sexta-feira, dezembro 16, 2005

Evo Morales da Bolívia



Um índio descerá de uma estrela
colorida e brilhante
De uma estrela que virá
numa velocidade estonteante
E pousará no coração
do hemisfério sul,
na América,
um claro instante

Índio,
Caetano Veloso

Durante as guerras de independência da América espanhola, no século XIX, Bolívia era apenas uma província do Vice-reino da Prata, que viria a ser hoje a Argentina, assim como o atual Paraguai. A região do altiplano andino já tinha financiado a riqueza e decadência do Império espanhol, através das minas de prata de Potosí. O próprio nome de Bolívia foi uma homenagem interessada ao libertador Simon Bolívar, para assegurar assim, sua pessoal defesa da independência da região não somente dos espanhóis, mas também dos futuros argentinos. Entretanto, a Bolívia se liberta do Império espanhol pelas mãos do General Sucre, e não pelas de Bolívar, como muitos imaginam.

O certo é que a Bolívia conseguiu sua independência, de europeus e crioulos, para tornar-se o país sul-americano com o maior número de golpes de Estado de sua história e um dos mais pobres. O país perdeu todas as guerras em que entrou, com conseqüências graves o território nacional, mas muito piores para sua população, majoritariamente de indígenas Aymara e Quéchua: a Guerra do Pacífico (1879-1883) – Apoiou o Peru contra o Chile, perdendo ao final sua saída ao Oceano Pacífico; b) Guerra do Chaco (1932-1935) – Contra o Paraguai, em que perdeu dois terços da região conhecida por “Chaco”.

O Professor espanhol Manuel Alcántara, no seu clássico “Sistemas Políticos de América Latina” afirma que a Bolívia “tradicionalmente foi uma república oligarca, monopolizada pela minoria branca, assentada no Altiplano, onde praticamente o Estado não existiu até meados do século XX”. A mineração, sua tradicional maior riqueza, e hoje em dia o gás natural, sempre caminharam juntos com a política, tendo o exército nacional como elemento de força a serviço das classes dominantes.

Neste quadro terrivelmente terceiro-mundista, de distanciamento entre a classe política, as elites econômicas e a população, o país sofreu protestos sociais desde 2004 que cumularam na deposição dos presidentes Gonzalo Sánchez de Lozada e, em junho de 2005, a Carlos Mesa.

Contudo, Bolívia poderá eleger neste domingo seu primeiro presidente saído da maioria étnica espoliada e esquecida durante séculos. O ‘aymara’ Evo Morales, atual deputado pelo Partido “Movimiento al Socialismo - MAS” e líder dos “cocaleros”, leva 34% das intenções de voto. Seu principal adversário, o ex-presidente direitista Jorge Quiroga, segue na disputa com 29% das intenções de voto, segundo a imprensa boliviana.

Evo Morales fundou o “Movimiento al Socialismo – MAS” em julho de 1987, mesclando oriundos do sindicalismo, do marxismo da década de 1970 e do movimento social dos produtores de coca. Desde então o partido apenas cresceu, sendo o segundo mais votado em 2003 e o primeiro nas eleições municipais de 2004. Concorrendo à presidência em 2002, Evo Morales ficou em segundo lugar. Caso vença domingo, Evo Morales já possui a palavra do Mercosul de que seu país será elevado à categoria de membro de pleno direito.

Sobre sua afinidade com o Presidente Lula, disse Evo Morales: “Me sinto muito unido a Lula, que vem da luta sindical, assim como eu venho da luta dos trabalhadores rurais. Seus pais eram analfabetos como os meus. Eu não terminei o segundo grau e jamais tive uma empregada doméstica. São muitas coincidências e por isso o considero como um irmão mais velho”.

Esta será a sétima presidencial boliviana, desde a redemocratização do país em 1982. Ademais, se elegerão, pela primeira vez, os governadores de seus nove departamentos administrativos, denominados “Prefectos”, que prepararão o referendum sobre a autonomia destes departamentos, em julho de 2006. Para 2006 o país convocará uma Assembléia Constituinte que promulgará uma nova Constituição. Oito partidos políticos concorrem nestas eleições.

Pela atual Constituição boliviana, a eleição presidencial acontece em um único turno, no qual o candidato para sair vencedor deve conseguir a maioria simples dos votos. Caso isso não ocorra, o Congresso nacional deve escolher o presidente.

Neste domingo, pouco mais de 3,5 milhões de bolivianos elegerão a 130 deputados, 27 senadores e nove governadores de departamentos. Decidirão sobre algo mais, decidirão sobre seu próprio futuro como nação, escolherão quem deve ser beneficiado pelas riquezas de seu país. Que Bolívia eleja o ‘aymara’ Evo Morales, que Bolívia eleja a Bolívia, pela primeira vez em sua história, neste domingo.