Foi um dia como outro qualquer.
A diferença foi que as pessoas se uniram.
Nunca pensei que se transformaria nisso.
Rosa Lee Parks
Era uma vez uma costureira pobre que voltava para casa no fim da tarde, depois de um dia duro de trabalho. No ônibus, um sádico motorista gritou para que ela, e três outros passageiros, se levantassem para que um único passageiro pudesse eleger onde sentar. Mas, o que alçava aquele passageiro à categoria de melhor passageiro entre os demais, se todos pagaram o mesmo valor pelo bilhete da viagem?
No Estado do Alabama, EUA, durante os anos da década de 1950, vigoravam leis de discriminação racial, pelas quais os negros eram considerados cidadãos de segunda categoria, e, conseqüentemente, segregados em escolas, banheiros e transportes coletivos. Nos ônibus, os assentos dianteiros estavam reservados aos brancos, os de atrás aos negros e os do meio, também aos brancos. De acordo com as leis daquele verdadeiro apartheid estadunidense, aquela pobre costureira negra deveria ter se levantado para ceder seu assento a um passageiro branco, pois se encontrava em um assento do meio do ônibus. Assim determinava a lei. A lei que embora norma jurídica fosse, era ilegítima e imoral, e que portanto atentava contra o Direito.
Naquele 1º de dezembro de 1955, a senhora Rosa Lee Parks, a costureira pobre de nosso artigo, moradora da casa 634 no conjunto habitacional proletário de Cleveland Court, decidiu não se levantar. E desde aquele momento a chama da liberdade voltou a brilhar no altar da dignidade humana e a história dos EUA jamais foi a mesma. Imediatamente presa por desrespeito à lei do Alabama, a senhora Parks, aos 42 anos, tornou-se um símbolo da luta contra a discriminação racial não somente nos EUA, mas em todo o mundo. Em reação à sua prisão, a população negra da cidade de Montgomery, capitaneada pelo então jovem pastor batista Martin Luther King, promoveu um boicote ao transporte coletivo que durou mais de ano, e forçou o fim das leis racistas no sul dos EUA.
Vale lembrar que os principais atos de resistência pacífica naquele período foram promovidos por mulheres, o verdadeiro substrato do movimento. E não somente mulheres negras, pois houve uma participação ativa de muitas mulheres brancas, conscientes e comprometidas com o movimento, como por exemplo a patroa da senhora Parks, Virginia Durr.
O incidente serviu de estopim para a luta pelos direitos civis nos EUA, que culmina em 1964 com a revogação das leis de segregação racial estadunidenses e que, posteriormente, encontrarão eco, anos depois, nos assassinatos de Martin Luther King, ganhador do Nobel da Paz, e do Presidente Kennedy. Além de transformar a senhora Rosa na verdadeira pioneira da luta contra a discriminação racial nos EUA.
A senhora Parks cresceu marcada pela humilhação e desde criança estava acostumada a dormir vestida, caso precisasse fugir de sua casa no meio da noite por causa de algum ataque da Ku Klux Klan. Sua militância contra a discriminação racial apenas aumentou quando não pôde votar no Presidente Roosevelt, pois naquela época nos EUA, os negros tinham que pagar uma taxa especial para votar, além de prestarem um teste escrito. Mais tarde, foi eleita secretária da ‘Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor’, hoje o maior lobby negro dos EUA, como relata a jornalista Maria Ramírez, para o jornal espanhol El Mundo.
A senhora Rosa Parks morreu esta semana, em companhia dos amigos, aos 92 anos de idade, respeitada e reverenciada por sua luta, coberta pelo reconhecimento nacional. Pela sua militância em prol dos direitos civis, ela ganhou os dois maiores prêmios estadunidenses: a Medalha Presidencial da Liberdade, em 1996, e a Medalha de Ouro da Honra, do Congresso dos EUA, em 1999.Contudo, a senhora Rosa Parks não foi a primeira mulher a ser presa por descumprir a lei de apartheid estadunidense, pois naquele ano de 1955 duas outras já o haviam sido, sendo que a primeira foi Claudette Colvin.
Em 1956, a Suprema Corte do Alabama decidiu pela inconstitucionalidade da lei de segregação racial no transporte coletivo. Entretanto, naquele dia 1º de dezembro de 1955, alguém reagiu quase que em silêncio aos gritos irracionais do racismo, olhando pela janela do ônibus uma solitária senhora deu uma das maiores lições de dignidade humana a toda humanidade. Seu nome era Rosa Lee Parks, louvado seja.