quinta-feira, junho 30, 2005

A nova família


La libertad de amar significa
que los Estados no tienen
para qué mezclarse
en los sentimientos y
emociones espirituales
de los humanos.

Luis Jiménez de Asuá,
em “Libertad de amar
y derecho de morir”, 1929.




A Declaração de Independência dos EUA, de 4 de julho de 1776, apesar de toda a carga de conservadorismo escravocrata, deu ao mundo uma esperança política sentimental de que cada pessoa possui o inalienável direito de buscar sua felicidade, ao afirmar: “Consideramos de per si evidentes as verdades seguintes: todos os homens são criaturas iguais; que são dotados pelo seu Criador com certos direitos inalienáveis; e que, entre estes, se encontram a vida, a liberdade e a busca da felicidade”.

A maneira pela qual os seres humanos buscam a felicidade, desde que não violem os direitos dos demais, compete exclusivamente a cada um. Aos demais cabe tão-somente respeitar as opções tomadas por alguns e, na medida da inteligência e da educação recebida, conviver com a diversidade social. Dentro da democracia, a busca da felicidade deve ocorrer dentro da tolerância e do respeito à diversidade. O casamento, a família, o número de filhos, o divórcio e a opção sexual são escolhas que devem ser tomadas por cada um, de maneira individual, ou em consonância com seu cônjuge, quando convém. Entretanto, tais possibilidades devem ser disponibilizadas pelo Estado.

Como afirmou José Antonio Martín Pallín, magistrado do Supremo Tribunal espanhol, “a diversidade abarca as inumeráveis facetas do ser humano. Seus sentimentos, crenças, ideais, suas inclinações emocionais e sua forma de exteriorizá-las através da sexualidade são absolutamente respeitáveis se de verdade se acredita que o homem está acima dos dogmas e imposições dos que compartem suas tendências. A tolerância é um sinal diferencial da capacidade racional do ser humano. O anátema, ou a desqualificação, é o produto dos instintos mais degradantes da pessoa”.

A família vem sofrendo profundas transformações desde o século XX, fruto da conquista de espaço pela mulher trabalhadora e da liberdade sexual, principalmente. As velhas famílias patriarcais tendem a desaparecer, até mesmo nos grotões mais esquecidos do nordeste brasileiro, dando vazão a novas estruturas familiares. Para o filósofo Fernando Savater, as mudanças na estrutura familiar provem sobretudo da “incorporação da mulher ao mercado de trabalho, das medidas de controle da natalidade, do divórcio e dos preços dos imóveis residenciais”. Esta nova família que desponta tem se destacado, nos grandes centro urbanos, como famílias “monoparentais”, ou seja, mães solteiras ou pais solteiros. Ademais de casais de homossexuais que desde os anos sessenta reivindicam a igualdade de direitos com os heterossexuais, inclusive o direito ao matrimônio civil.

Esta semana, Espanha e Canadá aprovaram o matrimônio civil de pessoas do mesmo sexo, vindo assim a juntar-se a Holanda e Bélgica, que, respectivamente, desde abril de 2001 e fevereiro de 2003, possuem a matéria legislada. Nestes países, matrimônio é a união civil de duas pessoas, sem importar o gênero. Outros países, como a Dinamarca, Alemanha, França, Noruega, Suécia e Portugal, possuem legislação para regulamentar a união estável homossexual, sem contudo mencionarem expressamente a palavra “matrimônio”.

No caso espanhol, país tradicionalmente católico, a luta pela igualdade dos direitos civis é uma conquista socialista. Além de instaurar legalmente a possibilidade de união homossexual, a Espanha reformou sua lei de divórcio, de 1981, para agilizar as separações, e permitiu a adoção de crianças por matrimônios homossexuais. Em reposta, a direita mais conservadora juntou-se com a Igreja católica, que aportou dezoito bispos, numa manifestação contra a ampliação dos direitos civis na Espanha.

A hipocrisia corre solta nos campos do conservadorismo. Afinal, depois de ser condenada a pagar milhões de dólares nos EUA, a título de indenização pelos abusos cometidos contra menores por seus clérigos, a Igreja católica protesta contra o fato de que um Estado laico amplie os direitos civis a uma significativa parcela de cidadãos que trabalham, pagam impostos e contribuem economicamente para a riqueza do país. Para estes ‘senhores’, é melhor que as crianças cresçam em orfanatos, privadas de carinho e cuidados necessários, que vivam em um ambiente individualizado e protetor, no qual suas necessidades básicas sejam supridas num ambiente familiar.

O ideal é que uma criança cresça numa família com um pai e uma mãe. Entretanto, diante da realidade das FEBEMs e dos orfanatos superlotados, não parece um abuso a adoção de órfãos por parte de um solteiro ou mesmo por uma nova família, formada por dois pais ou duas mães. Qualquer tipo de família é melhor que família nenhuma, desde que por família se entenda o porto seguro no caminho do amor e da proteção de uma criança.

quinta-feira, junho 23, 2005

O Pianista inglês


All these years I have been trying
to unearth what she was handing me with that look.
It seemed to be contempt.
So it appeared to me.
Now I think she was studying me.
She was na innocent, surprised at something in me.
I was behaving the way I usually behave in bars,
but this time with the wrong company.
I am a man who kept the codes of my behaviour separate.
I was forgetting she was younger than I.

Michael Ondaatje,
em "The English Patiente", p. 154.



Que o Império britânico foi uma grande civilização, ninguém tem a menor sombra de dúvida. Pais dos EUA e filhos da Europa, nas palavras do historiador britânico Timothy Garton Ash, os britânicos realmente possuem uma maneira muito, digamos, fleumática, de encarar o mundo. Agora, é pra partir-se de rir a mais nova invenção da imprensa popular britânica - formada por um grupo de tablóides sensacionalistas que adoram divulgar escândalos da família real e criar fantasias que preencham o vazio existente no imaginário de gordas donas de casa menopausicas, a que se renderam inclusive o prestigioso “The Times” e o não menos "The Guardian".

E não foi de outra forma que os tablóides britânicos encararam nos últimos meses a noticia da descoberta de um misterioso pianista amnésico, que sem dizer uma palavra, tornou-se o centro de todas as manchetes. Os britânicos lançaram-se no desafio de descobrir a verdadeira identidade do “Homem do piano”, como denominou a imprensa.

A polícia encontrou no passado mês de abril, numa estrada do litoral Sudeste da Inglaterra, na ilha de Scheppey, no condado de Kent, um jovem molhado, andando a esmo, padecendo de amnésia, totalmente mudo. O jovem, aparentando idade entre 20 e 30 anos, estava bem vestido, como se fosse a um concerto, com um elegante e caro terno negro, ensopado de água do mar. Seu terno teve as etiquetas arrancadas, bem como todas as demais etiquetas de suas roupas. Até mesmo a marca de seus sapatos foi raspada. Não há maneira de identificar-lhe.

O jovem permaneceu completamente mudo. Somente quando lhe foi dado papel e caneta, este desenhou um enorme piano de cauda. Como havia um piano no hospital, foi conduzido até o mesmo, passando horas e horas ao piano, tocando canções clássicas e populares, melancolicamente. Desta maneira, é através da música tocada no piano que jovem se comunica com o mundo. E continua assim, a tocar piano, internado no West Kent National Heath Service Trust... na seção psiquiátrica.

Acontece que seu silêncio despertou a curiosidade dos britânicos, que lutam entre futricas e pistas para desvendar o mistério do “Homem do piano”, que segundo especialistas, é uma verdadeira virtuose do instrumento, interpretando de Tchaikovsky a Beatles.

Alguns jornais disponibilizaram um numero de telefone para receber pistas sobre a identidade do “Homem do piano”. Mais de mil pessoas já ligaram dando possíveis informações sobre o misterioso pianista inglês, que continua sob investigação. Até agora, as pistas não deram em nada. Ele já foi confundido com um roqueiro tcheco atacado por doenças mentais, depois de descartada a pista de que era um músico andarilho francês que trabalhou nas ruas de Roma.

O cinema já se interessou pelo caso deste jovem amnésico músico, que segundo os médicos sofreu “um colapso nervoso que comprometeu sua memória e sua capacidade de comunicação”. A estória realmente se parece muito com o enredo do filme “Shine - Brilhante”, que conta a vida do pianista australiano David Helfgott, que depois de um colapso nervoso, superou sua profunda perturbação psicológica e retornou a tocar. O filme valeu um Oscar ao ator Geoffrey Rush pela interpretação do pianista australiano mentalmente perturbado, em 1996.

Por outro lado, o caso do “Homem do piano” lembrou-me o enredo do filme “O Paciente Inglês”, (The english patient, EUA, 1996), Oscar de melhor filme, também, em 1996. Não pelo piano em si, mas pelo fato de que em ambas as estórias seus personagens perdem a memória, ou dizem que a perderam. E se entrelaçam entre mistérios e lembranças de um passado que já não podem voltar, apesar de todo o esforço para reavivá-lo. Os fragmentos da memória são peças frágeis no vendaval da vida.

Como tudo na vida não é exatamente como se apresenta - basta lembrar que Os Três Mosqueteiros eram na verdade quatro - “O Paciente inglês” na verdade era o conde húngaro Lazslo de Alamsy, interpretado por Ralph Fiennes, um homem moribundo vitima de um acidente aéreo e da morte do seu grande amor, Katharine Clifton, interpretada por Kristin Scott Thomas, casada com um colega da Real Sociedade Geográfica inglesa. O livro “O Paciente inglês”, que inspirou o filme, foi escrito por Michael Ondaatje.

Bem que poderia aparecer, também, uma enfermeira canadense de nome Hana , linda como Juliette Binoche, pra cuidar do “Homem do piano”. A vida imita a arte ou a Arte imita a vida? Quem vai saber...

terça-feira, junho 14, 2005

A noite que nunca tem fim


Lembro que
olhando pela porta do bar
vimos a indecisa aurora
que animava as ondas.
Erguemo-nos, saímos.

Rubem Braga,
em “Da Praia”,
junho de 1946


Trago dentro do coração,
Como num cofre que se não
pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi
através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto,
é pouco para o que eu quero.

Fernando Pessoa,
como Álvaro de Campos,
Em “Passagem das Horas”,
22 de maio de 1916.


Já faz algum tempo que li na revista de domingo do jornal espanhol “El País” uma matéria sobre os melhores bares do mundo.

E se me lembro bem, um dos dez melhores bares do mundo estava numa ilha perdida, no meio do Atlântico Norte. Mais precisamente, refiro-me a revista estadunidense Newsweek haver considerado o Café Sport, na ilha de Faial, nas Açores, um dos dez melhores bares do mundo. Com isso, não imaginem que é um super bar, é apenas um bar muito simples, perdido numa ilhota no meio do nada. Mas que os marinheiros que cruzam o Atlântico param para tomar um trago, aliviar suas dores, escapar um pouco da solidão marinha e lembrar de casa.

Sobre a magia do Café Sport, o escritor catalão Enrique Vila-Matas e o italiano Antonio Tabucchi já escreveram muita coisa, inclusive antes de conhecê-lo pessoalmente. Antonio Tabucchi, escreveu sobre esse bar num livro chamado “Dama de Porto Pim”, afirmando ser um local intermediário entre uma taverna, um ponto de encontro, uma agencia de informação e uma agencia de correios. Durante a II Guerra Mundial, o Café Sport foi um ninho de espiões, algo parecido ao Rick's American Café, do filme Casablanca. Do seu mural de recados é possível encontrar de tudo, “desde notas, telegramas, cartas de amor, mensagens de náufragos da vida” como escreveu o escritor catalão Enrique Vila-Matas, que transformou esse mural de madeira em protagonista do seu conto “Recuerdos inventados”.

Da minha parte, já conheci alguns bares dignos de nota, não por seu luxo ou distinção de seus clientes, mas pela mágica e fantástica atmosfera envolvente que rodeia esses lugares. Alguns bares são pura extensão de nossas residências, tal o grau de felicidade e bem-estar que proporcionam aos seus paroquianos. Apesar de poder dizer que nunca vi meu pai num bar, pois ele só consegue tomar uma cerveja na casa dos seus pouquíssimos amigos, de preferência o Moreirão e o Moreirinha. Ou em casa, com a mamãe ao lado. De maneira que minhas aventuras pelos bares da vida foram algo que nasceram da minha própria necessidade de poder falar pelos cotovelos e de afogar minha dor de viver.

O primeiro bar que entrou na minha vida, ou melhor dizendo, o primeiro boteco, foi o já inexistente Bar do Tota, que ficava quase na esquina da Rua Olavo Bilac com 13 de maio, em Teresina, onde eu e meus colegas de Diocesano começamos nossos primeiros tragos. Ficava ao lado do Bar do Gaudêncio, que não deixava a gente entrar com o uniforme do Diocesano para não ter problemas com os padres, dizia ele. Mas o Bar do Tota era algo humilde, muito simples mesmo, onde apenas se podia tomar uma cerveja gelada e comer um dos piores pasteis de carne que já comi na minha vida. Mas, naqueles anos finais da década de 80 do século passado, era um paraíso para qualquer um que estivesse entrando na adolescência etílica. Recordo, agora, que passei minhas férias de julho de 1986 naquele bar, em companhia do historiador Pedro Vilarinho, o piauiense que mais entende de mulher, que naquela época ainda não entendia tanto sobre o tema, e vivia na casa de seus pais, há apenas uma quadra daquele mágico bar. Naquelas férias de julho de 1986, sentamos na calçada do bar, olhando as estrelas, conversando com os amigos do local e imaginando mil fantasias que o futuro nos traria.

O tempo foi passando, a vida adulta com suas tristes preocupações foi chegando, mas como era bom escutar as músicas do Roberto Carlos e dos The Fevers naquele barzinho cheio de amigos. Nossos maiores problemas eram o vestibular e o coração, que por essa época já tinha sido ferido por alguma menina. Bons amigos encontrei ali, alguns pra toda vida como o Marconi, o André e o Fernando.

Depois apareceu o Paralelo 33, na João XXIII, e então eu já vivia em Recife. Mas era só botar os pés na terrinha pra reunir-me com um monte de verdadeiros boêmios de outrora naquele ambiente que cheirava a churrasco na brasa. Nessa época ainda queríamos salvar o Brasil e encontrávamos solução para todos os seus problemas. Já era o tempo da universidade e as novas leituras faziam nossas cabeças. O James estava na CESVALE e o Wellington ainda fazia Comunicação Social. Ainda estávamos na década de 1980 e a redemocratização do país trouxe a Constituição Federal de 1988, que alimentava nossas esperanças no futuro.

Também havia nessa época de universidade o Agaves, do Paulinho, que com a Geovana e uma mesa cheia de gente interessante amanhecemos varias vezes em ritmo de café da manhã no Lanchinho. E, é claro, ainda existia o Nós e Elis, todo um marco na noite boêmia teresinense daquele tempo de esperança e iniciação noctívaga, onde o grande Clidenor era um rei. E, para fazer o registro, havia a Quinta Cultural da FUFPI, onde Flavio Castro tocava The Cure e a meninada bebia todas as caipirinhas que a mesada conseguisse pagar.

Depois veio o tempo de começar a trabalhar e o Café Viena, também em Teresina, entrou na minha vida, para sempre. Creio, sinceramente, que o Café Viena foi o bar que mais freqüentei na minha vida. Lá sempre encontrava o Ruszel e o Fernando, grandes representantes da Turma do Jamais. Como era sensacional chegar naquele lugar e o garçom James pedir ao Wolfie pra botar Don't stop me now, do Queen, enquanto me servia uma vodka com soda. Até hoje, sempre que regresso à terrinha, vou tomar uma vodka com soda no balcão do Café Viena, para admirar seu ambiente, e, principalmente, para me sentir em casa com meus pensamentos naquele lugar sagrado.

Ao El Asesino, na Espanha, me levou um velho amigo com quem não falo há anos, o Juan Carlos. Encantei-me na primeira visita. O El Asesino durante aqueles anos de fim do século XX era uma mistura de todas as tribos progressistas e libertárias que conviviam na Espanha. Professores, imigrantes, músicos, estudantes de doutorado, jovens bolsistas estrangeiros, estudantes Erasmus. Havia de tudo, até jovens babacas do direitista Partido Popular espanhol. Lembro de todos os “canadians” que me serviu o poeta Pepe Txontas, proprietário do Asesino. Depois soube que um grupo de jovens fascistas tentou invadir e quebrar o bar, provando mais uma vez que a imbecilidade humana não tem fundo. A verdade é que nunca consegui escrever sobre o Asesino...

Café Manon, em Valencia, Espanha, deveria ser considerado um local mais sagrado que muito templo que existe no mundo. Com suas poltronas acolchoadas ao redor das mesas baixinhas e o forro de madeira escura, passei muitas horas conversando com Rafa no Café Manon, escutando o “torico enamorado de la luna” em noites de tão feliz amizade que até Deus quis aproximar-se da nossa mesa, como já disse uma vez. Don Jesus, o dono do Café Manón, é a pessoal mais gentil e educada que já conheci, sempre disposto a agradar seus clientes, a quem considera uma família.

As vezes, ainda me vejo sentado no Café das Letras, na Plaza de Honduras, em Valencia, encostado na primeira coluna de frente ao balcão, bebendo um “cubata” e escrevendo minhas dores que ninguém nunca lerá. Havia uma equipe de pseudo-intelectuais que se reuniam pra contar lorotas, mas nas noites de quinta sempre havia os Contadores de Contos, que reuniam muita gente jovem.

E continuo descobrindo esses lugares mágicos por onde a vida me leva. O Manga Rosa, em São Raimundo Nonato, foi uma agradável surpresa. Realmente adorei conversar no balcão com minha amiga Márcia, a proprietária, ouvindo boa música com os amigos de Rotary Club.

Ou o bar do Marcos Hidd, nos fundos do Palácio de Karnak, onde nos reuníamos aos sábados pela manhã, e sorriamos com cada estória que nem só de pensar me dá vontade de voltar correndo. Marcos Hidd é uma destas pessoas escolhidas por Deus pra viver uma vida como ela merece ser vivida, cheia de sentimentos, de todos os sentimentos. Mal amanhecia o sábado, eu já esperava encontra o Josélio, Agenor Carvalho, e todos os que sempre passavam por nossa mesa repleta de amizade e bons fluidos.

Hoje, já não sou paroquiano de nenhum bar em especial. Às vezes até prefiro ficar em casa bebericando uma garrafa de vinho enquanto escrevo minhas estorinhas que ninguém nunca vai ler. Não que eu não goste de freqüentar um barzinho e conversar com meus novos amigos, muito pelo contrário. Na verdade, minhas melhores lembranças de bares foram as que contei aqui. São apenas lembranças de um insone no meio da noite no planalto central do Brasil, mas a democracia das mesas de bar mantém acessa a chama da amizade e da vida.

Tudo tem seu momento e seu lugar. Cada um de nós terá uma estória pra recordar sobre um bar. Eu ainda tenho muitas, que o espaço e o tempo não me permitem, ainda, contar. Mas a felicidade é medida em conta gotas, enquanto passa o tempo e ficamos mais adultos e chatos, os bares estarão esperando por novos paroquianos, novas gerações de poetas, músicos, loucos e intelectuais que sentirão o chamado irresistível e doce da noite, entre doses e debates acalorados sobre quase tudo. Talvez o que sempre nos unirá será saber que sempre existirão noites e boêmios, noites e vida, música e paixão, poesia e sonhos. Quiçá, no céu, nos esperará um bar celestial com uma grande mesa, com Neruda, Vinicius, Tom Jobim, e tantos outros que já foram. E por fim, encontraremos a noite que nunca tem fim.

domingo, junho 05, 2005

Dia Mundial do Meio Ambiente


Na época imperial,
Roma era uma metrópole superpopulosa,
cosmopolita, que exercia um poderde atração
sobre todos os povos
que haviam sucumbido
a sua dominação.
(...)
As doenças não poupavam a população.
Precauções sanitárias eram desconhecidas,
e as epidemias tornavam-se
cada vez mais devastadoras.
Em 65, uma peste fez 30 mil vítimas,
sem escolher classe social:
senadores e cavaleiros morriam
em número incalculável,
da mesma forma que
miseráveis e escravos.

Catherine Salles,
da Universidade de Paris X – Nanterre,
em “As mazelas da superpopulação,Revista História Viva



Domingo, dia 5 de junho, comemorou-se o Dia Mundial do Meio Ambiente, entre protestos e mensagens de alerta de defensores da nossa casa planetária e autoridades, tentando demonstrar algum progresso no combate às misérias que afligem o planeta. O lema da campanha deste ano é “Cidades Verdes: Um Plano para o Planeta”, destacando o desafio do momento, ou seja, o crescente aumento do número de habitantes dos centros urbanos.

De acordo com pesquisas confiáveis, nos próximos 25 anos, quase a totalidade de todo o crescimento populacional estará concentrado nas cidades, principalmente naquelas localizadas nos países pobres e em desenvolvimento. Este incremento de população nos centros urbanos vem acompanhado da ampliação de problemas já conhecidos, como pobreza, desemprego, criminalidade e as drogas. A superpopulação dos centros urbanos gera, também, o agravamento dos problemas ambientais por causa do acúmulo de resíduos, ou seja, de lixo, maior produção de gases causadores do efeito estufa, e etc.

Entretanto, a maior conseqüência da falta de planejamento ambiental nas áreas de concentração urbana será o fato de que não conseguiremos atingir os Objetivos de Desenvolvimento da ONU para o Milênio, mesmo possuindo tecnologia e conhecimentos suficientes para atingir parte daquelas metas propostas.

O conhecimento e a tecnologia necessários para desenvolvermos cidades sustentáveis do ponto de vista ambiental já possuímos, somente falta-nos a vontade política consciente para implementá-los. Transporte limpo, edifícios inteligentes, saneamento básico e o uso racional da água são uma realidade hoje, para aqueles países que realmente se preocupam com o meio ambiente e a qualidade de vida de sua população.

A “Fundación Entorno”, que desde 1996 lidera o Comitê Espanhol do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, e o PNUMA, elaboraram uma lista de cifras sobre a situação atual dos problemas gerados pelo aumento do número de habitantes das cidades, merecendo destaque para as seguintes conclusões:

a) Em 2015, serão 23 as cidades com mais de 10 milhões de habitantes no mundo, sendo que 19 destas estarão em países em desenvolvimento. Todo o crescimento populacional nos próximos 25 anos acontecerá nas áreas urbanas dos países menos desenvolvidos, ainda que o crescimento mais rápido não será nas grandes cidades, mas nos centros urbanos com menos de 500 mil habitantes. Em 1950, menos de uma em cada três pessoas vivia em algum vilarejo ou cidade. Hoje, cerca da metade da população mundial é urbana. Para o ano de 2030, a proporção será de mais de 60%. No ano 2000 havia 402 cidades com população entre 1 e 5 milhões de habitantes e 22 cidades entre 5 e 10 milhões. Em 2015, serão 23 as cidades com mais de 10 milhões de habitantes, 19 delas em países em desenvolvimento.

b) Nos paises desenvolvidos, 75% da população é urbana. A urbanização no mundo desenvolvido coincidiu, em grande parte, com o crescimento econômico e o aumento da riqueza. Entretanto, esse não é o caso dos países em desenvolvimento. Nestes, em 2020, a cifra poderia chegar a mais de 2 bilhões de habitantes vivendo em subúrbios e em assentamentos irregulares. Na África, mais de 70% da população urbana, isto é, mais de 160 milhões de pessoas, vivem em áreas pobres. Desde 1990, a população das áreas urbanas pobres cresceu cerda de 5% anualmente, e está a caminho de duplicar-se a cada 15 anos. Pelo menos um bilhão de pessoas, principalmente na Ásia, África e América Latina, vivem em subúrbios improvisados e assentamentos irregulares, que não estão nem reconhecidos legalmente, nem dotados de serviços pelas autoridades da cidade. Para o ano 2020, a cifra poderá chegar a mais de dois bilhões de habitantes.

c) A diarréia é a segunda causa mais comum de mortalidade infantil. Calcula-se que seja responsável por 12% do número de mortes de crianças menores de cinco anos nos países em desenvolvimento. Ademais, aproximadamente dois milhões de crianças, menores de cinco anos, morrem a cada ano vítimas de infecções respiratórias agudas. A água contaminada e os inadequados sistemas sanitários são os perigos característicos da vida nos subúrbios.

d) A maioria das emissões urbanas provém de veículos automotores. 1,5 bilhão de habitantes de centros urbanos suportam a contaminação atmosférica em níveis superiores aos limites máximos recomendados. Um milhão de mortes pode ser atribuída exclusivamente à contaminação por partículas de dióxido de enxofre, a maioria proveniente das emissões de veículos. Nos paises desenvolvidos, os custos da contaminação do ar são cerca de 2% do PIB, enquanto que nos países em desenvolvimento a cifra está entre 5 e 20%. A geração de energia, a industria e o transporte, em geral, associados com a vida nas cidades do mundo desenvolvido, são responsáveis pela maioria das emissões de dióxido de carbono. Calcula-se que as emissões de dióxido de carbono provenientes em sua maioria dos automóveis, caminhões e usinas elétricas, se elevarão em 60% até nos próximos 25 anos do novo século. Mais de dois terços do incremento virão dos países em desenvolvimento, como conseqüência do rápido crescimento econômico e do aumento do numero de veículos particulares. De 1950 aos dias de hoje, o uso global de combustíveis fosseis incrementou-se em 500%.

e) A urbanização e o desenvolvimento econômico geralmente são acompanhados de um aumento no consumo de recursos e na geração de resíduos per capita. Os habitantes das cidades do mundo desenvolvido produzem até seis vezes a quantidade de desperdício que geram os países em desenvolvimento. As municipalidades poderão ter que gastar até 30% do seu orçamento somente com o tratamento da questão dos resíduos, principalmente no seu transporte. Nos países em desenvolvimento, o custo do manejo dos resíduos sólidos pode ser ainda maior, chegando a 50% do orçamento disponível. Existe uma falta de infra-estrutura para o manejo adequado dos resíduos, pois entre 30 e 60% dos resíduos sólidos produzidos nas cidades não é recolhido e menos de 50% da população conta com o serviço de coleta.

f) Na medida em que as cidades e vilarejos se desenvolvem, cresce também sua dependência de recursos distantes, assim como seu impacto ambiental. Uma cidade média Norte-americana, com uma população de 650 mil habitantes requer 30 mil km2 de terra para servir às suas necessidades. Em comparação, uma cidade de tamanho similar, com menor poder aquisitivo, na Índia, requer apenas 2,8 km2.

g) Água – o consumo de água potável quase duplicou a partir de 1960 e a pesca marítima quadruplicou. Mais da metade da água potável que se obtém pra consumo humano destina-se para as áreas urbanas, para se usada pela industria, para beber e para limpeza, ou como irrigação para a agricultura. Até 65% da água usada para irrigação é desperdiçada. Em muitas cidades de países em desenvolvimento, entre 40 e 60% da caríssima água potável perde-se, devido a avarias no sistema hidráulico, isto é, encanamento, e através das conexões ilegais. Nos países industrializados, desperdiça-se um quarto de toda a água canalizada.

Enfim, pouca coisa há que se comemorar neste dia, apesar de ser a data mais um elemento de conscientização que de celebração. Somente com a conscientização de que a melhora na qualidade de vida da população, de qualquer país, seja rico ou pobre, passa necessariamente por um melhor aproveitamento racional dos seus recursos naturais, é possível tratar melhor a matéria.

O ser humano deve entender, imediatamente, que o planeta é uma casa, a grande casa da humanidade, que merece e deve ser tratada como lugar único e morada de todos. Os grandes centros urbanos devem ser lugares ambientalmente sustentáveis ou estarão condenados ao fracasso. Que os alertas de hoje não sejam as calamitosas notícias de amanhã.