domingo, janeiro 25, 2004

A Globalização em Davos e Bombaim


Duas visões do mesmo mundo compartilhado realizaram suas reuniões neste mês de janeiro para discutir os problemas comuns a ambas, que são as grandes questões do presente, entre elas a globalização, a segurança e a economia mundial, muito embora o enfoque de cada uma seja radicalmente oposto à outra.

A quarta edição do Fórum Social Mundial – FSM realizou-se em Bombaim, na Índia, com a presença de representantes destacados da esquerda mundial e com 75 mil participantes de diversas correntes do pensamento humano e de mais de cem nacionalidades, todos unidos na luta contra a globalização neoliberal. Seu caráter de assembléia torna praticamente impossível estabelecer conclusões em apenas cinco dias de debate, sendo mais uma vitrine da preocupação pela melhoria de vida das populações excluídas. Como resultado concreto do encontro ficou estabelecido um grande protesto contra a guerra do Iraque no dia 20 de março, aniversário do conflito. A grande diversidade de causas que defende é seu maior patrimônio e debilidade.

O Fórum Social Mundial sempre teve por base América Latina e Europa, mas jamais será um grande encontro mundial se não contar com a participação de representantes da Ásia e da África. Entretanto, a pobreza extrema, os problemas religiosos e nacionalistas encontrados na Ásia provocaram mais constrangimento que inspiração aos participantes que não estavam preparados para a discussão desses problemas asiáticos. De uma certa maneira, será um alívio retornar ao Brasil em janeiro de 2005, onde os participantes se sentem mais confortáveis na atmosfera Ocidental e moderna de Porto Alegre.

Mesmo a ausência de nomes consagrados nas edições anteriores do Fórum, como o Presidente Lula e o cientista político Noam Chomsky, não estragou a festa. Festa, porque a primeira edição do encontro fora do Brasil foi marcada pelas declarações de vários intelectuais de esquerda de que o clima festivo do encontro acabe desbancando a discussão dos temas sociais e o encontro de novas alternativas para o mundo presente. Como afirmou a ambientalista brasileira Raquel Trajberb, o Fórum é “um grande carnaval social mundial”. “Uma grande ágora contemporânea” definiu o ministro Gilberto Gil que tocou no encerramento do Fórum para mais de 100 mil pessoas, na mesma praça que Gandhi reunia a população indiana contra o imperialismo inglês, denominada Praça da Liberdade.

A estrela do encontro foi a advogada iraniana Shirin Ebadi, prêmio Nobel da Paz de 2003, que defendeu o Tribunal Penal Internacional, como uma prova de que é possível uma globalização com rosto mais humano. O Tribunal possui competência para julgar os crimes contra a humanidade perpetrados em qualquer país do mundo a partir de 1º de julho de 2002, data de sua entrada em vigor.

A participação feminina, tanto na organização do encontro como nos debates, foi outro dado marcante dessa edição do Fórum Social. Um jornalista presente chegou a escrever que pela quantidade de mulheres presentes, parecia que a causa dos direitos humanos e da solidariedade com os excluídos, principalmente nos países pobres, são preocupações exclusivas das mulheres.

Quase ao mesmo tempo ocorreu o 33º Fórum Econômico Mundial – FEM em Davos, a cidade do livro A Montanha Mágica, de Thomas Mann, reunindo a fina flor das finanças e do capitalismo mundial. O encontro foi presidido pelo seu fundador, Klaus Schwarb, e seus mais de dois mil participantes se dividiram em diversas mesas-redondas que trataram com especialistas em diversas áreas da economia mundial.

Na estação de esqui de Davos, nos Alpes suíços, sob o lema Prosperidade e Segurança, foram discutidos temas como o futuro do Iraque, a luta antiterrorista e seu impacto negativo no comercio internacional. Outro tema central foi o rombo nas contas dos EUA como fator de ameaça para a retomada do crescimento econômico mundial.

O grupo de trabalho, talvez, mais sui generis tenha sido o que analisou a rede terrorista 'Al Qaeda' e seu líder Osama Bin Ladem diante das teorias e estratégias militares aplicadas pelas empresas multinacionais, chegando à conclusão de que possuem uma “magnífica sinergia de relações públicas e recursos humanos”.

Mais uma vez o encontro serviu para evidenciar as diferenças entre o capitalismo estadunidense - que prioriza o livre mercado sem preocupar-se com o social, e o europeu – marcado pelo Estado Social e suas medidas de eqüidade e coesão social. Entretanto, ao contrário do ano passado quando a iminente guerra do Iraque e o unilateralismo do governo Bush dividiram as posições na Aliança Atlântica no âmbito militar e econômico, o encontro de 2004 buscou facilitar esse diálogo perdido.

As estrelas desse ano foram os presidentes do Paquistão, Pervez Musharraf, e do Irã, Mohamed Jatami, que buscam credibilidade na discussão sobre a evolução do mundo islâmico. A participação mulçumana no encontro foi destaque, como ocorreu no ano passado com a América Latina que contou com as presenças dos presidentes do México, Argentina, Peru e Brasil.

O Secretário-Geral da ONU Kofi Annan anunciou um encontro mundial para discutir o desenvolvimento, que se encontra esquecido diante da luta antiterror e a guerra do Iraque, em junho na cidade de Nova York. E o esperado Ex-presidente Bill Clinton defendeu uma globalização mais honesta. Os EUA mandaram o Vice-presidente Richard Cheney entre outros, para falar sobre a política antiterrorista e seu impacto negativo sobre o comercio internacional. Também terá que explicar a desvalorização do dólar no cenário internacional.

Apesar de não contar com a presença de Lula, que escolheu o encontro de 2003 para estrear no cenário internacional, o Brasil se fez presente através do ministro da Indústria, Desenvolvimento e Comercio Exterior, Luiz Fernando Furlan, do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, do presidente da Bolsa de Mercadorias e Futuros, Manoel Feliz Cintra Neto, do Reitor da Universidade de São Paulo, Jacques Marcovitch, e de Carlos Ghosn, presidente da montadora japonesa Nissan.

Para o ministro Furlan, que reclamou da ausência do empresariado nacional, Davos significa facilidade de relacionamento com importantes tomadores de decisão e acesso a informações privilegiadas, que gera excelentes oportunidades de negócio.

Sem dúvida que o Fórum Social Mundial fez com que muita coisa mudasse no Fórum Econômico Mundial, a começar pela segurança. Temas como a pobreza e a ajuda aos países pobres também foram discutidas em Davos, apesar da ênfase aos temas propriamente de interesse dos países ricos. De ambos encontros restou a certeza do esgotamento do debate sobre a globalização, diante da falta de novas idéias.