sábado, maio 10, 2008

A globalização é a idade de ouro da máfia


"A globalização é a idade de ouro da máfia"

GUILLERMO ALTARES - El País - 06/04/2008
Tradução de Antonio de Freitas Jr.


Diversificado e adaptado aos novos tempos, o crime organizado vive momentos de gloria. Assim conta este jornalista, que pesquisou seus tentáculos durante anos.

Depois de dedicar-se durante quase vinte anos a percorrer o leste europeu e os Bálcãs como jornalista da BBC, as transformações na paisagem que lhe rodeia obrigaram a Misha Glenny a mudar de especialidade: das revoluções políticas passou a investigar outro tipo de movimentos telúricos, mais profundos e perigosos: o poder crescente das máfias. Porém, seu novo trabalho lhe levou por cenários muitos distintos e insuspeitados: desde a fronteira noroeste de Estados Unidos, inundada de cânhamo, até cabanas da Nigéria onde se planejam e executam golpes pela Internet que nem o David Mamet do filme “House of Games” (1987) seria capaz de imaginar.
Glenny, um britânico de 49 anos de origem russa, recolheu estes anos de investigação em “McMáfia”, um livro de 500 páginas que apareceu ao mesmo tempo em numerosos idiomas este mês de abril. É uma viagem ao reverso tenebroso da globalização, aos cantos escuros de um mundo em cujos corredores abertos se move, cada vez com maior agilidade, a gigantesca hidra do crime organizado. Os protagonistas de “McMáfia” já não são apenas os tipos da ‘coppola’ (o tradicional boné siciliana) que controlam bilhões de euros em armas e drogas desde a cadeira de palha de uma choça, nem os mal-encarados búlgaros que levam colares de ouro que serviriam para sustentar a âncora de um transatlântico: são personagens muito mais sofisticados e hábeis que sabem aproveitar os pontos fracos do sistema em que vivem. E num mundo global, isso quer dizer todo o planeta. A entrevista tem lugar em Bruxelas, onde Misha Glenny acudiu para participar num congresso internacional como especialista em crime organizado.

P - Seu livro acaba dizendo que estamos na idade de ouro da máfia. Não acreditas que é uma afirmação demasiado pessimista? Porque parece que a máfia sempre viveu numa permanente idade dourada...
R
- A extensão do que chamo de ‘economia na sombra’, na qual as organizações criminais de todo o mundo têm um papel essencial, é muito maior que antes, sobretudo depois da queda do comunismo e como conseqüência da globalização, que é idade de ouro da máfia. Ainda que o capital flua de uma forma espetacular, seguem existindo freis importantes, como a Política Agrícola Comum, que oferecem oportunidades para que o crime organizado consiga fabulosos lucros. Isso coincide, ademais, com a queda do comunismo e com uma gigantesca transição que não somente afetou ao leste europeu e a Ásia central, senão a lugares como África do Sul. E também está a emergência da China. Nem sempre é possível satisfazer as aspirações materiais das pessoas, sobretudo nos países em vias de desenvolvimento, através dos métodos que legalmente permitem a globalização. Um exemplo: Albânia se destruiu ao mesmo tempo em que se destruíram os mercados do leste europeu que tinham algumas exportações cruciais, como os cítricos. Tratou então de vender suas laranjas e limões à Europa ocidental, porém não pode porque a Política Comum protege os cultivadores de Portugal, Espanha, Itália e Grécia. Não conseguiu competir com estes subsídios. Que ocorreu? Que muitos destes campesinos destruíram seus cultivos de cítricos e plantaram ‘cannabis’ em seu lugar, e a vendem em quantidades industriais. E estes exemplos se multiplicam em todo o mundo. Enquanto se produziu a transição, o crime organizado trabalhou rápido e com inteligência e desenvolveu um sistema global, que representa uma economia alternativa.

P - Um dos aspectos mais terríveis de seu livro é que, quando se fala de máfia, espera-se encontrar com Nápoles, Palermo, talvez Sofía ou inclusive Moscou, porém não com lugares como Vancouver, Nigéria, África do Sul, Israel ou Bombaim. Tanto mudou o panorama?
R
- Israel é um exemplo fascinante disto. Quando você vai ali, a única coisa da qual as pessoas querem falar é do conflito com os palestinos. Quando expliquei que queria investigar o crime organizado, as pessoas me perguntavam: por quê? É uma sociedade que nos últimos dez ou doze anos sofreu uma liberalização dramática, e algo tinha que estar ocorrendo. Porém, quando fui ver à responsável pela luta contra o crime organizado, ela foi muito franca: Israel gasta muitíssimo dinheiro com segurança, porém tudo se dedica ao assunto palestino. E o que ocorre com o crime organizado é que tem uma capacidade enorme para detectar os lugares nos que se produzem as melhores oportunidades. Nos anos noventa, em Israel se produziu uma imigração enorme de judeus russos, 15% da população, que fala outra língua, com valores culturais muito diferentes e com um sentido da identidade muito superior ao dos outros imigrantes que criaram esse país. Isto produziu muitas mudanças e trouxe novos hábitos de consumo, entre outros um fluxo muito importante de narcóticos. E também o tráfico de mulheres, que é uma indústria horrível, porém enorme.

P – Porém, isso não é novo. O grande jornalista francês de princípios do século passado Albert Londres relatou num de seus livros mais conhecidos, “El camino de Buenos Aires”, a trata de brancas da Polônia à Argentina.
R
– Porém está expandindo cada vez mais. Por exemplo, se você olha para Londres. No Reino Unido existe essa legislação peculiar que faz com que a prostituição como tal não seja ilegal, mas sim os anúncios, como tratar de captar clientes. A prostituição esteve restrita durante longo tempo às mulheres britânicas que operavam em lugares muito definidos e não era um grande problema. Mas a princípios dos noventa começaram a aparecer anúncios com postais nas cabines, e, de repente, estavam em todas as partes, em todas as pequenas cidades. Foi uma invasão enorme que se produziu em todo o mundo. O uso de prostitutas por parte dos homens em todos os países ocidentais se incrementou de forma dramática. Quando era estudante na universidade não podia imaginar que nenhum de nós saísse com prostitutas. E agora há muitíssimos jovens que vão de fim-de-semana só para homens a um país báltico, e no pacote está incluído a visita a um bordel. É um fenômeno que está fora de controle.

P – Nós como consumidores podemos fazer algo para lutar contra o crime organizado, como o que conseguiu a campanha contra os diamantes de sangue?
R
– Sem dúvida, e isto está mudando graças ao trabalho de organizações tanto governamentais como não governamentais. O papel de Global Witness foi fundamental na luta contra os diamantes de sangue: é una pequena ONG, com sede em Londres, cujos representantes foram a Angola e disseram que estavam fazendo uma pesquisa para um documentário. Demonstraram os laços entre a guerrilha da UNITA e os diamantes numa investigação realmente perigosa. Porém sabiam que se conseguissem que nos Estados Unidos uns poucos senadores ou congressistas se interessassem pelo tema poderiam conseguir muita publicidade. Isso se converteu nos Protocolos de Kimberly, contra os diamantes de sangue. Incluí esta historia no livro para demonstrar que temos poder para fazer coisas: identificar a natureza precisa dos problemas que afetam à ‘economia na sombra’ e identificar o lugar onde as economias lícitas e ilícitas se encontram. Demasiadas vezes no Ocidente, os Governos definem o crime organizado como um corpo alheio, exterior: os bárbaros às portas, que estão esperando para destruir nossa civilização e infectar-nos com sua maldade. E não é assim.

P – Sem embargo, é certo que, num mundo globalizado, as máfias do leste europeu, sobretudo búlgaras e kosovares, ficaram muito poderosas, por exemplo, na Espanha?
R
- Esta idéia de que, se mantém a um país fora da União Européia, suas redes de crime organizado não podem entrar, é falsa. Se você pertence ao crime organizado, sempre podes cruzar uma fronteira; são as pessoas normais, os encanadores, os garçons, os que são discriminados se caso se mantenham fechadas as fronteiras. Com a queda do comunismo e o aumento da imigração, isto se converteu num claro problema. Porém, não esqueçamos que a Espanha foi um lugar de assentamento para as máfias, sobretudo por uma determinada indústria: a cocaína. Este desembarque também foi propiciado por uma das operações mais claras da máfia: a chantagem em troca de proteção, que cresce ao abrigo da construção.

P – Na Bulgária ou Romênia há muitos policiais espanhóis, britânicos ou alemães que trabalham sobre o terreno, e sua teoria é que, desde dentro da União Européia, é muito mais fácil lutar contra a criminalidade organizada. Você está de acordo?
R
– Tem toda a razão. As pessoas que na UE querem manter a estes países fora dão um presente espetacular ao crime organizado. Temos que fazer que estes países entrem o antes possível. A paralisação é também um caldo de cultivo terrível para o crime organizado, porque dispõe de recursos humanos gigantescos para recrutar.

P – É esse o motivo pelo qual Kosovo, que conta com 50% de desemprego, é considerada por alguns como uma pequena Colômbia na Europa?
R
– Não é uma Colômbia porque não produz cocaína, porém é um grande ponto de distribuição de heroína e de trata de brancas na Europa. Também é um exemplo de manual de como um lugar de atuação tradicional das máfias se expande à causa de um conflito. Há uma cidade no sul da Sérvia, de maioria albanesa, que é o centro de distribuição de heroína que vem da Bulgária, onde é introduzida por máfias turcas. E ali é vendida tanto a grupos albaneses como sérvios. Uma rota passa por Kosovo, Macedônia e entra na União Européia através da Itália, e outros carregamentos vão até o norte, através de Belgrado, logo Áustria e Alemanha. Desde 1999, com o protetorado das Nações Unidas, o PIB de Kosovo foi decaindo. Ademais, uma vez terminada a guerra, os países da União Européia devolveram a muitos albaneses que estavam refugiados, e isso reduziu o importe das remessas. A combinação de uma economia que decresce e de um desemprego galopante, mais as mulheres e a heroína, só pode converter a Kosovo num Estado mafioso. Trabalhou-se muito pouco num assunto essencial: como funciona este Estado. Agora mesmo há cinco autoridades ao mesmo tempo, e nenhuma sabe o que faz a outra. O único que funciona no meio destas situações caóticas é a máfia.

P - O juiz italiano Giovanni Falcone, antes de ser assassinado cerca de Palermo em 1992, escreveu que havia contraído uma dívida com a Máfia que só se pagaria com sua morte. Você conheceu, ao largo de suas investigações, a muita gente com esse tipo de dívida?
R
- Sim, muita gente. Um dos personagens mais extraordinários que conheci foi Walter Maierovitch, o magistrado brasileiro que trabalhou com Falcone, e que fundou em São Paulo um instituto dedicado ao juiz italiano que investiga o crime organizado. São pessoas com quem estabeleces laços muito profundos, e isso é o que me ocorreu com Maierovitch. Trabalhou com Falcone no caso Buscetta [um mafioso que nos anos oitenta rompeu com a lei do silêncio e se converteu num mafioso arrependido], um momento chave na luta contra a Máfia. Era fascinante falar com ele sobre Falcone e sua determinação. Todos os que se dedicam a isto são plenamente conscientes de que estão arriscando a vida, de que podem ser assassinados em qualquer momento; porém tomaram a decisão moral de que tem que seguir adiante. Também quis falar com os próprios mafiosos, e consegui em algumas áreas. E não sempre representam o mal absoluto, porque proporcionam empregos em zonas onde ninguém mais está presente e dão serviços à comunidade. E acredito que estão fazendo um bom trabalho.

P - É sua teoria do bom gângster?
R
- Sim, são pessoas que em tempos de mudanças revolucionarias provêem empregos e conseguem que os serviços funcionem. Ainda que esteja integrada por tipos bastante sinistros, a máfia russa entrou, em suas origens, nesta categoria. Foram as pessoas que manejaram a transição ao capitalismo, porque o Estado era simplesmente incapaz de fazê-lo. E isto ocorreu em muitos outros lugares do leste europeu. A ausência do Estado permitiu na Rússia o roubo massivo dos imensos recursos naturais do país. O problema que se produz quando a máfia se converte em reguladora do mercado é que não há nenhum tipo de responsabilidade democrática, nem de transparência. O dinheiro fica na parte alta da organização, ainda que há gente que lhes respeita porque conseguem emprego.

P - Sempre se disse que a principal diferença entre a Máfia e a Camorra é que a organização siciliana, ao ter uma cúpula estruturada, é muito mais discreta nos últimos anos que a organização napolitana, que vive no meio do caos com famílias enfrentadas. As coisas são muito mais perigosas quando não há um chefe claro?
R
- O que ocorreu a principio dos noventa é que se produziu uma mudança na forma em que o crime organizado se entendia a si mesmo e seus negócios. As estruturas tradicionais da máfia de Nova York e da Sicilia eram antigas e muito pouco eficientes. O que as pessoas começaram a entender é que conceitos como a família ou a lealdade são valiosos até certo ponto, porém os interesses econômicos são mais importantes. Os Estados Unidos introduziram uma legislação nos anos setenta, ainda que não começasse a aplicá-la até os anos oitenta, que foi a arma mais eficaz contra o crime organizado: RICO. Por causa das estruturas familiares é muito mais fácil utilizar RICO porque é uma lei que permite processar a alguém só por pertencer a um grupo criminal, sem necessidade de haver cometido nenhum delito concreto. Outras estruturas mafiosas se mostraram muito mais descentralizadas, como a ‘Camorra’ ou a ‘Ndrangheta’. E é um fenômeno mais acentuado nas máfias colombianas ou russas, que estão preparadas para que lhes cortem a cabeça, para que o ‘capo’ seja detido, e que o corpo possa seguir funcionando. Quando o cartel de Cali foi descabeçado nos anos noventa não passou nada com o preço da coca em Nova York. Aplicar a lei é muito difícil porque as estruturas mafiosas aprenderam de suas debilidades do passado.

P - Qual foi o momento em que você passou mais medo investigando para o livro?
R
- Foi antes de ir a Colômbia, que era um país que não conhecia. Tanto em Bogotá, como no norte ou o sul, todo mundo que você conhece sofreu algum tipo de tragédia pessoal. Porém logo não ocorreu nada concreto. Ir a Odessa, na Ucrânia, para entrevistar a um gângster também foi bastante aterrador, e em geral na Rússia, onde o Estado está voltando com força. Sentes, como na época da URSS, que só eras um ser humano e que o Estado russo não pensa duas vezes se te interpões em seu caminho. Visitei também áreas com índices altíssimos de criminalidade; porém se tens cuidado, e se quando te encontras com gângsteres organizou bem e sempre eras claro, é relativamente seguro. Passei por situações muito mais perigosas durante as guerras na antiga Yugoslávia ou em Sarajevo, onde te disparavam e bombardeavam constantemente. O único lugar onde me senti totalmente seguro foi no Japão com os ‘yakuza’, porque sentes que todo está muito estruturado.

P - A impressão que se tira de seu livro é que a máfia é menos selvagem do que pensamos, que em geral só recorre ao assassinato como última instância. Isso é certo?
R
- Para tratar de entender o crime organizado há que analisar quais são seus negócios, no que estão metidos. Os ‘yakuza’ o entenderam perfeitamente porque para eles a guerra de princípios dos anos noventa foi um desastre: não só porque perderam seu pessoal, senão porque se arruinaram em muitos negócios. Nos ‘Sopranos’, o personagem Tony possui muita sabedoria sobre o crime organizado, e ele sempre compreende isto. Os tipos que lhe rodeiam ou a quadrilha do Brooklin, não; mas ele, sim: Evita meter-te numa guerra porque tua gente morrerá e é teu recurso mais importante. Se começas uma guerra, atrairás a atenção dos meios de comunicação e da policia, que se verá obrigada a atuar para parar a violência. Desde os noventa, os ‘yakuza’ sempre trataram de evitar a violência, mas sim projetaram uma imagem crível de que seriam capazes de utilizá-la. Tem que deixar claro que, se cruzas uma linha, te aniquilarão.

P - E que disse sua família quando lhes anunciou que, uma vez que as guerras balcânicas haviam terminado, ia a dedicar-se agora à máfia?
R
- A verdade é que não lhes fez muita graça... Não gostam que viaje tanto, mas sim que a eles lhes interessam os livros. Minha filha de 13 anos, que acabava de fazer um prometo sobre Afeganistão na escola, me pediu que não fosse, estava aterrorizada. Trato de tranqüilizar-lhes o máximo possível. Mas o livro, todavia, não foi publicado, não sei como reagirão as pessoas que aparecem nele.

P - A guerra contra os narcóticos em Afeganistão parece quase impossível de ganhar. Representaria a legalização das drogas um grande golpe para as máfias?
R
- Os talibãs vão ganhar essa guerra, tenho certeza. A guerra contra as drogas é o que chamo 'a roupa nova do imperador'. O imperador está nu, mas ninguém se atreve a dizê-lo, é uma luta que começou nos anos vinte ou, em sua forma moderna, com a presidência de Reagan. A guerra contra as drogas garante ao crime organizado uns recursos econômicos gigantescos em todo o mundo. Falei com vários grandes exportadores de cânhamo no Canadá e todos estavam contra a legalização porque vivem muito bem graças à proibição. Os criminosos estão totalmente de acordo com os tipos em Washington que querem manter as políticas atuais. No Afeganistão e na Colômbia significa os talibãs e a guerrilha das FARC, que não seriam capazes de manter-se sem a indústria do ópio e da cocaína. E estamos perdendo a guerra no Afeganistão por causa dessa inútil guerra contra a droga. Há que escolher: queremos vencer a Al Qaeda ou não? Se quisermos derrotar a essa organização, temos que redefinir a política sobre as drogas. Não significa uma legalização total imediata, se podem dar passos intermédios, mas a longo prazo é uma loucura. Quando falo com políticos sobre isto, o fascinante é que, em privado, te dizem que tem que dar este passo: e me refiro a policiais, políticos e altos funcionários com muita experiência. Todos confessam em privado que há que fazer algo, mas em público todo mundo tem demasiado medo para reconhecê-lo.
P - A guerra contra o terrorismo de Bush foi boa, mau ou indiferente na luta contra o crime organizado global?
R
- Em 1995, o presidente Bill Clinton discursou na ONU traçando uma equivalência entre a luta contra a máfia e contra o terrorismo. Foi ele quem cunhou a frase do ‘lado escuro da globalização’. Quando Bush chegou ao poder desmantelou as estruturas de luta contra a lavagem de dinheiro que Clinton havia organizado porque estava convencido de que causava dano à competitividade dos bancos estadunidenses. Essa é uma das chaves, porque se chegas a seu dinheiro é quando realmente lhes fazes dano. O crime organizado começou a fazer mais dinheiro que nunca. Depois do 11-S, os serviços de segurança dos Estados Unidos não sabiam onde encontrar o dinheiro precisamente porque essas estruturas haviam sido desmanteladas. A grande diferença não está nos métodos, senão em que organizações como Al Qaeda tem objetivos muito mais políticos, como acabar com a civilização ocidental, e o crime organizado não: querer o dinheiro, a diversão, as Ferrari, as coisas materiais.
P - Suponho que haverá grandes zonas de sombra nas que Al Qaeda e o crime organizado coincidem para financiar-se.
R
- Sim. Na tríplice fronteira entre Paraguai, Brasil e Argentina sabemos que Al Qaeda está presente, igual que no negocio dos diamantes de sangue. O que lhes conecta é a ‘economia na sombra’. Podes perseguir a Osama Bin Laden nas montanhas entre Paquistão e Afeganistão, mas enquanto não combatas seus meios de financiamento, não vais a acabar com Al Qaeda. Tens que ir às fontes do problema, que estão na ‘economia na sombra’ e não nessa estratégia ridícula de Bush e Blair, baseada em grandes meios militares preparados para invadir países.
P – Citou a ‘Sopranos’. Não acredita que seriados como este podem haver trivializado a imagem que temos da máfia?
R
- Em absoluto. Há dois seriados alucinantes que creio que retratam a máfia de forma totalmente realista: ‘Sopranos’ e ‘The Wire’. São retratos maravilhosos e fizeram mais para compreender o crime organizado que qualquer outra coisa, seja na televisão, nos livros, nas campanhas policiais. Esqueça de tudo: se queres entender quais são os motivos do crime organizado, sua forma de atuação, tem que ver estes seriados, porque te mostram como atuam, como buscam suas oportunidades de negocio e mostram os mafiosos como atores racionais.