quinta-feira, junho 23, 2005

O Pianista inglês


All these years I have been trying
to unearth what she was handing me with that look.
It seemed to be contempt.
So it appeared to me.
Now I think she was studying me.
She was na innocent, surprised at something in me.
I was behaving the way I usually behave in bars,
but this time with the wrong company.
I am a man who kept the codes of my behaviour separate.
I was forgetting she was younger than I.

Michael Ondaatje,
em "The English Patiente", p. 154.



Que o Império britânico foi uma grande civilização, ninguém tem a menor sombra de dúvida. Pais dos EUA e filhos da Europa, nas palavras do historiador britânico Timothy Garton Ash, os britânicos realmente possuem uma maneira muito, digamos, fleumática, de encarar o mundo. Agora, é pra partir-se de rir a mais nova invenção da imprensa popular britânica - formada por um grupo de tablóides sensacionalistas que adoram divulgar escândalos da família real e criar fantasias que preencham o vazio existente no imaginário de gordas donas de casa menopausicas, a que se renderam inclusive o prestigioso “The Times” e o não menos "The Guardian".

E não foi de outra forma que os tablóides britânicos encararam nos últimos meses a noticia da descoberta de um misterioso pianista amnésico, que sem dizer uma palavra, tornou-se o centro de todas as manchetes. Os britânicos lançaram-se no desafio de descobrir a verdadeira identidade do “Homem do piano”, como denominou a imprensa.

A polícia encontrou no passado mês de abril, numa estrada do litoral Sudeste da Inglaterra, na ilha de Scheppey, no condado de Kent, um jovem molhado, andando a esmo, padecendo de amnésia, totalmente mudo. O jovem, aparentando idade entre 20 e 30 anos, estava bem vestido, como se fosse a um concerto, com um elegante e caro terno negro, ensopado de água do mar. Seu terno teve as etiquetas arrancadas, bem como todas as demais etiquetas de suas roupas. Até mesmo a marca de seus sapatos foi raspada. Não há maneira de identificar-lhe.

O jovem permaneceu completamente mudo. Somente quando lhe foi dado papel e caneta, este desenhou um enorme piano de cauda. Como havia um piano no hospital, foi conduzido até o mesmo, passando horas e horas ao piano, tocando canções clássicas e populares, melancolicamente. Desta maneira, é através da música tocada no piano que jovem se comunica com o mundo. E continua assim, a tocar piano, internado no West Kent National Heath Service Trust... na seção psiquiátrica.

Acontece que seu silêncio despertou a curiosidade dos britânicos, que lutam entre futricas e pistas para desvendar o mistério do “Homem do piano”, que segundo especialistas, é uma verdadeira virtuose do instrumento, interpretando de Tchaikovsky a Beatles.

Alguns jornais disponibilizaram um numero de telefone para receber pistas sobre a identidade do “Homem do piano”. Mais de mil pessoas já ligaram dando possíveis informações sobre o misterioso pianista inglês, que continua sob investigação. Até agora, as pistas não deram em nada. Ele já foi confundido com um roqueiro tcheco atacado por doenças mentais, depois de descartada a pista de que era um músico andarilho francês que trabalhou nas ruas de Roma.

O cinema já se interessou pelo caso deste jovem amnésico músico, que segundo os médicos sofreu “um colapso nervoso que comprometeu sua memória e sua capacidade de comunicação”. A estória realmente se parece muito com o enredo do filme “Shine - Brilhante”, que conta a vida do pianista australiano David Helfgott, que depois de um colapso nervoso, superou sua profunda perturbação psicológica e retornou a tocar. O filme valeu um Oscar ao ator Geoffrey Rush pela interpretação do pianista australiano mentalmente perturbado, em 1996.

Por outro lado, o caso do “Homem do piano” lembrou-me o enredo do filme “O Paciente Inglês”, (The english patient, EUA, 1996), Oscar de melhor filme, também, em 1996. Não pelo piano em si, mas pelo fato de que em ambas as estórias seus personagens perdem a memória, ou dizem que a perderam. E se entrelaçam entre mistérios e lembranças de um passado que já não podem voltar, apesar de todo o esforço para reavivá-lo. Os fragmentos da memória são peças frágeis no vendaval da vida.

Como tudo na vida não é exatamente como se apresenta - basta lembrar que Os Três Mosqueteiros eram na verdade quatro - “O Paciente inglês” na verdade era o conde húngaro Lazslo de Alamsy, interpretado por Ralph Fiennes, um homem moribundo vitima de um acidente aéreo e da morte do seu grande amor, Katharine Clifton, interpretada por Kristin Scott Thomas, casada com um colega da Real Sociedade Geográfica inglesa. O livro “O Paciente inglês”, que inspirou o filme, foi escrito por Michael Ondaatje.

Bem que poderia aparecer, também, uma enfermeira canadense de nome Hana , linda como Juliette Binoche, pra cuidar do “Homem do piano”. A vida imita a arte ou a Arte imita a vida? Quem vai saber...