O complicado caminho da democracia argentina
Aniversário de 25 anos da posse de Alfonsín
SOLEDAD GALLEGO-DÍAZ - Buenos Aires
El País - 10/12/2008
Tradução de Antonio de Freitas
Aniversário de 25 anos da posse de Alfonsín
SOLEDAD GALLEGO-DÍAZ - Buenos Aires
El País - 10/12/2008
Tradução de Antonio de Freitas
Argentina completa hoje 25 anos de vida democrática, um longo caminho até a normalização institucional que começou em 10 de dezembro de 1983 com a posse de Raúl Alfonsín, após sete anos de feroz ditadura militar. Um quarto de século depois, Alfonsín se converteu no símbolo da democracia e a seus 81 anos, enfermo, é um dos poucos personagens da vida política argentina que congrega a homenagem de praticamente todo o país. A sociedade argentina, por sua parte, enfrenta a uma enésima crise econômica no meio de um panorama de partidos muito debilitados e de duros enfrentamentos políticos entre o Governo e a oposição.
Para os argentinos foram 25 anos agitados, às vezes desatinados, com perigosos períodos de instabilidade e com profundas crises, como a provocada pelo ‘corralito’ de 2001 que acabou com a poupança da classe media, mas, enfim, 25 anos de vigência constitucional e de sucessão legal do poder executivo.
A última aparição pública de Alfonsín foi no 1º de outubro passado, quando assistiu a uma inesperada homenagem que lhe proporcionou a atual presidenta, Cristina Fernández de Kirchner, ao colocar seu busto em bronze na galeria da Casa Rosada. "O Senhor é o símbolo do retorno da democracia e é justo prestar-lhe uma homenagem, aos 25 anos de democracia e ao Senhor, por se dedicar, se abraçar a sua causa", disse uma emocionada Cristina Fernández.
Poucos dias depois, em 30 de outubro, o ex-presidente se dirigiu através de uma mensagem gravada a mais de 10.000 pessoas reunidas no histórico Luna Park, de Buenos Aires. Alfonsín comoveu com um discurso no qual conclamou à concórdia nacional: "Temos que querer-nos mais entre todos os argentinos porque através do esforço comum é que poderemos resolver nossos problemas". O ex-presidente recordou que não se constrói a democracia sobre a base da destruição de tudo o pré-existente, algo muito habitual, disse, na vida política da República. Alfonsín pediu unidade entre a oposição radical (muito dividida) e diálogo com o Governo de Fernández (algo quase impossível no atual momento de grande enfrentamento político).
A presidência de Raúl Alfonsín durou de 1983 a 1989, e teve que enfrentar-se à reconstrução de um país destruído por uma ditadura militar que havia causado 30.000 mortos, assassinados e desaparecidos, e por uma guerra insensata para a recuperação das ilhas Malvinas. O político radical, advogado e defensor dos diretos humanos não teve o apoio de todos os que agora dizem admirar-lhe e agradecem seu empenho: pelo contrário, teve que lutar contra todo tipo de conspirações e manobras desestabilizadoras.
Alfonsín pôs em marcha a chamada ‘Comissão sobre a Desaparição das Pessoas’, que fez público o estremecedor informe ‘Nunca Más’ e conseguiu que fossem processados os principais responsáveis da ditadura, Jorge Videla, Emilio Massera, Ramón Agosti e outros militares que foram inicialmente condenados. Não suportou, contudo, as pressões e aceitou aprovar imediatamente as chamadas Leis de Ponto Final e Obediência Devida, que deixaram fora da cadeia a quase todos os assassinos com uniforme. Videla e seus ‘amigotes’ não puderam voltar a ser julgados até a chegada ao poder de Néstor Kirchner, quando se pôs em marcha, de novo, a persecução penal de alguns daqueles delitos.
O ex-presidente esteve permanentemente ameaçado por levantamentos militares, o mais conhecido dos quais foi o protagonizado pelos ‘carapintadas’ no quartel de ‘La Tablada’, e sofreu o desafio da hiperinflação, à qual não soube pôr freio. Alguns dias antes de acabar realmente sua presidência, a trancos e barrancos, conseguiu entregar seu mandato a outro presidente civil, Carlos Menem. Contudo, era a primeira vez que algo assim sucedia na Argentina desde 1916. A posse de Alfonsín marca o inicio do mais extenso período democrático ininterrupto da historia da República.
Não tiveram o mesmo sucesso suas tentativas de acabar com a imoralidade pública. "Vamos fazer um Governo decente", prometeu Alfonsín na varanda do ‘Cabildo’ naquele dia 10 de dezembro. Talvez seu mandato tenha o sido, porém a segunda etapa, com Menem à frente, deu origem a um dos maiores períodos de corrupção na Argentina. A sucessão de Menem e do extraordinariamente incompetente Fernando de la Rúa provocou ademais uma crise política, com a louca rotação de cinco presidentes da República em duas semanas, até a surpreendente vitoria eleitoral de Néstor Kirchner, que estabilizou a situação.
O importante, segundo o próprio Alfonsín, é que, a pesar de todas as frustrações, se conseguiu completar 25 anos de democracia. Para que seja possível completar os próximos 25, assegura, haverá que recompor a vida dos partidos políticos argentinos (o Radical praticamente desapareceu com De la Rúa) e lograr o desenvolvimento de uma maior cultura cívica, que impeça a corrupção e promova o fortalecimento das instituições. Uma tarefa difícil para uma sociedade muito combativa, porém muito cansada, reconhece o ex-presidente.