segunda-feira, fevereiro 09, 2004

A Gripe do frango vira Pandemia


Quando os jornais do mundo anunciaram esta semana a descoberta de que a Gripe Espanhola, ou influenza, que matou mais de 20 milhões de pessoas em 1918, foi causada pela mutação do vírus da gripe das aves para a gripe humana, surge a confirmação de que a gripe das aves chegou aos EUA, determinando a quarentena e o sacrifício de 12 mil frangos em uma fazenda no Condado de Kent, no estado norte-americano de Delaware, no ultimo sábado. Apesar do vírus encontrado nos EUA ser uma variante do vírus que assola o Sudeste Asiático, as autoridades estadunidenses estão em alerta máximo para o perigo de contágio da Gripe do Frango, que nos levaria à primeira Pandemia do século 21.

A reação internacional foi imediata e o Japão, Malásia, Singapura e a Coréia do Sul já anunciaram a proibição de importação de produtos avícolas dos EUA. O Japão importou mais de 500 mil toneladas de carne de aves dos EUA em 2002. O benefício para os produtores brasileiros é evidente, e o país que já vende a metade do frango consumido em Singapura, recebeu a noticia de que a Coréia do Sul comprará 50 mil toneladas de frango brasileiro.

Clinicamente falando a Gripe do Frango “é uma patologia viral infecciosa das aves”. Desde 1997 já matou 20 pessoas. Doença grave, mortal e de uma rapidez sem precedentes, se hospeda em pássaros migratórios e destes se transmite às aves domésticas, especialmente a frangos e perus. Ninguém possui anticorpos para essa nova estirpe de vírus. A doença foi detectada apela primeira vez há mais de 100 anos na Itália. O contagio humano foi registrado pela primeira vez em Hong Kong em 1997, com 18 casos e seis mortes confirmadas pela OMS.

A princípio, a doença não se transmite de homem para homem, e sim das aves para o homem. Entretanto, caso o vírus da gripe do frango troque material genético com o vírus da gripe humana pode gerar uma pandemia tão catastrófica como foi a gripe espanhola no começo do século passado, pois poderia resultar em um único vírus a agressividade do vírus das aves e a rapidez de transmissão do vírus da gripe humana. Desde novembro de 2003 uma epidemia de gripe atinge as granjas do Sudeste Asiático, já atingindo a 10 países da região, e segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentos e Agricultura – FAO, já foram sacrificadas 50 milhões de aves em toda Ásia. A China, apontada como epicentro da epidemia, anunciou no princípio do surto que foram encontrados patos mortos contaminados em três regiões do país. Como os patos são resistentes ao vírus H5N1, se acredita que o vírus sofreu uma mutação, tornando-se assim mais “virulento”.

Através do vírus H5N1 e suas variações H7 e H9 menos danosas ao homem, a Gripe do Frango já atingiu 10 países asiáticos, como a Coréia do Sul – onde o vírus foi detectado em dezembro de 2003, Japão, Taiwan, Laos, Camboja, e na Tailândia, onde o governo tentou esconder a epidemia. Quarto maior produtor de frangos, a Tailândia já contabilizou cinco mortes comprovadamente atribuídas à Gripe do Frango e abateu 26 milhões de aves, esperando eliminar a doença nos próximos dias. A Indonésia admitiu recentemente a possibilidade de não sacrificar suas aves infectadas, mas vaciná-las, mesmo sabendo que a OMS não garanti a eficácia da vacina para as aves. A medida é condenada pela comunidade internacional, que atribui essa conduta ao pleito eleitoral que começa em março desse ano. O Vietnã é o país mais infectado, com 13 mortes e 2 milhões de aves sacrificadas, sendo que 57 das suas 64 províncias possuem casos confirmados da doença.

A China possui 13 das suas 31 províncias contaminadas pela enfermidade. A província chinesa de Guangdong, é apontada como origem do atual surto de Gripe do Frango, porque os pássaros selvagens – o reservatório natural do vírus da gripe - que vão do Hemisfério Norte ao Sul pousam naquela região. Considerada como um “caldeirão de cultura da gripe”, cientistas apontam Guangdong como origem da devastadora superpneumonia asiática, a síndrome respiratória aguda grave (Sars em inglês) em novembro de 2002, da Gripe Espanhola de 1918 e até mesmo da pandemia de Peste que assolou na Idade Média a Europa, que supostamente teria inicio em 1331 na China. Entretanto, outros pesquisadores afirmam que a Gripe Espanhola, ou influenza, pode ter sua origem na Costa Leste dos EUA.

Ninguém ainda sabe ao certo como o homem contrai a enfermidade, mas aparentemente a contaminação se faz pela falta de higiene, através de contato direto ou indireto com esterco de animais contaminados, pelo ar, pela comida, água, equipamentos e roupas contaminadas. Até agora, a rápida eliminação das aves contaminadas é recomendada pela OMS para prevenir que a epidemia se transforme numa pandemia.

A Organização Mundial da Saúde – OMS prometeu uma vacina para quatro semanas, mas o fato de o vírus haver-se mutado fez com que a instituição alterasse seu prognóstico para daqui a seis meses. Até agora a instituição não emitiu alerta para que as pessoas não viajem aos países afetados. O grande problema para se obter uma vacina contra o vírus está em que se usa embrião de frango para se fazer o medicamento. Entretanto, o vírus mata o embrião, porque é altamente letal para o frango. A saída pode estar no uso da vacina biomolecular, ainda em fase final de testes. A OMS possui um centro asiático em Manila, onde a Rede Mundial de Gripe prepara um protótipo geneticamente manipulado do vírus H5N1 para uma vacina. A União Européia, através do Comitê Permanente de Cadeia Alimentar, já proibiu a entrada de carnes e alimentos avícolas procedentes de vários países asiáticos. O Brasil também, e os pesquisadores do Laboratório de Vírus Respiratórios do Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, já estudam maneiras de combater a doença, caso entre no país. Além do Instituto Adolfo Lutz, o Brasil possui dois outros centros ligados à rede ONU de vigilância da gripe, que são o Instituto Evandro Chagas, em Belém, e a Fundação Osvaldo Cruz, no Rio de Janeiro.

Dentre as facilidades encontradas pela Gripe do Frango em sua trajetória de disseminação pelo mundo, podemos apontar a rapidez do transporte de pessoas e mercadorias, bem como o sucateamento dos sistemas de saúde pública, elementos típicos do mundo globalizado, e glorificados pela política neoliberal.