segunda-feira, maio 19, 2008

A princesa das marés


Quando a vida parecia ter desaparecido e Deus tinha virado a cara pra mim, eu encontrei alguém. Era setembro e a greve na faculdade de Direito parecia algo muito distante de acabar e eu andava muito triste. Tão triste que até fui à casa de um velho amigo do colégio. Era um domingo, creio, dia de ficar naturalmente triste, mas arrisquei sair de casa naquela manhã e me deparar com pessoas bebericando ao redor da piscina e uma banda improvisada que tentava tocar alguma coisa da Legião Urbana.

O destino é realmente algo engraçado, pois naquele mesmo dia encontrei a menina que iria me acompanhar por muito tempo, às vezes ao meu lado, mas sempre dentro de mim.

Ainda me lembro quem nos apresentou e o que falamos, e o que pensei sobre ela. Mas, principalmente, me lembro que senti algo estranho. Depois de tanto tempo, lembro que minha tristeza não desapareceu de pronto, mas senti que deus continuava comigo, de alguma forma ele seguia me dando uma chance.

Em outubro, as aulas recomeçaram e a costumeira sensação de estar perdido também. Alguma coisas em mim buscava por aquela menina, que tinha me dito que estudava ali, mas eu não a encontrava. Anos mais tarde, ela me confessou que me via sempre e tentava que a visse, mas era em vão.

O certo é que nos encontramos. Era entardecer e ela estava sentada tomando uma água de côco. Nunca esqueci o reflexo do sol naqueles cabelos dourados. O tempo que durou esta visão deve ter sido de apenas alguns segundos, mas para mim pareceu uma eternidade. Até hoje não sei onde arranjei coragem para ir falar-lhe. Haveria uma festinha na quinta-feira e combinamos ir. Naquela quinta-feira, disse pro amigo de plantão que tinha conhecido alguém muito especial e que lhe apresentaria naquela noite.

Rodei a festa inteira e nada. Ela não estava. Parei, comprei uma cerveja e estava falando qualquer coisa com uma amiga quando meus olhos encontraram outros olhos. Eram dois enormes olhos verdes. Ela estava ali, na minha frente, com o sorriso mais lindo do mundo e, eu juro, tudo parou. Havia uma banda tocando, mas por mais que’u tente não consigo lembrar o quê. abraçá-la e beijá-la foi inevitável, sem antes tentar inventar qualquer coisa para não dar na cara que’u a buscava desesperadamente. Naquela mesma noite meu melhor amido de então a conheceu e, depois que ela se foi, não sem antes trocarmos números de telefone, bebemos todas pra comemorar. Eu finalmente estava apaixonado.

Bem, foi um tempo maravilhoso. Pela primeira vez eu estava apaixonado por alguém que me amava muito. Como o tempo passa rápido quando se é feliz. Depois veio minha formatura, e ela estava ali, do meu lado, em todas as fotos. Meu primeiro escritório, o trabalho, os sonhos e decepções da vida adulta. E ela ali, ao meu lado, sendo o descanso do guerreiro, o abrigo do peregrino, a mulher do homem, a mãe do menino.

Não sei quando comecei a pensar que não estava pronto para ela. Que precisava resolver coisas antigas antes de voltar pra casa, e disse adeus, quando tudo o que’u buscava estava na minha frente e sempre ao meu lado, perfeita nos meus braços. Os filhos que não tivemos choraram sozinhos, escondidos entre brumas de nada ser e saudade.

E andei demais. Voltei ao passado e à antiga ferida que sangrava meu coração. Caminhei a noite toda na chuva, feri algumas pessoas e me feri profundamente. Mas ela sempre estava dentro de mim, debaixo da minha pele. Tentei esquecer a menina, tentei viver com outras, consegui apenas me esquecer.

Do destino ninguém foge, nem se esquece facilmente da felicidade, esta pedra preciosa que buscamos de olhos vendados. Então busquei de novo por aquela menina que’u uma vez fiz sofrer, pelo cheiro que não saia de mim. E encontrei braços abertos, sentimentos e uma alegria em meu coração, somente comparada à emoção de voltar para casa. E mais uma vez fizemos planos, plantamos sonhos, e nos amamos como almas que se precisam muito, muito e muito.

Mas o tempo tinha passado, e com o tempo não se pode contar sempre, as distâncias também já eram muitas e no fundo, sabíamos perfeitamente disto. Lembro a última vez que nos vimos, dos olhos lindos e molhados de adeus, o aeroporto triste, a incerteza de tudo, teu cheiro, o peso do meu coração.

Ainda não sei como, mas cruzei o Atlântico e vim parar aqui, mais distante ainda da menina. Talvez tentando me achar, eu tenha perdido de vez a última oportunidade de ser feliz. No próximo dia 30 de abril, a menina fará uma cirurgia. Estará sozinha, numa cidade que não é a sua e não quer preocupar sua mãe. É claro que’e sei para onde meu coração e minhas orações estarão voltadas, mas será que Deus me perdoará?

PS1: A cirurgia foi um sucesso e ela já está em casa. Creio, firmemente, que Deus me perdoou. Mas será que ela também?

PS2: Esta história ainda não acabou.

* Escrito na cidade de Valencia, Espanha, na primavera, 25 de abril de 1999.