domingo, janeiro 11, 2004

Norberto Bobbio, a consciência crítica da esquerda


No Natal de 1991 um estudante de direito da UFPI ganhou um livro intitulado “Teoria do Ordenamento Jurídico”, escrito por um certo Norberto Bobbio, que para ele não passava de um famoso Filósofo do Direito italiano desconhecido. Nessa época, aquele estudante estava com a cabeça a mil, diante das incertezas quanto a sua formatura, pois a faculdade estava em greve, e como tantos outros, com relação ao futuro como Bacharel em Direito de província. Mesmo assim, aquela primeira e tosca aproximação à obra do mestre de Turim foi tão cativante que o levou a buscar por mais.

A morte de Norberto Bobbio no ultimo dia nove me devolve de imediato a essa época e me enche de melancolia, ao lembrar que pude afortunadamente ser contemporâneo, leitor e fã de um dos maiores intelectuais e teóricos do direito do século XX.

Nascido em Turim, Itália, em 18 de outubro de 1909, Bobbio foi senador vitalício e catedrático de Filosofia do Direito e de Filosofia Política na Universidade de Turim, entre 1948 até sua aposentadoria em 1979. Militante de esquerda, lutou ativamente contra o fascismo, chegando a ser preso por essas atividades. Sua obra foi influenciada por Hans Kelsen, Max Weber, Benedeto Croce, Thomas Hobbes e Carl Schmitt, com quem manteve uma larga correspondência.

Como intelectual de esquerda, Bobbio evoluiu na sua militância antifascista para a defesa da política dos direitos. Como afirmou no jornal “La Stampa” em 1992, “os direitos dos homens e mulheres, das crianças, dos velhos, dos doentes e marginalizados. A defesa frente a todas as ameaças à liberdade e a dignidade do homem que provenham do progresso técnico ou da economia”. Em 2000, convencido que haviam inflacionado os direitos, se declarava favorável a uma Carta de Deveres e Responsabilidades dos Estados que completaria a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Seu pensamento já foi classificado como liberal-socialista e socialista democrático. Como nos lembra Joaquín Estefania, o certo é que Bobbio em sua vida e obra defendeu o governo das leis sobre o governo dos homens, desconfiou da política demasiado ideologizada, elogiou a democracia, defendeu uma política laica, e mostrou inúmeras vezes sua admiração incondicional pelo sistema político tradicional inglês.

Sua vida coincide com o século XX, como a do historiador Eric Hobsbawm, esse século que já foi chamado de período da guerra civil européia. Como testemunha das lutas do século XX, solidificou seu compromisso com a democracia. A democracia, no pensamento de Bobbio, está relacionada diretamente com a existência real de instrumentos para proteção dos direitos fundamentais. Assim, não há democracia sem justiça social. Para ele, o discurso político de esquerda está infinitamente ligado à defesa intransigente da justiça social.

Intelectual compromissado com a realidade, Bobbio sempre foi um moderado aberto ao diálogo e jamais negou-se ao confronto, desde que restrito ao campo das idéias. Até sua morte, era uma presença constante nas grandes polêmicas políticas italianas e internacionais, sempre se definindo como um herdeiro do pensamento renascentista – do qual destacava a importância da união entre a justiça e a liberdade - e um defensor dos direitos humanos, que considerava fundamentado nas conquistas históricas da humanidade.

Bobbio, desaparece num momento de suma importância para a democracia italiana, imersa numa crise de valores na qual se destaca o controle da imprensa televisiva pelo Primeiro Ministro Silvio Berlusconi.

Quando completou 90 anos, em agradecimento às muitas homenagens que recebeu, disse: “O título de professor é o único que mereço, pois um professor não é um pensador, mas o que transmite o pensamento de outros”. E foi com essa mesma verdadeira humildade que seu ultimo desejo foi um enterro civil e laico, e que em sua lápide constasse apenas seu nome e os de seus genitores: Norberto Bobbio, "figlio di Luigi e Rosa Caviglia".