esta crise financeira nos ensinou algo, é que não pode haver uma Wall Street (setor financeiro) próspera enquanto a Main Street (comércio ambulante) sofre.

Neste país, avançamos ou fracassamos como uma só nação, como um só povo. Resistamos à tentação de recair no partidarismo, na mesquinharia e na imaturidade que intoxicaram nossa vida política há tanto tempo.

Lembremos que foi um homem deste estado que levou pela primeira vez a bandeira do Partido Republicano à Casa Branca, um partido fundado sobre os valores da auto-suficiência e da liberdade do indivíduo e da união nacional.

Estes são valores que todos compartilhamos. E enquanto o Partido Democrata conquistou uma grande vitória esta noite, fazemos com certa humildade e a determinação para curar as divisões que impediram nosso progresso.

Como disse Lincoln a uma nação muito mais dividida que a nossa, não somos inimigos, mas amigos. Embora as paixões os tenham colocado sob tensão, não devem romper nossos laços de afeto.

E àqueles americanos cujo apoio eu ainda devo conquistar, pode ser que eu não tenha conquistado seu voto hoje, mas ouço suas vozes. Preciso de sua ajuda e também serei seu presidente.

E a todos aqueles que nos vêem esta noite além de nossas fronteiras, em Parlamentos e palácios, a aqueles que se reúnem ao redor dos rádios nos cantos esquecidos do mundo, nossas histórias são diferentes, mas nosso destino é comum e começa um novo amanhecer de liderança americana.

A aqueles que pretendem destruir o mundo: vamos vencê-los. A aqueles que buscam a paz e a segurança: apoiamo-nos.

E a aqueles que se perguntam se o farol dos EUA ainda ilumina tão fortemente: esta noite demonstramos mais uma vez que a força autêntica de nossa nação vem não do poderio de nossas armas nem da magnitude de nossa riqueza, mas do poder duradouro de nossos ideais: democracia, liberdade, oportunidade e firme esperança.

Lá está a verdadeira genialidade dos EUA: que o país pode mudar. Nossa união pode ser aperfeiçoada. O que já conseguimos nos dá esperança sobre o que podemos e temos que conseguir amanhã.

Estas eleições contaram com muitos inícios e muitas histórias que serão contadas durante séculos. Mas uma que tenho em mente esta noite é a de uma mulher que votou em Atlanta.

Ela se parece muito com outros que fizeram fila para fazer com que sua voz seja ouvida nestas eleições, exceto por uma coisa: Ann Nixon Cooper tem 106 anos.

Nasceu apenas uma geração depois da escravidão, em uma era em que não havia automóveis nas estradas nem aviões nos céus, quando alguém como ela não podia votar por dois motivos - por ser mulher e pela cor de sua pele.

Esta noite penso em tudo o que ela viu durante seu século nos EUA - a desolação e a esperança, a luta e o progresso, às vezes em que nos disseram que não podíamos e as pessoas que se esforçaram para continuar em frente com esta crença americana: Podemos.

Em uma época em que as vozes das mulheres foram silenciadas e suas esperanças descartadas, ela sobreviveu para vê-las serem erguidas, expressarem-se e estenderem a mão para votar. Podemos.

Quando havia desespero e uma depressão ao longo do país, ela viu como uma nação conquistou o próprio medo com uma nova proposta, novos empregos e um novo sentido de propósitos comuns. Podemos.

Quando as bombas caíram sobre nosso porto e a tirania ameaçou ao mundo, ela estava ali para testemunhar como uma geração respondeu com grandeza e a democracia foi salva. Podemos.

Ela estava lá pelos ônibus de Montgomery, pelas mangueiras de irrigação em Birmingham, por uma ponte em Selma e por um pregador de Atlanta que disse a um povo: "Superaremos". Podemos.

O homem chegou à lua, um muro caiu em Berlim e um mundo se interligou através de nossa ciência e imaginação.

E este ano, nestas eleições, ela tocou uma tela com o dedo e votou, porque após 106 anos nos EUA, durante os melhores e piores tempos, ela sabe como os EUA podem mudar.

Podemos.

EUA avançamos muito. Vimos muito. Mas há muito mais por fazer. Portanto, esta noite vamos nos perguntar se nossos filhos viverão para ver o próximo século, se minhas filhas terão tanta sorte para viver tanto tempo quanto Ann Nixon Cooper, que mudança virá? Que progresso faremos?

Esta é nossa oportunidade de responder a esta chamada. Este é o nosso momento. Esta é nossa vez.

Para dar emprego a nosso povo e abrir as portas da oportunidade para nossas crianças, para restaurar a prosperidade e fomentar a causa da paz, para recuperar o sonho americano e reafirmar esta verdade fundamental, que, de muitos, somos um, que enquanto respirarmos, temos esperança.

E quando nos encontrarmos com o ceticismo e as dúvidas, e com aqueles que nos dizem que não podemos, responderemos com esta crença eterna que resume o espírito de um povo: Podemos.

Obrigado. Que Deus os abençoe. E que Deus abençoe os Estados Unidos da América".

Discurso completo do Presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Obama, diante de mais de 100 mil pessoas no Grant Park de Chicago (Illinois), às 23h locais, 3h da madrugada do dia 05 de novembro de 2008, horário de Brasília.

terça-feira, novembro 04, 2008

Todo Obama


Todo Obama

LLUÍS BASSETS – El País - 01/11/2008

Tradução de Antonio de Freitas

Os dois livros publicados pelo candidato democrata nas eleições de terça-feira nos EUA possuem uma escrita brilhante e esclarecedora. Aí está seu ideário político, seu estilo conciliador, sua empatia pelas opiniões alheias e também um recorrido vital mais radical que suas idéias.

Tão difícil quanto conduzir a própria vida é conduzir a própria biografia. Em política, é más freqüente tropeçar com o político que é vítima de sua biografia que o contrario, uma biografia que apareça como a cuidada construção de uma personalidade sob cujo controle se desenvolve tanto a escrita sobre sua peripécia vital como a própria peripécia vital que lhe serve de base. Barack Obama, esse político que combina uma oratória emotiva e cálida com uma personalidade fria e tranqüila, é na atualidade um exemplo de maestria autobiográfica que permite modelar a própria vida como uma cuidada narração. Esta circunstância tem maior relevância no caso do candidato democrata à presidência dos Estados Unidos porque esta eleição e este tempo são os da utilização da vida como mensagem política. A mensagem política que funciona na época pós-ideológica e pós-política tem a forma de um relato aceitável e funcional que os cidadãos podem utilizar como identificador e orientador em suas vidas e em seus comportamentos eleitorais. O político pós-moderno necessita contar com uma potente biografia, capaz de sintonizar com as maiorias que devem lhe apoiar, e ao mesmo tempo, deve saber contar suas idéias políticas através de relatos, de historias concretas, com rostos, nomes, sobrenomes e alento vital.

Barack Obama demonstrou até agora que está extraordinariamente dotado para a política contemporânea. Em primeiro lugar, porque quando tinha apenas 33 anos e apenas podia intuir que algum dia se dedicaria à política parlamentar e chegaria a brigar pela presidência dos Estados Unidos, soube escrever uma indagação sobre sua identidade pessoal e familiar, dando-lhe a forma de um relato autobiográfico, que se converteu num sucesso editorial. Mais tarde, porque soube pôr sua própria historia biográfica a serviço de uma rápida e brilhante carreira política, cuja coroação entranha de novo um elemento narrativo potentíssimo: se vencer será o primeiro afro-americano que chega à presidência de um país em cuja fundação pesara decisivamente os grandes proprietários rurais escravagistas, travou uma guerra civil por causa da escravidão e até a década dos sessenta manteve leis segregacionistas.

O talento político de Obama é, diretamente, talento narrativo. Sabe contar sua própria vida e suas idéias como fruto de sua experiência vital e sabe utilizar as historias de vidas, as biografias, como apólogos que lhe servem para discutir e transmitir suas idéias políticas. É o escritor dos dois livros que publicou até agora e é também o escritor de muitos de seus discursos, que ademais se nutrem muito claramente de seus livros e se encaixam como uma luva em sua narrativa. Assim ocorre com seu discurso na Convenção Democrata de 2004, com o qual se fez conhecido em todo os Estados Unidos, com seu discurso de lançamento de sua candidatura presidencial em Springfield em 10 de fevereiro de 2007 ou com uma peça de oratória como seu discurso sobre a raça, já durante a campanha eleitoral, em resposta à crise provocada pelos sermões extremistas de seu mentor espiritual, o pastor Wright. Os ‘ghostwriters’ que trabalham com ele se parecem mais aos negros da oficina de Alexandre Dumas que aos ‘escreventes’ de discursos da maioria dos políticos, normalmente incapazes de escrever diretamente de sua mão uma peça de oratória e menos ainda um livro.

O resultado, ademais de brilhante, é muito útil. Todo Obama está ai. Tudo junto, cada episódio tem seu papel, tudo é coerente; não há que temer que responda a uma influência estranha ou sobrevinda: suas idéias políticas, seu estilo conciliador e dubitativo, sua empatia pelos pontos de vista alheios, incluídos os mais reacionários, o papel da identidade familiar na modelagem da própria vida ou a importância do sentido de pertencer a algo na fabricação da cidadania. Só com uma leve exceção, digna de ser sublinhada: seu itinerário vital é mais radical que suas idéias. A vida de Obama é a de um militante afro-americano, um advogado dos despossuídos, um agitador social e político que decide participar na vida parlamentar e aspira alcançar o máximo poder possível para pôr suas idéias em prática. Suas idéias, ao contrário, muito reflexivas e dialéticas, fruto da discussão e de uma boa capacidade de escuta, são muito moderadas e centristas, movidas quase sempre por um impulso conciliador. Obama não é o negro airado prototípico porque desde muito jovem, provavelmente desde o final de sua adolescência, se esforçou por distanciar sua vida e seu caráter desta imagem negativa.

“A origem dos meus sonhos” é uma excelente narração autobiográfica que interessou ao leitor norte-americano muito antes que seu autor se projetasse na política nacional. A indagação sobre o pai, que abandonou sua família quando o autor tinha dois anos e não voltou a vê-lo, a não ser de forma muito esporádica oito anos mais tarde, se converte ademais numa indagação sobre a identidade afro-americana, ainda na estela de ‘Raízes’, de Alex Haley, a novela que se converteu num seriado televisivo de impacto espetacular em 1977.

“A Audácia da esperança: reflexões sobre a reconquista do sonho americano” escrito ao começar sua carreira de senador em Washington e publicado em 2006, é um livro mais diretamente político, no qual também se percebe o talento pedagógico do professor de direito constitucional e um claro lampejo de ambição presidencial. Num e noutro não faltam alguns episódios pouco convincentes, resolvidos com talento narrativo que não consegue maquiar a vontade de fabricar uma imagem positiva de seu autor: em seu contato com a religião, por exemplo. O mesmo sucede com algum vazio, que já foi destacado, sobre seus anos em Nova York. Mas tampouco faltam episódios de sinal contrario de sincera expressão conflitante, alguns dos quais já foram aproveitados por seus rivais eleitorais. Em ambos há material suficiente para ir confrontando vida e literatura até agora e a partir de agora.

O nome do autor, do artista, é um elemento essencial na obra literária. É a marca que há que vender e que deve encaixar com o que significa. No caso de Obama é uma marca controvertida e discutível, que lhe dá pé também a uma pequena historia. Em setembro de 2001, segundo conta em ‘A Audácia da esperança: reflexões sobre a reconquista do sonho americano’, organizou um almoço com um consultor político que de cara lhe mostrou o quanto havia piorado as coisas para Obama depois do ‘11 de Setembro’: "É realmente muita má sorte. Agora, é claro, você não pode mudar de nome. Os votantes suspeitam deste tipo de coisa. Talvez se estivesse no principio da carreira poderia utilizar um pseudônimo ou algo assim, mais agora ...". Com este nome triunfou na edição e dentro de 72 horas tentará fazê-lo na historia.

Livros

A origem dos meus sonhos – ISBN: 9788573125948;

A Audácia da esperança: reflexões sobre a reconquista do sonho americano (The Audacity of hope: Thoughts on reclaiming the american dream) - ISBN: 9788576352198.