quarta-feira, setembro 29, 2004

A ultradireita na Alemanha


A ultradireita volta a conseguir assento em um parlamento regional europeu. E, nada mais nada menos, que na Alemanha, onde já haviam conseguido até então 22 vezes, desde o final da II Guerra Mundial. Nas eleições estaduais desta semana, os cortes no Estado de bem-estar social efetuados pelo governo do chanceler Gerhard Schroeder, somados a altas taxas de desemprego, conseguiram com que o voto de protesto elegesse nos “lãnder” de Saxônia e Brandenburgo a representantes da extrema-direita. Não significa com isto que conquistaram o poder nestes estados da federação alemã, mas a votação que obtiveram não era esperada.

Entretanto, os maiores partidos alemães seguem sendo o Partido Social-Democrata (SPD) - presidido por Franz Müntefering, que foi o mais votado em Brandenburgo, e atualmente está no poder juntamente com o Partido Verde - e a União Democrata Cristã (CDU) – presidida por Angela Merkel, na oposição e na liderança dos votos na Saxônia.

Em Brandenburgo, o Partido Socialista Democrático (PDS), principal herdeiro dos comunistas da ex - Alemanha Oriental, conseguiu 28% dos votos, enquanto que na Saxônia conseguiram 23%. Os radicais de direita da União Popular Alemã (DVU) conseguiram 6,1%, garantindo pela primeira vez a um partido da ultradireita um segundo mandato num parlamento estadual. Criado pelo milionário da publicidade Gerhard Frey em 1971, a agremiação transforma-se em partido político em 1987, possuindo em suas fileiras cerca de 11.500 seguidores.

Na Saxônia, o extremista Partido Nacional Democrático (NPD) – que desde 1968 não possuía representação parlamentar, obteve ao redor de 9,2% da votação, quase a mesma quantidade de votos conseguida pelo partido da situação, o Partido Social-Democrata (SPD), que conquistou apenas 9,8%. O Partido Nacional Democrático (NPD), criado em 1964 por Udo Vigt, o mais radical dos partidos de ultradireita é neo-nazista. Não reconhece a existência do holocausto nazista e advoga pela revisão das fronteiras da Alemanha. Em 2003, tanto o governo como o parlamento alemão tentaram ilegalizar o partido, por semelhanças ao Parido Nazista, mas foram impedidos nos tribunais porque as provas obtidas contra a agremiação foram conseguidas através de agentes infiltrados.

A reforma do Estado de bem-estar social, traduzido no corte das benevolentes ajudas sociais, proposta pelo governo do chanceler Gerhard Schroeder é apontada como a grande responsável pelo voto de protesto na extrema-direita e nos herdeiros pós-comunistas da finada Alemanha Oriental. Os protestos de rua contra a reforma de Schroeder, organizados todas as segundas-feiras, chega a juntar 30 mil pessoas por manifestação. A reforma do seguro-desemprego, por exemplo, que pretende reduzir o benefício para aqueles com menos de 55 anos a um ano, e para ano e meio àqueles com mais de 55, é a vitrine das reformas propostas pelo atual governo alemão. Vale lembrar que a população alemã envelhece rapidamente e que o desemprego é maior no leste, 18,5%, contra 8,5% no oeste.

Assim, crescem as divergências entre as duas Alemanhas anteriormente separadas pelo Muro de Berlim e por ideologias enfrentadas, e que juntas foram a mais perfeita representação da Guerra Fria. A radicalização da política alemã pode ser entendida pela violência que provoca. Mais de cem pessoas já morreram vítimas da violência da ultradireita na Alemanha desde a reunificação em 1990. No ano passado ocorreram mais de 750 casos de crimes violentos ligados à extrema-direita no país.


Contudo, dia 9 de novembro próximo será o 15º aniversário da queda do muro de Berlim. E os alemães estão divididos outra vez. Desta vez não por um muro, mas pela divisão e aplicação do dinheiro público. Os mais pobres necessitam de maiores ajudas sociais. Os mais ricos estão fartos de pagar tributos. Cerca de 4% do PIB alemão é investido nos estados da antiga Alemanha Oriental - atuais membros da federação alemã - o que representa aproximadamente 80 bilhões de Euros por ano. A divisão social, agora transformou-se em divisão política. É a radicalização da política alemã.

segunda-feira, setembro 27, 2004

Toda a miséria deste mundo


Alguém pode estar em contra do combate a fome e a pobreza mundial? Claro que não. Ninguém, nem mesmo os países ricos. Entretanto, apesar das metas estabelecidas para se combater a miséria mundial, ninguém se põe de acordo em desembolsar as vultosas somas necessárias para erradicar os males que flagelam bilhões de seres humanos.

A erradicação da miséria foi exatamente o que se propôs na semana passada, quando a “Aliança contra a Fome” - formada pelo Brasil, Espanha, França e Chile – esteve reunida na véspera do encontro anual da Assembléia Geral da ONU com outros representantes de 97 países, embora apenas quatro países ricos – Finlândia, Portugal Suécia e Suíça – tenham enviado seus líderes como representantes. Os EUA, por exemplo, mandaram a Secretária de Agricultura, Ann Veneman, como sua representante no encontro.

A “Aliança contra a Fome” conseguiu aprovar oito instrumentos e orientações para alcançar o objetivo de reduzir a miséria mundial até o ano de 2015, acompanhadas da advertência de que a paz mundial no século XXI dependerá destas medidas. Os instrumentos apresentados para o financiamento do combate a fome na reunião que oficialmente se denomina “Ação Mundial contra a Pobreza e a Fome” foram: a) Impostos sobre os movimentos de capital: a criação da Taxa Tobin, que arrecadaria 17 bilhões de dólares por ano; b) Imposto sobre o comércio de armas: que compensaria o desvio de fundos do desenvolvimento para a guerra; c) Facilidade de financiamento internacional: proposto pelo governo trabalhista inglês de Tony Blair, significa a emissão de dívida pública para financiar a ajuda ao desenvolvimento; d) Direitos especiais de transferência: aprovado pelo FMI em setembro de 1997, criaria a unidade internacional de conta; e) Luta contra a evasão fiscal: em especial a luta contra os paraísos fiscais, que diminuem a capacidade de arrecadação dos países em desenvolvimento; f) Melhora das remessas: acelerar e baratear o custo da remessa dos imigrantes aos países em desenvolvimento, que superam os 86 bilhões de dólares por ano, superando o total da ajuda ao desenvolvimento; g) Doações por cartão de crédito: lançamento de um cartão de crédito associado às metas do Milênio, que destinaria um pequeno valor de cada transação efetuada como doação dos usuários e bancos; h) Fundos éticos: incrementar os investimentos nos denominados Investimentos Socialmente Responsáveis – ISR, aqueles ligados a promoção de emprego, da proteção ambiental e etc.

As cifras da pobreza são assustadoras. De acordo com dados apresentados no encontro, entre 1999 e 2001, 842 milhões de pessoas sofreram desnutrição no mundo, sendo 798 milhões habitantes de países em desenvolvimento, notadamente na Ásia e na África. E a esse montante soma-se cinco milhões de famintos a cada ano. A seguir assim, serão 600 milhões de famintos em 2015, data limite para reduzir à metade a proporção de famintos no mundo, de acordo com os objetivos estabelecidos na Cúpula do Milênio de setembro de 2000, ratificada no Consenso de Monterrey, México, em 2002. E merece registro o fato de que a fome diminuiu nos últimos anos na América Latina. Dos seis bilhões de habitantes do planeta, um sexto sobrevive com menos de um dólar ao dia.

A entrada da Espanha na “Aliança contra a Fome” foi destaque na imprensa mundial porque o recém eleito Presidente de Governo, o socialista Luis Zapatero, cumpria assim uma de suas propostas de campanha, além de sair do alinhamento com os EUA em política exterior. A Espanha acaba de retirar suas tropas do Iraque, cumprindo outra promessa de campanha do Presidente Zapatero. Assim, a Espanha retorna ao seio da política exterior européia, liderada pela França e a Alemanha, que condenaram a atitude unilateral estadunidense de invadir o Iraque.

A idéia de uma “Aliança contra a Fome” partiu do Presidente Lula, e a Cúpula realizada na sede da ONU foi uma vitória da diplomacia brasileira, na sua luta em conseguir ocupar um lugar de protagonismo no cenário mundial. Em seu discurso, o Presidente Lula afirmou que “a fome é a mais cruel arma de destruição massiva”. E arrematou: “A pior resposta ao drama da fome é não dar resposta nenhuma”.

A oposição dos EUA às propostas apresentadas pelos países da “Aliança contra a Fome” não tardou em ocorrer, pois a Secretária de Agricultura Ann Veneman precisou que “impostos mundiais não são democráticos”, explicando sua contrariedade à taxação das transações internacionais de capital, a conhecida Taxa Tobin.

A paz mundial estará em jogo se não houver uma redução drástica nos índices de miséria planetária, que aumentam a divisão das classes sociais dentro das nações, e distanciam a cada dia mais os paises ricos dos pobres. Entretanto, é necessário que os países pobres e os emergentes arrumem a casa, ética e moralmente, para poderem exigir uma divisão mais eqüitativa da riqueza mundial. A começar pelo Brasil e seu vergonhoso título de nação mais injusta do mundo, onde pior se divide a riqueza no planeta. Enquanto não formos um “país da classe média” e uma nação que remunere melhor a um professor, para atrair os melhores para a formação do nosso futuro, estaremos condenados a uma dupla moral. A que exige melhor reparto da riqueza mundial entre as nações, mas que ao mesmo tempo nega a sua população esta melhoria na divisão da riqueza nacional.

Serão necessários 50 bilhões de dólares anuais até o ano de 2015 para cumprir o objetivo de redução da miséria mundial. Segundo dados de Joaquín Estefanía, só com publicidade, o planeta gasta anualmente dez vezes mais que isso. Sem contar os 17 bilhões de dólares anuais que gastam europeus e estadunidenses com alimentos para animais domésticos. Quem pagará o preço da paz mundial e da segurança do planeta? Quem deixará seu gatinho com fome?

segunda-feira, setembro 13, 2004

A insegurança do mundo

Defender la alegría como un destino
defenderla del fuego y de los bomberos
de los suicidas y los homicidas
de las vacaciones y del agobio
de la obligación de estar alegres.

Mario Benedetti,
em "Defensa de la alegría".

Creio que cada um de nós recordará, para sempre, onde estávamos naquele 11 de setembro de 2001. Como nossos pais recordam onde estavam quando Getúlio se matou, quando assassinaram a Kennedy ou quando Neil Armstrong se tornou o primeiro homem a caminhar na Lua. Eu me lembro, perfeitamente, que almoçava com uns amigos brasileiros no restaurante chinês ao lado da mesquita de Valencia, na Espanha. E que fomos ver as imagens na televisão do Café de Camilo, que ficava ainda mais perto da mesquita. Um mês depois eu estava num avião da Varig a caminho do Brasil, com uma sensação de indiferença do perigo que tem todo brasileiro, ao se saber distante de todos os problemas do mundo.

Entretanto, que balanço podemos fazer depois de três anos dos atentados de Nova Iorque, seis meses dos de Madri e alguns dias da terrível matança de Beslan, Ossétia do Norte? Depois de inflamar o ódio do Ocidente sobre o Islamismo e favorecer o disparate das mentes racistas de extrema direita acadêmica através de teses tresloucadas, como a da guerra de civilizações, o que ficou foi uma insegurança generalizada que permeia até mesmo as relações pessoais.

Nosso momento atual foi denominado de a “Era do medo total”, por Herman Tertsch, que o explica: “É um medo muito especial, generalizado e compartilhado, confessado, contagioso, exagerado, retro alimentado nesta era da mídia em que todas as sensações se multiplicam e se estendem a velocidade de desmaio. Ainda não sabemos como mudara nossas vidas, nossas relações interpessoais, sociais, políticas e internacionais, mas em todo mundo germina a consciência de que nada será igual ao que era”.

E esta insegurança se amplia na medida em que as mentiras são desmascaradas, e os motivos que foram alegados para justificar invasões e guerras não foram comprovados. A final, onde estão as armas de destruição em massa? Pelo contrário, Iraque não se converteu em uma democracia, o conflito entre judeus e palestinos se acirrou e o preço do petróleo disparou, e não sua produção. Como bem lembra Juan Luís Cebrian, enfraqueceram a unidade européia e a aliança atlântica, se multiplicaram as ações terroristas, caiu a confiança das pessoas na classe política, paralisou o tênue processo de abertura no Iran, prejudicou o prestígio dos EUA como primeira democracia mundial e cresceu o numero de jovens mulçumanos dispostos a sacrificar-se em nome de Deus.

A decisão de Putin de atacar bases terroristas em qualquer parte do mundo, apenas corrobora a tese estadunidense – e israelense – do direito ao ataque preventivo como meio de defesa. Mas não nos enganemos, o ataque preventivo não é direito, é “não direito”, é a lei do mais forte aplicada de maneira hipócrita e cínica pelos países detentores das grandes máquinas de guerra. É a vitória de Hobbes - que privilegia a força - sobre Kant – que enaltece o direito, no campo das relações internacionais.

Como afirmou recentemente o historiador britânico Timothy Garton Ash, o terrorismo nunca é justificável, mas muitas vezes é explicável, e suas causas vamos encontrar nas explicações. Se, ao invés de apavorar o mundo com sua hegemonia militar, os EUA procurassem combater os terrorismos com o uso inteligente da prudência, creio que nenhum país do mundo se recusaria a apoiá-los. Nem Europa, nem América Latina estão dispostos a esquecer seus princípios numa aliança cega e a qualquer preço com os neoconservadores de direita que hoje governam os EUA. Ou com o que o ex-Ministro de Relações Exteriores da França, Dominique de Villepin, denominou "imperialismo messiânico dos neoconservadores norte-americanos, no seu livro Le requin et la mouette (O tubarão e a gaivota).

O Brasil se encontra tão preocupado com seus próprios problemas – e estes são muitos - que muitas vezes nos parece que a insegurança mundial não pode nos atingir. Que os temores estadunidenses sobre a Tríplice fronteira são infundados, coisa de gente bem acomodada num escritório de Washington, sem qualquer conhecimento papável da realidade terceiro-mundista que nos rodeia. Porém, se nosso projeto em nível de política exterior é alcançar um maior protagonismo internacional, estamos preparados para pagar o preço da insegurança?