Bota o retrato do velho
bota no mesmo lugar
que o sorriso do velhinho
faz a gente trabalhar.
bota no mesmo lugar
que o sorriso do velhinho
faz a gente trabalhar.
Haroldo Lobo e Mariano Pinto, 1951
De repente a foto de Getúlio Vargas está presente em muitas revistas, enchendo as bancas com a figura do ancião astuto que, com seu charuto à mão, sacou o Brasil do tempo das Capitanias hereditárias para enviá-lo ao século XX, dirigindo-o como um verdadeiro Marquês de Pombal. É que dia 24 de agosto próximo comemora-se 50 anos daquela bárbara madrugada de 1954, quando um tiro no peito o remeteu não para a História, pois ele já estava, mas o transformou num mito, no maior mito da política brasileira.
Talvez todas as palavras sobre o mito e o homem Getúlio Vargas já tenham sido ditas nesses 50 anos que nos separam de sua morte, e mesmo assim o caudilho – que gostava mais de ser explicado que de explicar-se – continua a ser um político que guardou a sete chaves o segredo de tamanho sucesso. “Ele nunca deixou de ser um gaúcho de fronteira, que gosta mais de ouvir do que de falar”, explica o sobrinho-neto, Viriato Vargas, de 67 anos, em recente entrevista.
Getúlio, que criou dois partidos políticos, deixou vários herdeiros políticos menores, e seguiu nascendo e morrendo várias vezes ao longo do século XX, com a vitória ou a derrota de cada um deles. Assim, renasceu e morreu junto a João Goulart, para renascer mais uma vez na vitória de seu Ministro da Justiça Tancredo Neves. Por fim, Getúlio falece outra vez em junho de 2004, junto a Leonel Brizola, o último herdeiro do trabalhismo.
Vargas é a equação perfeita do equilíbrio. E a expressão desse equilíbrio se reconhece na sua ambigüidade, no fato de mesmo depois de todos esses anos, continuar a ser uma figura tão contraditória. Oportunista que esperava o cavalo selado para montar, foi de uma praticidade incrível na perseguição de seus objetivos. Entretanto, Vargas foi acima de tudo um sobrevivente político.
Gaúcho de modos mineiros, um firme radical que na verdade se revelava um conciliador, um aglutinador, um negociante nato. Ditador reconduzido ao poder pelo voto das massas. Um provinciano que mesmo no topo do poder, não abandonava os costumes locais. Um filho de São Borja - seu “rincão”, sua “tribo”- Rio Grande do Sul, onde nasceu em 19 de abril de 1882. Na pequena São Borja que deu ao Brasil, além de Getúlio, Jango e Brizola. Como afirmou um conterrâneo de São Borja: “A grandeza deles estava na simplicidade”.
Algumas declarações de Getúlio durante a campanha de 1951 despertam a atenção pela clarividência da sua posição, chegando mesmo a parecer uma premonição ao afirmar: “Eles, os grupos internacionais, não me atacarão de frente (...). Usarão outra tática, mais eficaz. (...) Subvencionarão brasileiros inescrupulosos, seduzirão ingênuos inocentes. E, em nome de um falso idealismo e de uma falsa moralidade, (...), procurarão, atingindo a minha pessoa e o meu governo, evitar a libertação nacional. Terei de lutar. Se não me matarem...”.
O projeto nacional criado por Getúlio Vargas foi o primeiro projeto de Brasil. E, para muitos, o único até agora. Um projeto que mesclava o desenvolvimento nacional a justiça social, dando ao país uma rota a seguir no caminho da industrialização e da coesão social, ao menos a urbana.
A Era Vargas, várias vezes enterrada e nunca morta, seguirá com o mito de Getúlio, habitando o imaginário nacional toda vez que este país conseguir pequenas vitórias na eterna batalha por atingir um grau de desenvolvimento econômico que seja o reflexo do “Brasil grande” que pensamos. O nacionalismo, que se dava definitivamente por morto no final do século XX, cada dia ocupa maior destaque na política das nações. De maneira que o Brasil, que nunca teve vocação internacionalista, cedo ou tarde terá que adotar alguma posição de matiz nacionalista, mesmo com todas as ambições em nível de Mercosul. E seria possível pensar em nacionalismo brasileiro sem ter em mente a poderosa figura de Getúlio Vargas? Como profetizava a marchinha de 1951, composta por Haroldo Lobo e Mariano Pinto, o retrato do velho ainda seguirá por muitos anos.