segunda-feira, abril 19, 2004

O retrato na parede

"Bota o retrato do velho
bota no mesmo lugar
que o sorriso do velhinho
faz a gente trabalhar."
Haroldo Lobo e Mariano Pinto, 1951


Neste momento em que o país vive uma crise política que pode desestabilizar a base de sustentação fática do governo federal, recordo de Getúlio Dorneles Vargas, que governou por muitos anos o Brasil, de forma ditatorial de 1930 a 1945, e de forma eleita de 1951 a 1954. Vargas deixou lições valiosíssimas sobre os políticos brasileiros, não somente lições de “política real”, mas também importantes lições sobre comportamento e caráter da classe política nacional. Hoje, dia 19 de abril, comemora-se 122 anos de seu nascimento, ocorrido em São Borja, Rio Grande do Sul, em 1882. Varias exposições e palestras lembram durante toda a semana a este brasileiro ímpar, que segue com seu retrato gravado no imaginário nacional, como afirmava a marchinha de 1951, composta por Haroldo Lobo e Mariano Pinto, o retrato do velho ainda seguirá por muitos anos.

Getúlio sempre partiu do principio de que era preciso pensar no todo a partir do local. Ele nunca deixou de ser de São Borja – “meu rincão”, “minha tribo”, dizia - de ser gaúcho, ou como ele dizia, do Rio Grande, para ser brasileiro. Seus valores eram os valores da sociedade gaúcha de sua época. Vargas sempre valorizou sua posição de poder local e regional para seguir à frente do poder total. Pelo Partido Republicano Rio Grandense elegeu-se deputado estadual, federal e Governador do Rio Grande do Sul, além de ser Ministro da Fazenda do governo Washington Luis, entre 1923 e 1930. Ao perder as eleições presidenciais lidera o Movimento de 1930 que o leva à Presidência da República.

Seu primeiro governo, de 1930 a 1945, autoritário e antidemocrático, promoveu amplas reformas no país, destacando-se a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e a promulgação das primeiras leis trabalhistas. Durante esse período houve a Revolução Constitucionalista de São Paulo em 1932, que gerou mais mortos que durante a participação brasileira na II Guerra Mundial. A Constituição de 1934 não foi levada a sério por ninguém, pois o golpe já estava escrito nas páginas daquele momento histórico a nível mundial. Assim, Getulio impõe a Carta de 1937, fundando o que se denominou de o “Estado Novo”, e continua à frente do executivo nacional, até 1945.

Realmente aqueles eram tempos gloriosos, pois havia muita velocidade nas transformações sociais e políticas mundiais. Havia o Fascismo de Mussolini, o Nazismo de Hitler e o Comunismo de Stalin. A Democracia liberal encontrava-se ferida de morte e a queda da República Espanhola nas mãos do nacional-catolicismo de Franco era apenas mais um exemplo deste fato. O Brasil de Getúlio Vargas e do seu “Estado Novo” alia-se aos EUA, e mesmo possuindo um ditador em casa, foi aos campos da Itália lutar pela democracia. Que enorme contradição habitou em nossos corações nessa época.

A saída do poder e a volta triunfal nos braços da democracia em 1951 legitimaram em grande parte seu governo inicial autoritário e mais tarde ditatorial. O suicídio em agosto de 1954 apenas confirmou uma característica presente desde aquele primeiro momento em que saiu do Rio Grande para assumir o poder nacional em 1930: a derrota política significa a vitória da morte. Desde seus primeiros escritos ele já revelava essa ligação entre a política e a vida, de maneira que o fracasso político fatalmente lhe conduziria à morte.

Com a publicação dos diários de Vargas pela Fundação Getúlio Vargas em 1995, num esforço louvável de sua neta Celina Vargas do Amaral Peixoto, veio à tona uma série de informações privilegiadas sobre esse homem que gostava mais de ser interpretado do que de se explicar.

Os diários começam em outubro de 1930, quando o então governador do Rio Grande do Sul tramava o que a historiografia nacional denomina “Revolução de 30”. Vargas, justifica o “tardio” inicio desta empreitada, ou seja, escrever um diário, atribuindo à mocidade tantos episódios interessantes que por si só vão se apagando da memória. Em seguida, afirma uma lição sublime, digna de um experto em conhecer os homens: “Depois, o trato contínuo com os homens e as observações feitas sobre os mesmos em fases e circunstâncias diferentes nos habilitam a um juízo mais seguro”.

Sobre os boatos, costume nacional, afirmava Vargas: “Já de muito prevenido pelos boatos nestas épocas de exaltação, não lhes dou maior crédito”. E noutro momento: “É preciso ter o espírito muito resistente a todos estes boatos e nervosismos para não se impressionar”. Vargas era um homem de poucas palavras. “Ouvi calado”, escreveu muitas vezes diante de protestos, reclamações, denuncias e tentativas de intrigas nas suas colunas.

Getúlio povoará ainda por muito tempo nosso imaginário de poder nacional. Seu populismo carismático ainda servirá de modelo para futuras gerações de governantes. Vargas foi um andarilho que percorreu todas as esferas do poder local, provincial e nacional, e dessa maneira cumpriu seu destino presente no sobrenome associado aos ciganos espanhóis. Num país onde todos pensam com o coração, esse homem pensava com a cabeça.