Fico contente
E enquanto estou ausente
Guarda um cravo pra mim
Chico Buarque,
em "Tanto mar", 1975
O jovem Rafael Guardiola ignorava o porquê de tantos soldados armados e tanques naquela ponte de entrada a Lisboa. Na companhia de seu pai, aquele jovem espanhol já tinha ido a Portugal muitas vezes, em visitas aos clientes da empresa paterna. A novidade daquela viagem até então, estava no carro novo que ele dirigia. Mas de repente, foram mandados sair do carro por soldados armados, e na velha ponte de acesso a Lisboa foram deitados e interrogados. O quê Rafael e seu pai não sabiam era que naquele 25 de abril de 1974 havia começado a devolução de um país a seu povo, havia começado a Revolução dos Cravos.
O jovem Rafael Guardiola ignorava o porquê de tantos soldados armados e tanques naquela ponte de entrada a Lisboa. Na companhia de seu pai, aquele jovem espanhol já tinha ido a Portugal muitas vezes, em visitas aos clientes da empresa paterna. A novidade daquela viagem até então, estava no carro novo que ele dirigia. Mas de repente, foram mandados sair do carro por soldados armados, e na velha ponte de acesso a Lisboa foram deitados e interrogados. O quê Rafael e seu pai não sabiam era que naquele 25 de abril de 1974 havia começado a devolução de um país a seu povo, havia começado a Revolução dos Cravos.
O país de Abril nasceu naquela manhã cinzenta de 25 de abril de 1974, através das ordens do Capitão Salgueiro Maia, que passou aquele dia agarrado à sua G3, imortalizada pelas fotos. Os Capitães de Abril estavam acompanhados de uma juventude ávida por Liberdade, a palavra proibida naquele velho Portugal que despencava sobre o caduco Império colonial africano. O sinal para o começo da libertação foi a canção de Zeca Afonso “Grândola, Vila Morena”, que havia participado do I Encontro da Canção Portuguesa, ocorrido em março, que tocou ao amanhecer do dia 25 de abril pela radio Renascença. O lema daqueles jovens militares – porque foi a juventude quem fez a revolução dos Cravos - que devolveram Portugal à Europa era “Democratizar, Descolonizar, Desenvolver”.
O Portugal de Antonio de Oliveira Salazar (1889-1970) era um país dissociado do mundo e distante da Europa. Era o país do “orgulhosamente sós”, como afirmava a propaganda oficial, atrasado, pobre e inculto. Um país onde as enfermeiras não podiam casar. Como escreve o sociólogo português Mário Contumélias, ao recordar os 30 anos da Revolução dos Cravos: “Último império colonial do Ocidente, desafiado por movimentos de libertação em três frentes africanas, o país via os mais jovens dos seus filhos partirem para guerra, onde demasiados morriam, e da qual muitos regressavam diminuídos. A mágoa enchia o coração dos que cá ficavam. A revolta abastecia as prisões de presos políticos. O exílio, a censura e a PIDE amordaçavam os outros, os que viviam em liberdade vigiada.”
Portugal, empurrava milhares de jovens a combater na guerra colonial que mantinha em três frentes, contra os movimentos de libertação de Angola, Guiné e Moçambique, então denominadas “províncias ultramarinas”, um Portugal de aquém e de além - mar, em África. O país foi condenado em todos os fóruns internacionais a começar pela ONU, por não reconhecer o direito à autodeterminação dos povos.
O primeiro comunicado do Movimento das Forças Armadas foi ao ar nas ondas da Radio Clube Português pela voz de Joaquim Furtado, e pedia bom senso aos mandos militares do regime para que fossem evitados confrontos. O Movimento das Forças Armadas esclarece sua intenção de não fazer correr uma gota de sangue de qualquer português. Na verdade, esse apelo parece que surtiu efeito, pois praticamente não houve derramamento de sangue em todo o país.
Abril é o mês dos cravos em Portugal, e os cravos que foram colocados nas lapelas e nos fuzis dos soldados revolucionários pela população lisboeta foram usados mais tarde para denominar a Revolução de Abril de Revolução dos Cravos.
A geografia da cidade de Lisboa ficará para sempre guardada na memória daquele longínquo dia de 1974, através da Avenida da Ribeira das Naus, Rua Augusta, Praça do Comércio, Praça do Município, Terreiro do Paço, Rua do Arsenal, Largo Camões, Largo do Carmo, o Chiado, o Rossio, Rua António Maria Cardoso... por onde a historia foi feita.
O Capitão de Cavalaria Salgueiro Maia sai de cena como entrou, naquela madrugada de abril, quando despertou seus homens na Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, para derrubar o governo anacrônico de Lisboa. O homem que deu a Liberdade a Portugal foi mandado para as ilhas Açores, para administrar o Presídio Militar de Santa Margarida. Prematuramente morto, seu funeral foi acompanhado por ex-Presidentes portugueses, ao som de “Grândola, Vila Morena”.
Dizem que ao entrar no tanque que o arrancaria do Quartel do Carmo, onde se encontrava refugiado, o então Presidente de Governo português Marcello Caetano e mantedor da ditadura salazarista pronunciou em forma de desabafo: “- É a vida”. Sim, era a vida que começava para uma nação que recebia das mãos de suas Forças Armadas seu país, atrasado e mudo, por quase meio século de autoritarismo e silêncio. Naquele 25 de abril de 1974 a vida voltou a Portugal.
De 16 de maio de 1974 a 23 de junho de 1976 passaram seis governos provisórios à frente dos militares de esquerda, quando então foram convocadas as eleições para a Assembléia Constituinte. Em 2 abril de 1976 foi promulgada a Constituição e Mario Soares, líder dos socialistas, ganha as eleições de 25 de abril. Em 1º de janeiro de 1986, Portugal ingressa junto com a Espanha na Comunidade Européia.
O jovem Rafael jamais esqueceu a Revolução dos Cravos, que hoje cumpriu 40 anos, e que levou a empresa de seu pai a falência, pois seus clientes portugueses acabaram fugindo para o Brasil sem pagar ninguém. A sua Espanha ainda continuaria sob o domínio do general Franco, sem nunca sentir o sabor de derrotar a ditadura. Anos mais tarde, Rafael levaria a um doutorando brasileiro a conhecer Lisboa. Chegamos de madrugada e estacionamos na Praça do Comercio, subimos pela Baixa, seguindo a pé pela Avenida da Liberdade, debaixo de uma leve chuva matinal que molhava a lembrança de outra época, que já é apenas lembrança.
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De: Rafael Guardiola
Enviado el: martes, 27 de abril de 2004 11:53:51
Para: Antonio Freitas Jr.
Asunto: Re: Os cravos de abril - Antonio de Freitas Jr.
Querido Antonio:
¡Joder! has conseguido emocionarme con tu artículo.
Por cierto, tú no conocías tantas calles de Lisboa...
Un fortísimo abrazo.
Rafa
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